Acórdão nº 4521/10.9TBOER.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelANTÓNIO SANTOS
Data da Resolução03 de Julho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa 1.Relatório. A , residente no Estoril, intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra B , pedindo, A condenação da Ré a : - a restituir-lhe a quantia global de € 19.475,23 correspondente ao enriquecimento da Ré e consequente empobrecimento do autor, acrescida de juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento; - a restituir-lhe tudo o que seja ainda obrigado a pagar ao BES e à CGD por força do incumprimento pela R. das suas obrigações assumidas perante tais entidades bancárias.

Para tanto, alegou em síntese e v.g. que : - Viveu em união de facto com a Ré durante cerca de 7 anos, de 2002 a 2009 , data em que a Ré abandonou a casa onde residiam; - Durante o referido período, dada a diferença de rendimentos de autor e Ré, foi apenas o autor que contribuiu para os encargos da vida familiar, tendo ainda , em 2007, por acordo de ambos, a Ré adquirido uma casa de férias no Algarve, ficando é certo a mesma apenas em nome da Ré, mas passando doravante as prestações do empréstimo contraído ( no valor de € 188.000,00) a ser pagas pelo Autor, que igualmente prestou Fiança; - Do mesmo modo, foi ainda o autor quem se constituiu como garante de empréstimo concedido à Ré ( de € 54 933,60 ) para poder tirar um curso de piloto de aviação, tendo-se o A. constituído como garante da R., e passando de então em diante a suportar, no todo ou em parte, as prestações devidas para a sua amortização, sendo que tudo se processou no pressuposto da manutenção da vida em comum do A e Ré, o que não se veio a verificar.

1.1. - A ré contestou a acção e deduziu pedido reconvencional alegando que quando deixou de residir com o A. ficaram na casa do mesmo diversos bens móveis da sua propriedade, os quais todavia o A. se recusa a devolver, razão porque deve ele ser condenado a restituir-lhe tais bens móveis.

1.2.- Prosseguindo os autos a sua tramitação normal, veio finalmente a realizar-se a audiência de discussão e julgamento dentro do formalismo legal, tendo no seu final sido proferida decisão sobre a matéria de facto controvertida, sem qualquer reclamação e, seguindo-se a prolação da sentença, é do seguinte teor o respectivo comando/segmento decisório : “ Decisão Por todo o exposto julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condena-se a R a pagar ao A a quantia de € 1.144,45 (mil cento e quarenta e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado que exceda a medida da presente condenação.

Mais se julga a reconvenção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condena-se o A a entregar à R os bens móveis melhor identificados no ponto 27. dos factos provados, absolvendo-o do demais peticionado que exceda a medida da presente condenação.

Custas da acção na proporção de 94,12% para o A e de 5,88% para a R Custas da reconvenção na proporção de 72,87% para o A e de 27,13% para a R Registe e notifique. “ 1.3.- Inconformado com tal sentença, da mesma apelou então e apenas o autor A, apresentando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões: a) No que de essencial foi objecto dos pedidos formulados na acção e que tem a ver com a compra da casa do Algarve pela Ré e com o curso de piloto que esta decidiu fazer, os factos em que o Alegante se sustenta foram provados; b) Assim é, com efeito, como consta dos n.ºs 9 a 18 e 21 a 25 da matéria provada ; c) Uma vez finda a união de facto em causa na acção, a manutenção na esfera jurídica da Ré de todos os bens e direitos adquiridos na pendência dessa união suportados pelo Alegante, importa o enriquecimento injustificado com o correspondente empobrecimento deste, para os efeitos do Artigo 473º do C. Civ.

d) O argumento adiantado na douta sentença recorrida como fundamento de que no caso do empréstimo contraído na CGD para a casa do Algarve o Alegante ficaria subrogado nos créditos desta entidade bancária e que, por isso, não haveria enriquecimento por contraponto ao empobrecimento não tem sentido, nem validade, para os custos suportados por este não decorrente da sua qualidade de fiador do empréstimo; e) com efeito, os respectivos custos provados na acção não foram custos exigidos pela CGD não se colocando no caso, pois, o problema da subrogação decorrente da fiança; f) se e quando a CGD exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias não cumpridas pela Ré resultantes do empréstimo contraído para a compra da casa do Algarve, aí sim a sub-rogacão operará plenamente os seus efeitos e o Alegante fará valer os seus direitos de créditos pelos meios próprios no plano dessa relação jurídica; g) relativamente às obrigações pecuniárias provadas nos autos, que têm a ver com o empréstimo contraído pela ré no BES para pagar o curso de piloto, decidido por esta e já iniciado antes da união de facto com o Alegante e ainda ao tempo em que se encontrava com seu ex-marido, como este mesmo confirmou em audiência e se mostra na passagem da transcrição acima citada, há inquestionavelmente o enriquecimento na sua esfera jurídica injustificado, com o correspondente empobrecimento do Alegante .

h) Ou seja, relativamente a qualquer destas situações verifica-se no caso, de acordo com a prova produzida na acção, o enriquecimento sem causa da Ré, sem que o Alegante tenha outro meio de se ressarcir que não através desta disciplina jurídica, nos termos dos Artigos 473º e segs. do C. Civ; i) Neste sentido vai, com efeito, a jurisprudência dominante acima citada; j) a disciplina jurídica relativa ao casamento aplicável às uniões de facto reporta-se apenas as regras que se prevêem na Lei n.º 7/2001 de 11 de Maio, sendo o seu Artigo 3º claro sobre os efeitos da união de facto ; k) nessa norma não constam, pelas razões apontadas na jurisprudência e na doutrina acima citada, os deveres dos cônjuges fundados no casamento ; l) se o legislador pretendesse ir ao ponto de mandar aplicar os deveres cônjuges às uniões de facto, previstos nos Artigo 1672º e segs. do C. Civ, tê-lo-ia expressamente previsto, o que não é o caso; m) o único dever de assistência fundado no matrimónio aplicável às uniões de facto é o dever post-mortem, tal como especialmente previsto no Artigo 2020º do C. Civ. .

n) A douta sentença recorrida, ao decidir como o fez, erra manifestamente na aplicação do direito aos factos provados, tendo violado, por essa via, a disciplina legal aplicável ao enriquecimento sem causa, previstas nos Artigos 473º e segs. do C. Civ. e, ainda, as disposições da Lei n.º 7/2001, em particular o seu Artigo 3º.

Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências que aqui se invoca, deve ser dado provimento ao recurso e, consequentemente, a douta sentença recorrida revogada, com todos os efeitos legais daí resultantes, com o que será feita Justiça Não foram apresentadas contra-alegações.

* Thema decidendum 1.4.

- Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A, nº 1, ambos do Código de Processo Civil ), as questões a apreciar e a decidir são as seguintes : a) Se a decisão apelada incorreu em error in judicando ao desatender a pretensão do apelante relativamente aos pedidos formulados na acção, e estando eles relacionados : 1- Com a restituição pela apelada ao apelante das quantias que este último despendeu com a compra da casa do Algarve pela Ré, considerando designadamente a factualidade vertida nos itens 2.9.

a 2.18 , todos da motivação de facto do presente Acórdão.

2- Com a restituição pela apelada ao apelante das quantias que este último despendeu com o curso de piloto que a primeira efectuou, considerando designadamente a factualidade vertida nos itens 2.21 a 2.25 , todos da motivação e facto do presente Acórdão.

* 2.- Motivação de Facto.

Pelo tribunal a quo foram considerados provados os seguintes factos : 2.1.- O A. conheceu a R. em Maio de 2002, quando esteve destacado na companhia de transportes aéreos de voos não regulares "……", participada da TAP.

2.2.- A R. prestava serviço na "….." como hospedeira de bordo.

2.3.- A partir de 2002 o A. e a R. passaram a viver em comunhão de mesa, leito e habitação, em imóvel do A.

2.4.- Para além da comunhão de mesa, leito e habitação o A. e a R. desfrutavam em conjunto de todos os seus tempos livres e recebiam os amigos comuns na casa onde viviam.

2.5.- Tal vivência em comum decorreu até 5/3/2009, data em que a R. deixou de residir com o A. no imóvel deste.

2.6.- Durante tal vivência em comum quer o A. quer a R. auferiam os rendimentos resultantes das respectivas actividades profissionais.

2.7.- Na data referida em 2.5. o rendimento líquido mensal que o A. retirava da sua actividade profissional como comandante da …. era não superior a € 7.000,00 .

2.8.- Na data referida em 2.5. o rendimento líquido mensal que a R. retirava da sua actividade profissional como chefe de cabina era de cerca de € 1.150,00.

2.9.- Com data de 13/4/2007 a Ré outorgou uma escritura pública pela qual declarou que adquiria a "H...", que através da sua procuradora declarou vender à R., pelo preço de € 188,000,00, a fracção autónoma para habitação designada pela letra D, sita no bloco A, correspondente ao rés do chão D do prédio urbano composto por dois blocos, denominados A e B, sito nos ... ou ..., lote …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº 0000 da freguesia da ..., concelho de Albufeira.

2.10.- Para possibilitar o pagamento do preço acima referido a Ré acordou com a C.G.D. a concessão de um empréstimo para aquisição de habitacão própria e permanente no valor de € 16.000,00 e destinado a pequenas...

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