Acórdão nº 341/05.0 TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Novembro de 2012

Data07 Novembro 2012
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I.

Relatório.

1.1. Os arguidos A...

e B...

, ambos entretanto já melhor identificados, e ao que ora releva, foram submetidos a julgamento, sob a aludida forma de processo comum colectivo, porquanto oportunamente pronunciados, cada um deles, pela autoria material consumada de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art.º 205.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal.

No decurso da respectiva audiência, no entendimento pelo Tribunal a quo de que emergiria dos autos uma alteração não substancial de factos e uma alteração da qualificação jurídica, esta porquanto os factos imputados na acusação configurariam, no que àquele ilícito concerne, não a aludida subsunção legal, mas antes a previsão inserta no art.º 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), do Código Penal, acatado o estatuído pelo art.º 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, nada requereram os sujeitos processuais visados.

W..., Lda., com sede na Rua … , em Leiria, mediante articulado de fls. 1346/1350, constitui-se assistente; deduziu acusação nos termos do art.º 284.º, do Código de Processo Penal (aderindo à acusação pública e acrescentando alguns factos), e deduziu pedido de indemnização civil contra (mormente) tais arguidos, pedindo a sua condenação solidária a solverem-lhe a quantia de € 69.361,78, acrescida de juros desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Realizado o contraditório, por acórdão adrede proferido, determinou-se no que contende com o aludido segmento do objecto processual, e além do mais: - Condenar cada um dos visados arguidos A...

e B...

como co-autor de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelos art.ºs 26.º e 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, cuja execução se suspendeu por correspondente (s) período (s) de tempo; - Mais os condenar a pagarem solidariamente à demandante W..., Lda., a reclamada quantia de € 69.361,78, acrescida de juros desde a data da sua notificação para contestarem tal pedido, e até efectivo e integral pagamento à peticionante.

1.2. Arguidos e demandados que, porque desavindos com o teor desse veredicto, interpõem o presente recurso, formulando, após motivação, a seguinte ordem de conclusões: 1. Os factos provados e imputados aos co-arguidos não permitem condená-los a nenhum título pelo crime de abuso de confiança, por não preencherem a factualidade típica nem do lado do tipo objectivo, nem do lado do tipo subjectivo em termos tais que só à custa de frontal e irremível violação do imperativo constitucional de legalidade/tipicidade (nullum crimen sine lege) seria possível persistir na sua condenação.

  1. Considerando ambas as situações, a da assistente e do arguido ... devem ter tratamento igual no plano ético tão censurável uma como a outra.

    O crédito da assistente estava vencido em 16 de Abril de 2004 e era exclusiva responsável a .... O aval é posterior ao vencimento da dívida e entregue em Maio/Junho de 2004, com vencimento, a primeira letra, em Setembro de 2004.

  2. A infracção compreende um conjunto de pressupostos que se podem reconduzir a três: uma entrega e um recebimento lícitos; o descaminho ou apropriação por parte do agente; um prejuízo ou perigo de prejuízo para o proprietário. Os factos descritos nos números 17 a 27 da matéria provada nada têm a ver com o crime de abuso de confiança, não preenchendo a factualidade típica nem realizando o pertinente ilícito material típico.

    Nada relevando, para o efeito a circunstância, de que com a sua conduta, os arguidos terem causado um prejuízo à W.... Pela razão de que o direito penal está sujeito a um estrito e inultrapassável princípio de legalidade/tipicidade.

  3. Em direito penal não releva um qualquer prejuízo, nem mesmo um prejuízo ilicitamente causado a terceiro, por mais elevado que ele seja. Em direito penal só assumem relevo os prejuízos causados pela conduta típica e segundo o processo causal típico previstos na correspondente norma incriminatória. Tudo o que cair fora do alcance da factualidade típica duma qualquer incriminação terá de ser solucionado fora do “direito e do processo penal”. No caso vertente, terá concretamente de se solucionar no foro cível.

  4. Com a sua acção – recusa da entrega das letras à W... –, os recorrentes fizeram regredir as coisas ao status quo inicial, isto é, ao momento anterior à primeira entrega das letras à firma credora. Repare-se que os arguidos poderiam nunca ter entregue aquelas letras à W..., hipótese em que persistiria intocada a dívida de € 69.361,78; depois de o Banco ter recusado o desconto por insuficiência de aval, os arguidos poderiam, pura e simplesmente, ter recusado acrescentar os avais solicitados pelo banco, hipótese em que o Banco continuaria a recusar o desconto e em que continuaria a persistir intocada a dívida de € 69.361,78.

  5. Só faria sentido falar de abuso de confiança se fosse possível referenciar uma qualquer inversão do título de posse de que resultasse para a W... a desapropriação do seu crédito e reversamente, significasse por outro lado a extinção da sua dívida o que manifestamente não aconteceu.

  6. O Acórdão da Relação de Coimbra, relatado pelo Ex.mo Desembargador Fernando Ventura, com data de 4 de Fevereiro de 2009, acolhe aquela Doutrina. O arguido antes satisfez, no exercício pleno dos seus poderes de gerência a assumpção duma dívida sobre a sociedade a qual poderia ser a única accionada pelo credor.

  7. À assistente permanece inalterada como credora, que continua a ser, a possibilidade de exigir judicialmente o pagamento.

  8. No caso em apreço, não tendo a conduta dos arguidos determinado qualquer diminuição patrimonial indevida (ilícita) na esfera jurídica da assistente, impõe-se concluir pela ausência dos pressupostos da obrigação de indemnizar tal como definidos no art.º 483.°, do Código Civil.

  9. Sustenta a assistente/demandante que com a decisão de não entregar as letras os arguidos impediram a demandante de executar, contra a sociedade … e contra o arguido, letras que ascendem a € 69.361,78, ou seja, que contava legitimamente que o arguido pagasse a dívida pela qual assumia a responsabilidade pessoal e reclama ter sofrido “prejuízo correspondente” às quantias que, cumprido o acordado, teriam antes ingressado na esfera do seu património.

    Como lapidarmente é sufragado naquele Acórdão e que ora se transcreve: “Trata-se porém de pretensão indemnizatória fundada exclusivamente em cumprimento contratual, a qual não pode ser aqui conhecida. Nos termos do assento do STJ n.º 7/99, de 17/6/99 [XXIX]: «Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no art.º 377.º, n.º 1, do Código de Processo penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade contratual».

    Falece igualmente a condenação do arguido no pagamento de indemnização à demandante..., Lda.” 11. Devendo os arguidos ser absolvidos do crime de abuso de confiança, falece igualmente a condenação dos mesmos no pagamento da indemnização à demandante.

  10. Por argumento à “fortiore” tendo o arguido B… funcionando como um “núncio”, não tendo dado o aval, nem sequer prometido dá-lo, em nada prejudicou ou beneficiou com a situação.

    Terminaram pedindo a revogação do acórdão prolatado de acordo com o assim alegado.

    Com o requerimento de interposição do recurso, juntaram tais arguidos/demandados uma “carta” elaborada pelo Ex.mo Professor Costa Andrade. Em síntese essencial sufraga tal Mestre que a materialidade apurada no acórdão da 1.ª instância não preenche a factualidade típica, nem do lado objectivo, nem do lado subjectivo, do art.º 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), do Código Penal, donde que a impor-se o eximir da responsabilidade penal e civil decretadas pelo acórdão em causa.

    1.3. Acatado o art.º 411.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, apenas respondeu o Ministério Público. Fê-lo sustentando a manutenção da condenação penal imposta.

    1.4. Proferido despacho admitindo os recursos interpostos, cumpridas as formalidades devidas, os autos foram remetidos a esta instância.

    1.5. Aqui, no momento processual a que alude o art.º 416.º, ainda do diploma adjectivo penal, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer concordante com o antes expendido pelo Ministério na 1.ª instância.

    1.6. Observado o subsequente art.º 417.º, n.º 2, replicaram os arguidos/demandados rebatendo o expendido pelo Ex.mo PGA.

    1.7. No exame preliminar a que se reporta o n.º 6, ainda deste inciso, consignou-se que nenhuma circunstância determinava a apreciação sumária das impugnações, ou obstava ao seu conhecimento de meritis, donde que a deverem prosseguir, com a recolha de vistos, o que se verificou, e submissão à presente conferência.

    Urge, então, ponderar e decidir.

    * II.

    Fundamentação de facto.

    2.1. No que ora concerne, o acórdão recorrido teve como provados os factos seguintes: 1. Na certidão de matrícula...

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