Acórdão nº 09243/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução06 de Dezembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

O Ministério da Educação e Ciência, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue: I. É o Tribunal a quo absolutamente incompetente para o julgamento da presente causa, por, tendo ela por objecto as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 42/2012 relativamente às condições de acesso ao ensino superior, ser esta matéria estranha à jurisdição administrativa, como foi já reconhecido em sentenças relativas a processos com o mesmo objecto.

  1. De facto, e também de direito, um tribunal administrativo não passa a ser competente quando, sendo a causa a mesma, o pedido é outro, além do mais de condenação, no âmbito de uma tutela urgente.

  2. Certo é que não existe uma relação jurídica administrativa e, muito menos um litígio dela emergente.

  3. E por mais que sua "sonoridade dramática" impressione, não basta a invocação de uma lesão de um direito fundamental, independentemente da causa, para fundamentar a competência jurisdicional de um tribunal administrativo. É indispensável identificar o bem jurídico supostamente ofendido assim como a causa da alegada lesão.

  4. No presente caso, os ora recorridos identificam como causa da lesão o Decreto-Lei n. ° 42/2012, mas já não o bem jurídico ofendido.

  5. Facilmente se explica esta omissão por não estar em causa a lesão de um direito fundamental, nem sequer a violação do princípio da protecção da confiança, pois a expectativa dos ora recorridos de ver considerada a classificação interna e/ou de serem dispensados da realização de exames finais nacionais não é um bem jurídico e, muito menos, dotado de dignidade constitucional.

  6. A confirmar a incompetência absoluta está ainda a demonstração de que a sentença recorrida potenciou um vazio legal, na medida em que, com a desaplicação do Decreto-Lei n.° 42/2012, nem o Tribunal a quo, nem o Ministério da Educação e Ciência podem repristinar, para mais casuisticamente, o regime legal anterior.

  7. Aliás, não se concebe como possa, de forma legítima, um Tribunal intimar a Administração a desaplicar normas legais, por ser, este, domínio da sua responsabilidade, e muito menos desobrigar-se de dizer qual é o direito aplicável ao caso, mesmo quando por ela instado para o efeito, condenando-a, em última análise - como foi o caso -, a uma actuação material sem habilitação legal e, por isso, ilegal.

  8. Não obstante, julgou-se o Tribunal a quo competente para apreciar o mérito da causa, reiterando a fundamentação vertida na sentença de 21.06.2012, segundo a qual "o que está em causa não é a apreciação de um litígio que tenha por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa, até porque tal apreciação está, desde logo, excluída do âmbito da jurisdição administrativa (cfr. art. 4°, n.° 2, al. a) do ETAF)." X. Salvo o devido respeito, não se alcança como possa estar em causa um litígio estranho ao exercício da função legislativa, quando, precisamente, foi sentenciada a desaplicação do regime legal decorrente do Decreto-Lei nº 42/2012.

  9. Ainda que se admitisse que o Ministério da Educação e Ciência pudesse, em cumprimento da intimação, revogar ou desaplicar a Portaria nº 91/2012, que é da sua responsabilidade e que concretiza a fórmula de cálculo das médias para efeitos de acesso ao ensino superior, tal também não constituiria solução jurídica, pois está em causa um regulamento de mera execução, estritamente operacional do Decreto-Lei nº42/2012, que nada lhe acrescenta no plano substantivo. Sendo certo, contudo, que se intimou a Administração, in casu o Ministério da Educação e Ciência, a desaplicar o Decreto-Lei.

  10. Tem-se, assim, por evidente que o Tribunal a quo excedeu amplamente o âmbito da jurisdição administrativa, porquanto não é da sua competência intimar um Ministério a desaplicar uma lei àqueles a quem concedeu vencimento de causa.

  11. É que a autoria moral de um diploma legal não se sobrepõe à autoridade formal do mesmo, com todas a exigências procedimentais envolvidas, razão por que o Ministério da Educação e Ciência não pode dispor sobre a operatividade ou o destino de um decreto-lei.

  12. Verifica-se, pois, a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, pelo que devia o ora recorrente ter sido absolvido da instância, razão por que a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 4.°, n.° 2, do ETAF, 13.° do CPTA e 101.° a 103.°, 493.°, n.° 2, 494.°, alínea a), e 495.° do CPC.

  13. Por outro lado, é pacífico que a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias só se oferece como meio processual adequado quando estiver em causa directa e imediatamente o exercício do próprio direito, liberdade ou garantia ou direito análogo.

  14. Ora no caso vertente não foi posto em crise nenhum direito fundamental, maxime, o direito de acesso ao ensino superior em condições de igualdade, pois o que os ora recorridos consideram ter sido ofendido foi a sua expectativa de a classificação interna ser contabilizada na média de acesso ao ensino superior e/ou de serem dispensados da realização de exames finais nacionais, o que, até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 42/2012, era consentido.

  15. Sendo que, para elevar a direito a mera expectativa de poderem usar a classificação interna obtida no ensino recorrente no cálculo da média e de serem dispensados da realização de exames finais nacionais, os ora recorridos teriam de demonstrar a presença de um bem jurídico próprio e de evidenciar a existência de uma intenção normativa de protecção efectiva desse mesmo bem jurídico, o que não fizeram, certamente por impossibilidade objectiva.

  16. Sucede que também não o fez o Tribunal a quo, limitando-se a afirmar que, tendo os ora recorridos alegado uma restrição inaceitável do núcleo essencial da liberdade de aprender, do direito ao ensino, em condições de igualdade, e da certeza e segurança jurídica, "estão em causa direitos enquadráveis nos direitos, liberdades e garantias, constitucionalmente consagrados, preenchendo o primeiro pressuposto no referido artigo 109.°" XIX. Ora, não se pode reconhecer na expectativa dos ora recorridos um direito, liberdade ou garantia ou mesmo direito análogo.

  17. Resulta, assim, claro que não se encontra preenchido o principal pressuposto exigido pelo n.° 1 do artigo 109.°...

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