Acórdão nº 5505/05.4TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelONDINA CARMO ALVES
Data da Resolução13 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO “A”, residente na …, …, …, …, intentou, em 13.10.2005, contra “B” SEGUROS, S.A., com sede na Avenida…, nº …, em …, acção declarativa sob a forma de processo comum ordinário, através da qual pede a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 100 000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da citação, até efectivo e integral pagamento.

Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de, em 19.10.2002, em Lisboa, ter sido atropelada por um veículo matrícula 00-00-00, que se encontrava seguro na ré, quando atravessava uma passadeira de peões, com o respectivo sinal em verde.

Invoca a autora que, em consequência do atropelamento, sofreu danos não patrimoniais, desde a data do acidente e até à data da propositura da acção, que quantifica em € 20 000,00. Pelos danos não patrimoniais futuros a autora reclama a quantia de € 20 000,00. Pelas lesões física e psíquica sofridas, tendo em conta o seu carácter permanente e limitador da actividade normal da autora, esta reclama a quantia de € 60 000,00.

Mais alega a autora que as lesões sofridas determinarão uma incapacidade parcial permanente com uma desvalorização a apurar através de exame pericial, a requerer no momento de produção de prova, reservando-se a autora o direito de ampliar o valor de € 60 000,00 indicado, em função das conclusões do exame médico a efectuar.

Citada, a ré contestou, admitindo as circunstâncias causadoras do acidente e a responsabilidade da sua segurada. Porém, impugnou, por desconhecimento ou por não terem ocorrido, os danos invocados pela autora e qualificou de exagerados os valores peticionados.

A ré terminou, concluindo pela improcedência da acção, por não provada, e sua consequente absolvição do pedido.

Proferido o despacho saneador, e elaborada a condensação com a fixação dos Factos Assentes e a organização da Base Instrutória, foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, constante do Dispositivo da Sentença, o seguinte: Nestes termos, e por todo o exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada, condenando-se a R. “B” Seguros, S.A., no pagamento à A. “A”, duma indemnização no valor global de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros à taxa legal de 4% (Portaria nº 291/2003, contados desde a data da prolação da presente sentença até integral pagamento.

Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: i. Tendo a recorrente sofrido atropelamento que lhe causou lesão física permanente da coluna vertebral e lesão psíquica prolongada, estas lesões traduzindo um dano do bem da saúde, constituem um dano biológico, o qual é autonomamente reparável, independentemente das consequências de ordem patrimonial.

ii. O dano biológico, porque se traduz na diminuição somático-psíquica do indivíduo, é indemnizável, ainda que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e ainda que dele não resulte perda de vencimento.

iii. Tendo a recorrente 24 anos de idade na data do acidente, com uma perspectiva de vida de 56 anos, auferindo como economista, um rendimento anual naquela data de € 15.960,79, tendo ficado com uma incapacidade geral permanente de 2%, traduzida em lesão física que é causa de sofrimento físico permanente e esforços acrescidos no exercício da actividade profissional e tendo em conta o trauma psíquico permanente, deverá à mesma ser arbitrada a quantia de € 60.000,00 para indemnização da perda da capacidade de ganho inerente ao dano biológico.

iv. Tendo a recorrente, quando atravessava uma passadeira, com sinal verde para os peões, sido embatida com violência e projectada a alguns metros de distância, o que lhe causou fortes dores na cabeça e zona lombar, tendo sido submetida a vários exames radiológicos, tendo suportado durante 8 meses fortes dores na zona lombar, o que a obrigou a usar cinta de contenção lombar, e medicação causadora de sonolência, tendo efectuado tratamentos de fisioterapia incómodos e dolorosos, tendo sofrido angústia e dores crónicas, tendo deixado de praticar atletismo, o que fazia regularmente, deverá ser concedido à recorrente a quantia de 20.000,00 para reparação dos danos não patrimoniais sofridos no momento do acidente e nos três anos subsequentes.

v. Tendo em conta que a recorrente, uma jovem saudável e praticante desportiva com 24 anos, deixou de poder praticar desporto, fazer viagens longas, permanecer sentada muito tempo, carregar objectos pesados, e sofrerá pela vida fora, durante pelo menos 56 anos, dores crónicas, estes danos não patrimoniais futuros devem, pela sua longa duração, ser indemnizados autonomamente em relação aos sofridos no momento do acidente e nos anos imediatos.

vi. Tendo sido dado como provado que as dores na zona lombar e sacro-coccigia, devidas à lesão na coluna vertebral se manterão no futuro, limitando as tarefas diárias e sendo causa de esforços acrescidos na actividade profissional, o que a obrigará a tratamentos fisiátricos e medicação; e tendo em conta que a neurose causada pelo acidente, embora reversível, se mantém, volvidos dez anos sobre o acidente, sofrendo, ainda hoje, a recorrente de medo e angústia ao atravessar uma passadeira e que a impossibilidade de praticar desporto é irreversível, deverá ser concedido à recorrente a quantia de 20.000,00 para reparação dos danos não patrimoniais futuros.

vii. A decisão recorrida, não tendo atribuído à recorrente qualquer indemnização por dano patrimonial inerente ao dano biológico, violou os artigos 70°, 483°, 562°, 564° e 566° do Código Civil e o artigo 25° n° 1 da Constituição da República.

viii. A decisão recorrida, atribuindo à recorrente a quantia de 5.000,00 por todos os danos não patrimoniais sofridos, violou os princípios previstos nos artigos 496°, n° 1 e 564°, n° 2 e 566°, n° 3 do Código Civil.

ix. Não tendo sido efectuada qualquer actualização ou correcção monetária dos valores indemnizatórios, nada dizendo a decisão recorrida em que medida foram actualizados, e atendendo ainda ao facto de a acção ter sido julgada sete anos depois de proposta, deverão ser concedidos ao recorrente, nos termos do artigo 805°, n° 3 do Código Civil, juros de mora a contar da citação.

Pede, por isso, a apelante, que a sentença recorrida seja revogada e a recorrida “B” Seguros S.A. condenada a pagar à recorrente as quantias acima indicadas, acrescidas de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.

Respondeu a recorrida, defendendo a manutenção do decidido e formulando as seguintes CONCLUSÕES: i. Não merece qualquer reparo a douta sentença ora recorrida; ii. Do julgamento em primeira instância, resultou provada a existência de danos não patrimoniais bem como de dano biológico, quantificado em 2 pontos de incapacidade permanente geral.

iii. In casu, um dano biológico quantificado em 2 pontos incapacidade permanente geral só pode ser qualificado juridicamente como um dano não patrimonial, tem em atenção que apenas demanda alguns esforços acrescidos para o exercício da sua actividade de funcionária administrativa, sem nunca se repercutir na perda de capacidade de ganho, iv. Não estando as possibilidades de progressão na carreira da Recorrida condicionadas.

v. Reputa-se como adequada a indemnização equitativamente fixada doutamente pelo Tribunal a quo.

vi. O termo inicial de contagem dos juros moratórios fixa-se a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*** II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto nos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões: i. DA INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS SOFRIDOS PELA AUTORA; ii. DA PROBLEMÁTICA DO DANO BIOLÓGICO E A INDEMNIZAÇÃO A ARBITRAR À AUTORA, A ESSE TÍTULO; iii. A CONDENAÇÃO DE JUROS MORATÓRIOS E O SENTIDO DA INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 566º, N.º 2, E 805º, N.º 3, SEGUNDA PARTE, DO CÓDIGO CIVIL OPERADA NO AUJ N.º 4/2002, DE 9 DE MAIO.

*** III .

FUNDAMENTAÇÃO A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Foram dados como provados na sentença recorrida os seguintes factos: 1. No dia 19 de Outubro de 2002, pelas 9h00m, quando a A. atravessava a passadeira de peões localizada no topo norte da Av.ª …, em …, no sentido norte/sul, foi atropelada pelo veículo ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-00, conduzido por “C” – (Al. A) dos factos assentes).

  1. A condutora do veículo 00-00-00 circulava no sentido norte/sul no topo norte do …, vinha do lado do Estádio do … e ao chegar à Av.ª …, mudou de direcção para a esquerda – (Al. B) dos factos assentes).

  2. Apesar de ter o semáforo verde, a condutora do identificado veículo, não respeitou o direito de passagem dos peões, nomeadamente da A., que atravessava a passadeira com o respectivo sinal em verde, estando o sinal amarelo, intermitente, para os veículos – (Al. C) dos factos assentes).

  3. A A. foi embatida com violência pela parte da frente do veículo 00-00-00 e projectada a alguns metros de distância – (Al. D) dos factos assentes).

  4. Em virtude desse atropelamento a A. sofreu lesões corporais – (Al. E) dos factos assentes).

  5. Após o embate a A. ficou caída no pavimento – (Resposta ao 1º da base instrutória).

  6. Ainda no local do acidente foi colocada à A., pela equipa de paramédicos, um colar de imobilização e prestados os primeiros socorros...

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