Acórdão nº 169487/08.3YIPRT-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução06 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

R…, Lda., interpôs, no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, contra o Banco A…, SA, recurso extraordinário de revisão, pedindo que, nos termos e para os efeitos da alínea g) do artº 771 do Código de Processo Civil, se não se considerem provadas as alíneas F) e G) dos factos dados como provados - na sentença proferida na acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que correu termos sob o nº … - e não se tendo feito prova do capital em dívida, a sua absolvição do pedido.

Alegou, como fundamento do recurso, que no âmbito do processo de injunção que correu termos, sob o nº …, no 3º Juízo do mesmo tribunal, as testemunhas do recorrido haverem declarado que este não lhe enviava os extractos da conta corrente caucionada, limitando-se e enviar os extractos da conta à ordem, pelo que, por o recorrido não ter feito prova do capital em dívida, foi absolvida do pedido, que, no âmbito do processo de injunção que correu termos sob o nº …, as mesmas testemunhas terem declarado precisamente o contrário, pelo que foi condenada a pagar ao recorrido a quantia de € 17.151,68, acrescida de juros de mora de 4%, desde 17 de Junho de 2006 a 29 de Maio de 2008, num total de € 1.340,18, e que o recorrido nunca lhe enviou o extracto da conta corrente caucionada, que não faz prova do capital em dívida nem do valor de € 18.203,53, dado que o valor máximo contratado foi de apenas € 9.975,96.

O recorrido, asseverou, na resposta, que o recurso carece de fundamento, e, naturalmente, concluiu pela improcedência dele.

Dispensada a fixação da base instrutória, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com registo pelo sistema de gravação Habilus dos depoimentos das duas testemunhas inquiridas, no terminus da qual se decidiu, sem reclamação, a matéria de facto.

A sentença final - com fundamento em que não está demonstrada a falsidade do depoimento prestado por essa testemunha antes e apenas que o Tribunal valorou de forma diferente o seu depoimento, não se sabendo em qual dos processo mentiu ou sequer se mentiu – julgou o recurso improcedente.

É esta decisão que a recorrente impugna no recurso ordinário de apelação no qual pede que se declare nula a sentença proferida, e proferido acórdão que considere a acção totalmente procedente por provada, ou no caso de assim não se entender deve ser proferido acórdão que revogue a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” e substituindo-se por outra que julgue a acção totalmente procedente por provada e consequentemente condene a recorrida no pedido.

A recorrente rematou a sua alegação com estas conclusões: … Na resposta, o recorrido depois de obtemperar que o recurso deve ser considerado extemporâneo, dado que a recorrente não indica as passagens da gravação da prova testemunhal nem procedeu à transcrição dos depoimentos e apresentou as alegações para além do prazo de 30 dias, concluiu pela improcedência do recurso.

O Relator, admitiu, por despacho expresso, o recurso.

  1. Factos provados.

    O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes: … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente.

    Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida.

    No primeiro caso, o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja, se é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação[1].

    No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.

    Como o pedido e a causa de pedir só podem ser alterados ou ampliados na 2ª instância se houver acordo das partes – eventualidade mais que rara – bem pode assentar-se nisto: que os recursos interpostos para a Relação visam normalmente apreciar o pedido formulado na 1ª instância com a matéria de facto nela alegada.

    Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.

    Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas[2].

    Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova – na instância de recurso.

    Em qualquer das situações, salvaguarda-se, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso[3].

    Ao tribunal ad quem é sempre lícita a apreciação de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que esta não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida.

    Estas questões – como, v.g., o abuso do direito, os pressupostos processuais, gerais ou especiais, ou a litigância de má fé, oficiosamente cognoscíveis – constituem um objecto implícito do recurso, que torna lícita a sua apreciação na instância correspondente, embora, quando isso suceda, de modo a assegurar a previsibilidade da decisão e evitar as chamadas decisões-surpresa, o tribunal ad quem deva dar uma efectiva possibilidade às partes de se pronunciarem sobre elas (artº 3 nº 3 do CPC).

    Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.

    A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa.

    O modelo do nosso sistema de recursos é, portanto, o da reponderação e não o de reexame[4].

    No caso que constitui o universo das nossas preocupações, estamos face a recurso ordinário de apelação através do qual se impugna decisão proferida no âmbito de recurso extraordinário de revisão.

    O fundamento do recurso extraordinário de revisão alegado pela recorrente consiste – e consiste só - na falsidade do depoimento de uma das testemunhas produzidas pelo recorrido no processo em que foi proferida a sentença revivenda (artº 771 b) do CPC).

    É verdade que na conclusão do requerimento de interposição daquele recurso extraordinário, a recorrente invoca a alínea g) do artº 771 do Código de Processo Civil, que contém o último fundamento do recurso de revisão: a simulação processual.

    Mas deve entender-se que a invocação daquela norma adjectiva deriva, decerto, de lapso.

    Até à Reforma dos recursos - instrumentalizada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto - a simulação processual, de que o tribunal se não tivesse apercebido na pendência da causa, constituía fundamento do recurso extraordinário da oposição de terceiro.

    Com a supressão, por aquela Reforma, daquele recurso extraordinário, a simulação processual, foi reconduzida a fundamento autónomo do recurso extraordinário de revisão, verificados que sejam os seguintes requisitos: que a sentença tenha transitado em julgado; que o recorrente tenha a posição de terceiro; que a decisão lhe cause prejuízo; que o processo encubra um acto simulado; que a simulação haja obedecido ao propósito de prejudicar o recorrente; que o tribunal, por não se ter apercebido da fraude, não tenha feito uso da faculdade conferida pelo artº 665 do Código de Processo Civil (artº 771 g) do CPC)[5].

    Como é claro, uma leitura da alegação contida no requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão, mostra que o seu fundamento não é a simulação processual – mas a falsidade de uma prova pessoal produzida na acção anterior.

    De resto, caso o fundamento do recurso consistisse, realmente, na simulação processual – o que seria, deveras singular, uma vez teríamos um dos simuladores a arguir o conluio – a sua improcedência seria irremissível, dado que, notoriamente, a recorrente não tem a qualidade de terceiro.

    O exame do requerimento de interposição deste recurso extraordinário inculca, indelevelmente, portanto, que como...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT