Acórdão nº 0628/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução13 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A…….

Limited (A……), veio interpor recurso de revista, nos termos do art. 150 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão, de 293.2012, do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) que, negando provimento ao recurso jurisdicional por si interposto, confirmou, com diferente fundamentação, a sentença do Tribunal Administrativo de Circulo (TAC) de Lisboa, que julgou improcedente a providência cautelar, interposta pela recorrente contra os ora recorridos INFARMED-Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (INFARMED), Ministério da Economia e Inovação (MEI) e a sociedade contra-interessada B…… Lda (B……), de suspensão de eficácia do acto de autorização de introdução no mercado (AIM) concedida pelo recorrido INFARMED à contra-interessada, relativamente ao medicamento genérico Candesartan B…… 16mg Comprimidos, «… durante o período de vigência Patente PT 97451 e respectivo CCP 15 – não abrangendo tal suspensão os actos preparatórios do lançamento no mercado do medicamento em causa desde que a eficácia dos mesmos actos fique diferida para o termo de vigência daquela Patente e CCP», bem como de intimação da Direcção-Geral das Actividades Económicas (DGAE) intimada, na pessoa do ora recorrido MEI, a abster-se de, «… enquanto a Patente (e respectivo CCP 15) estiver em vigor, fixar o preço de venda ao público (PVP) requerido pela contra-interessada, suspendendo o respectivo procedimento administrativo ou a abster-se de fixar tal preço sem que essa fixação fique condicionada a apenas entrar em vigor na data em que a mesma Patente (e respectivo CCP 15) caducar», relativamente ao medicamento acima identificado.

Apresentou alegação (fls. 860, ss., dos autos), na qual formulou as seguintes conclusões: 1.

A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro tem que conduzir à conclusão de que o presente recurso excecional de revista reveste uma utilidade jurídica fundamental dadas (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros.

  1. O presente recurso jurisdicional diz respeito a questões de relevância jurídica e social fundamental, que revestem importância jurídica excecional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.

  2. A Lei n.º 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa, e não devia ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.

  3. Os pedidos formulados na ação principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância de a AIM, bem como a aprovação de PVP, terem por objeto mediato uma atividade – a comercialização dos medicamentos genéricos da Contrainteressada – violadora dos direitos de patente da Requerente, ora Recorrente, que constituem um direito fundamental de natureza análogo à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.º da Constituição, considerada pela lei como um crime.

  4. Nessa acção não se defende que a AIM ou a aprovação de PVP em causa sejam, per se, violadores dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente.

  5. Na ação principal a Recorrente invocou a nulidade dos actos de concessão de AIM destes autos com base nos dispositivos do artigo 133.º, n.º 2, alíneas c) e d) do artigo 135.º, ambos do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), por tais actos serem violadores do conteúdo essencial do seu direito fundamental emergente da patente e certificado complementar de proteção dos autos e porque a atividade por eles licenciada é uma atividade criminosa, punida como tal pelo artigo 321.º do Código da Propriedade Industrial.

  6. Mais invocou que o mesmo acto era inválido, nos termos do artigo 135.º do CPA, por ter como única finalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um acto administrativo desse mesmo Estado que lhe era anterior, ofendendo, nomeadamente, o artigo 18.º da Constituição que tem aplicação directa.

  7. A Lei n.º 62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133.º e 135.º do CPA, e, por isso, dela não pode decorrer que a ação principal deva ser julgada improcedente.

  8. A declaração de invalidade dos actos de AIM e de PVP pedida na ação principal é formulada à luz dos referidos artigos 133.º e l35.º do CPA.

  9. O que se pretende, em suma, na ação principal, é a verificação da ilegalidade do acto administrativo de concessão da AIM e do PVP e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED ou pela DGAE, respetivamente.

  10. A nova norma do artigo 23.º-A do Estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.

  11. As normas dos artigos 25.º, n.º 2 e l79.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento, com a redação que lhes foi dada pela Lei n.º 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o INFARMED sindicar a existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133.º e 135.º do CPA nem um impedimento de os Tribunais apreciarem a validade dos actos praticados pelo INFARMED à luz dessas disposições.

  12. As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.

  13. Se, porém, tais normas forem entendidas – o que não deriva do seu texto – como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED aprecie, no contexto daquele acto administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18.º da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Publica, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.

  14. As considerações acima expostas acomodam-se mutatis mutandis à aplicação do artigo 8.º da Lei n.º 62/2011, ao pedido de suspensão do acto de aprovação de PVP pela DGAE.

  15. As disposições constantes do artigo 19.º. n.º 8, do artigo 23.º-A, n.º 1 e n.º 2, do artigo 25.º, n.º 2 e do artigo 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento – na redação conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 –, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, acima referidas, são insuscetíveis de obstarem à procedência da ação principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos actos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente também não poderão obstar à procedência do presente processo cautelar.

  16. Tendo o Tribunal a quo entendido que as normas constantes do artigo 19.º, n.º 8, do artigo 23.º-A, n.º 1 e n.º 2, do artigo 25.º, n.º 2 e do artigo l79.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento – na redação conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 –, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, contêm uma proibição absoluta de que o INFARMED e o MEE/DGAE tomem conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM e de aprovação de PVP, da existência de violação de patente por parte do medicamento objeto desse procedimento, ou os obriguem a deferir os respetivos requerimentos de concessão de AIMs e de aprovação de PVPs para tais medicamentos, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos artigos 17.º, l8.º, 62.º, n.º 1 e 266.º da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.

  17. A norma do artigo 9.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011 é, também, inconstitucional pois que, ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objetivo de lhes atribuir efeito retroativo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis pré-existentes, como é o caso do acto de concessão de AIM e de PVP aqui em crise.

  18. Tal desiderato não pode, neste caso, ser atingido sem violação da Constituição, que, no seu artigo 18.º, n.º 3, proíbe a atribuição de efeito retroativo a normas restritivas de direitos, liberdades e garantias.

  19. A alteração legislativa levada a cabo pela Lei n.º 62/2011 não alterou os fundamentos em que se baseia a pretensão da ora Recorrente na ação principal de que estes autos cautelares são dependentes.

  20. Com vista a uma “melhor aplicação do direito”, deve este Venerando Tribunal considerar verificada a existência de fumus boni juris, por aplicação de normativos que não os que constam da Lei n.º 62/2011, uma vez que não têm qualquer relevância no litígio que nos ocupa.

  21. Tendo em consideração que a Lei n.º 62/2011 não poderá ser tida como aplicável no caso vertente – hipótese que, no mínimo, sempre teria de equacionada pelo Tribunal a quo por ser discutida e ter sido suscitada a inconstitucionalidade da aplicação do diploma –, se Tribunal a quo observou que, de uma determinada perspetiva de direito as provas não seriam suficientes para conceder a providência, então, nos termos do artigo 712.º nº4 do CPC, e tal como demandado na Conclusão 9 das alegações de recurso da decisão de primeira instância, o Tribunal deveria ter procedido à correção da matéria de facto, designadamente ordenando a baixa dos autos a fim de ser produzida prova sobre os factos controvertidos, a fim dos mesmos poderem ser...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT