Acórdão nº 404/09.3TARGR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução03 de Julho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO: Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 4º Juízo Criminal de Coimbra, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos: “(…) Pelos fundamentos expostos, decide-se: a) Condenar o arguido A... pela prática, em autoria material, de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181º, 184º e 132º nº 2 alínea l) do Código Penal, na pena 3 (três) meses de prisão; b) Condenar o arguido A... pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, previsto e punido pelo artigo 187º do Código Penal, na pena 4 (quatro) meses de prisão; c) Condenar o arguido A... numa pena única de 5 (cinco) meses de prisão, englobando, assim, as penas descritas em a) e b); d) Suspender a execução da pena única ora aplicada ao arguido pelo período de 1 ano e) Condenar o arguido A... pela prática, em autoria material, de um crime de desobediência, no artigo 348º nº 1, alínea a) do Código Penal e 141º nº 3 parte final e 144º nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal na pena de multa 80 dias de multa à taxa de € 6,00, o que perfaz € 480,00; Mais se condena o arguido nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC´s (artigos 513º nºs 1 e 3 e 514º CPP).

(…)”.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. Nos presentes autos, o arguido respondeu «pela prática, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de injúrias agravadas, previsto e punido pelos artigos 181 º nº 1, 182º e 184º com referência ao artigo 132º nº 2 alínea 1) do Código Penal, um crime de ofensas a organismo, serviço ou pessoa colectiva, previsto e punido pelo artigo 187º nº 1 do Código Penal, e um crime de desobediência, previsto e punido pelos artigos 348º nº 1 alínea a) do Código Penal e artigos 141º nº 3, parte final e 144º nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal.» (fls. 31; 63; 99; e 447).

  1. Seguiu-se a forma do processo comum (fls. 29; 63; e 447).

  2. Como tal, todos os crimes que nele foram julgados deviam ter passado pela fase de inquérito.

  3. Mas houve um que não observou esse trâmite: o crime de desobediência alegadamente praticado pelo arguido «no âmbito do presente processo» conforme se reconhece nos autos (fls. 31 e 448).

  4. Portanto, quanto ao alegado crime de desobediência, é manifesta a nulidade insanável prevista no CP art. 119.º, al. d).

  5. Sendo uma nulidade insanável, é daquelas «que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento ( ... )», conforme se prescreve no corpo do citado artigo 119.º da lei processual penal.

  6. Isso mesmo tem vindo a ser sustentado pelo arguido, ininterruptamente desde a contestação que apresentou (fls. 70 e s.), até à própria audiência de julgamento, momento no qual novamente a invocou, conforme se pode ver na prova gravada, cuja apreciação aqui se requer, nos termos do CPP art. 411.º, n.º 4.

  7. Esta nulidade impõe a anulação de tudo o que foi processado, com as consequências legais.

  8. Ao vício da nulidade, acresce uma excepção de incompetência territorial.

  9. De facto, nenhum dos três crimes imputados ao arguido permitia que se operasse a conexão efectuada ou qualquer outra (CPP art. 24.º e ss.).

  10. E é, portanto, destituída de todo o senso a organização de um só processo e consequente fixação da competência territorial em Coimbra, por força de um processo que enfermava de nulidade.

  11. Temos deste modo que, mesmo a não proceder a invocada nulidade insanável quanto ao crime de desobediência (o que o arguido não concede), só este alegado crime podia ser julgado em Coimbra.

  12. No entanto, acautelando-se contra o argumento de constituir caso julgado a remessa dos autos a Coimbra, o arguido insiste pela declaração de nulidade quanto ao alegado crime de desobediência, o que imediatamente implicará o julgamento dos outros dois crimes fora desta comarca de Coimbra, visto que foi com base numa nulidade insanável que se fixou em Coimbra a competência territorial (CPP art. 122.º, n.º 1).

  13. O arguido, como lhe competia (CPP art. 32.º, n.º 2, al. b), deduziu tempestivamente esta excepção conforme se poderá ver na prova gravada.

  14. A sentença recorrida não curou desta excepção, como já nada dissera da nulidade insanável prevista no CPP art. 119.º, al. d), com o que incorre em nulidade por omissão de pronúncia (CPP art. 379.ª, n.º 1, al. c).

  15. Independentemente da nulidade insanável por falta de inquérito, o arguido não praticou o crime de desobediência.

  16. Em primeiro lugar, para não responder aos seus antecedentes criminais, o arguido invocou a inconstitucionalidade da norma contida no CPP art. 141.º, n.º 3, in fine, aplicável pelas disposições conjugadas do art. 61.º, n.º 3, al. b), in fine e do art. 144.º, n.º 2 do mesmo diploma legal.

  17. Fê-lo no tempo devido (fls. 24) e na audiência de julgamento (consta da prova gravada, cuja reapreciação já se requereu e se volta a fazê-lo.

  18. Para o arguido, é insubsistente o acórdão n.º 127/207 do TC, quando conclui que «( ... ) há ainda um bem jurídico a tutelar --- a realização da justiça ---, quando se estabelece uma imposição desse teor.» 20. Não cuidando agora do que ao arguido parece alguma imprecisão vocabular usada aqui pelo TC (à Justiça cabe tutelar bens jurídicos e não ser tutelada por eles), entende o arguido que a Justiça só se pode dizer realizada quando o Direito observa um dos seus princípios universalmente respeitados --- o do suum cuique tribuere.

  19. Ou seja, no campo do direito penal (aquele que agora nos ocupa), absolver o inocente e punir o culpado.

  20. Para isto nenhuma falta faz saber os antecedentes criminais do arguido, porque então nem poderia ser julgado aquele que não respondeu logo em inquérito no momento da sua constituição como arguido, e que seguidamente se ausenta para parte incerta ou seria legítimo perguntar qual o motivo que ainda não obriga o arguido a confessar parcial ou integralmente os factos de que é acusado.

  21. Se o arguido vier a ser condenado, isso pesará na sentença.

  22. Não só se faz sentir nos seus efeitos, como se pode mesmo ligar à decisão, segundo Figueiredo Dias, o qual sustenta que «perante um arguido com um registo criminal pesado ou com características muito particulares da personalidade, os juízes se revelam menos exigentes na prova da infracção acusada, sobretudo se nela descobrem similitude com factos por que o arguido foi já condenado ou uma especial adequação de tais factos à sua personalidade.» (Direito Processual Penal, 1.º Vol., Coimbra Editora, 1981, pp. 278 e s.).

  23. Tendo o nosso processo penal uma estrutura acusatória, isto é, se quem acusa não julga e quem julga...

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