Acórdão nº 2906/08.0PCCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução13 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

No 3.º Juízo Criminal de Coimbra, após julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, foi proferida, em 13 de Janeiro de 2011, sentença na qual foi decidido: • Condenar o arguido A...

, devidamente identificado nos autos, pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à razão diária de €:6,50; • Condenar o arguido a pagar ao demandante civil HUC a quantia de €: 375,60, a título de indemnização pelos danos patrimoniais por este sofridos, acrescida de juros moratórios a contar da notificação do demandado para contestar o pedido de indemnização civil deduzido e até efectivo e integral pagamento; d) Condenar o arguido a pagar ao demandante civil ISS/IP - Centro Distrital de Coimbra a quantia de €: 1292,09, acrescida de juros moratórios contados desde a notificação do demandado para contestar o pedido de indemnização civil deduzido e até efectivo e integral pagamento.

* 2.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

  1. Do decurso da audiência de julgamento não resultou provado o facto de ter sido o arguido a praticar o crime em causa, o que pode ser sustentado pelos depoimentos do arguido e testemunhas B..., C..., e certidões emitidas pelo serviço de recursos humanos dos HUC, não assentando a sentença proferida em prova irrefutável e de modo a não deixar qualquer dúvida acerca da sua justeza/legalidade, sendo pelo contrário uma decisão de pura convicção.

  2. Aliás, resulta do próprio depoimento da Assistente e das declarações do ora Recorrente, que a mesma apenas o reconheceu na própria sala de audiência e julgamento.

  3. Quanto à testemunha da acusação D..., quanto à identificação do arguido enquanto agressor da assistente, sempre se dirá que o depoimento do mesmo não credível, atentas as circunstâncias de facto no local, e que põem em causa o grau de certeza da identificação do agressor, e no consequente grau de certeza numa condenação, o que não existiu.

  4. O depoimento das testemunhas B... e C... foi isento, sério e credível, e coincidente; logo, deveria ter sido objecto de apreciação e valoração por parte do Tribunal a quo, o que não sucedeu, tendo a Mma. Juiz a quo alicerçado a sua falta de convicção no facto de serem colega e chefe de serviço do ora Recorrente, quando estas afirmaram, sem qualquer sombra de dúvida, que o dia dos factos coincidiu com o 8.º dia útil do mês, dia este em que existe um acréscimo da actividade laboral no serviço, sendo muito difícil haver uma ausência do local de trabalho.

  5. Atento o intenso volume de trabalho, seria pouco provável que não fosse notada pelos colegas e chefe de serviço a ausência do Recorrente do local de trabalho, mesmo que por breves instantes, que à data o apoiavam a colocar materiais mais pesados atenta a sua lombalgia, diagnosticada duas semanas antes dos factos constantes da acusação.

  6. A livre apreciação da prova encerra critérios legais de prova ou limitações como sucede no caso do art. 169.º, do CPP, sendo que o grau de convicção do julgador requerido para a decisão tem como limite a proibição da valoração de certos meios de prova, observância do princípio da presunção da inocência e observação do princípio in dubio pro reo, assim como a experiência comum que não pode ser confundida com um qualquer “lucky guess” do julgador.

  7. O Tribunal andou mal ao valorar os depoimentos da assistente e da testemunha D..., que são notoriamente contraditórios entre si, mas como refere a douta sentença, trata-se de um mal-entendido, “... explicável pela emoção com que estas situações são vivenciadas pelas pessoas, pelo próprio funcionamento dos mecanismos de memória e dos efeitos da passagem do tempo nestes mecanismos”, contradições estas que se verificam designadamente, à questão de se apurar se a testemunha efectivamente permaneceu no local até a PSP chegar e tomar conta da ocorrência, bem como a questão de saber se o arguido se dirigiu ao carro a fim de mudar de lugar.

  8. A prova documental junta aos autos, na questão dos dois episódios de urgência, é inequívoca e não deixa qualquer margem para dúvidas: no dia dos factos, dia 12 de Novembro de 2008, a assistente teve uma tumefacção no pulso; no dia 04 de Dezembro de 2008, ou seja, passadas mais de três semanas, a mesma padeceu de uma fractura.

  9. Ora, é por demais notório, e sem qualquer sombra de dúvida, que o nexo de causalidade entre os factos e a fractura de que padeceu a assistente é inexistente, pelo que, não pode o mesmo ser responsabilizado criminalmente por um facto que não cometeu, por não provado.

  10. Foi ainda importante para a formação da convicção do Tribunal o teor do auto de notícia de fls. 2, de onde resulta que, no próprio dia dos factos, foi indicada pela ofendida a matrícula do veículo do agressor, veículo esse de que, conforme resulta do teor de fls. 32, é proprietário o arguido.

  11. Conforme se constata da própria acta de audiência de discussão e julgamento, o teor do auto de notícia de fls. 2, bem como o documento de fls. 32 dos autos, não foram analisados nem apreciados em sede de audiência e julgamento, nem os mesmos podiam ser lidos ou autorizados, pelo que a fundamentação da convicção do Tribunal a quo padece de nulidade, nos termos do n.º 9 do art. 356.º do C.P.P.

  12. Mesmo que, por mera hipótese académica, se permitisse a audição do teor dos referidos documentos, teria que a mesma ser objecto de prévio acordo do Arguido, ora Recorrente, e constar da própria acta, o que não sucede, nem poderia constar, por não se ter verificado tal formalidade legal, pelo que, a sentença, neste concreto ponto, padece de nulidade, atento os n.ºs 5 e 9 do art. 356.º do C.P.P.

  13. A identidade de género e eventual semelhança de compleição física do agressor e do arguido e o erro na identificação do veículo são suficientes para condenar um inocente, que à data dos factos se encontrava a trabalhar, aliás como é seu apanágio.

  14. Resulta que não foi o arguido o autor material do crime que lhe é imputado, por insuficiência da prova produzida em sede de audiência de julgamento.

  15. Mesmo que assim não se entenda, e por mera hipótese académica, nunca poderá ser imputada a fractura de que a assistente padeceu à suposta actuação do arguido, atento o enorme lapso de tempo entre as duas idas às urgências dos HUC e inexistência do necessário nexo de causalidade.

  16. A sentença ora recorrida assentou, como já se referiu, única e exclusivamente na convicção da Mma Juiz a quo, logo arbitrária, alicerçada num elemento objectivo falível - a identificação de um veículo -, o qual de per se não estabelece o nexo de causalidade adequado necessário à incriminação. A ser assim, um crime praticado com um carro roubado seria imputado ao proprietário da viatura ou, como nos presentes autos, o proprietário de um carro, ao estacionar o seu veículo e este ao ser identificado, é arguido e condenado, quando se encontrava a trabalhar naquele preciso momento.

  17. A livre apreciação da prova em processo penal não se deve confundir com a apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova.

  18. Ora ao descredibilizar por completo o depoimento do arguido, bem como não tendo suporte nos depoimentos da assistente bem como nas restantes testemunhas, que atestam, de forma credível e isenta que, atento o volume de trabalho no serviço, era impossível, sem ser notado, pelos colegas e chefe de serviço, que o mesmo se ausentasse do serviço, para mudar o veículo.

  19. No que concerne em atribuir a agressão ao arguido, mais não fez a Mma. Juiz a quo do que uma apreciação arbitrária, discricionária e caprichosa da prova produzida, se assim lhe podemos chamar, violando por isso e nunca é demais referi-lo, o princípio da suficiência da prova.

  20. Pelo exposto, resulta clara e inequívoca uma manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto (art. 410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P), vício que é do conhecimento oficioso do Tribunal de Recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito, o que não é o caso.

  21. O Tribunal valorou as contradições de depoimentos da assistente e da testemunha D..., não lhes dando importância, quando os mesmos apresentaram contradições inequívocas e graves; V) Já que, o consagrado a Constituição da Republica Portuguesa no seu artigo 32.º, n.º 2 o principio in dubio pro reo, o qual para alguma doutrina é um princípio geral do processo penal, cuja violação conforma uma autêntica questão de direito e que, como é consabido, estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, deveria tal princípio ter sido aplicado ao caso vertente, pois que tem aplicação ao processo penal sem qualquer restrição.

  22. Ao entender-se que, por razões de política criminal, em caso de dúvida, face à alternativa de condenar um eventual inocente ou absolver um eventual culpado, o Estado preferiu entre esta alternativa, absolver o eventual culpado.

  23. Não se compreende, de modo algum, como é que um mero facto objectivo (facto de ser proprietário de um veículo) possui a virtualidade de, face a tanta incoerência nos depoimentos da assistente e testemunha, estabelecer o nexo de causalidade adequada com prática de facto relevante para atribuir a culpabilidade ao arguido.

  24. É assim por demais evidente a violação do princípio in dubio pro reo e, consequentemente, do artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da Republica Portuguesa, pois em caso de dúvida a decisão devia ter sido favorável ao arguido, ora recorrente.

    Por todo o exposto, deve a douta sentença recorrida ser revogada e consequentemente o ora recorrente absolvido da prática dos crimes por que foi condenado e respectivos pedidos de indemnização cível, por verificados os vícios indicados nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal ou, então, caso assim não se entenda, dado cumprimento ao n.º 1 do artigo 426.º, também do Código de Processo Penal, fazendo...

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