Acórdão nº 49/12.0TCBVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução27 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No processo de recurso de contra-ordenação n.º 49/12.0TBCVL do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, em que é recorrente a arguida W..., LDA, devidamente identificada nos autos, por sentença datada de 17 de Fevereiro de 2012, foi julgado parcialmente procedente o recurso, condenando-a, pela prática da contra-ordenação p. e p. pelos arts. 3º, n.º 1, al. b), n.º 4 e 9º, n.º 1, al. a), n.º 2 e n.º 3 do DL. n.º 156/2005, de 15.09, alterado pelo DL. n.º 371/2007, de 6.11, numa coima de 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros).

A condenação proferida pela autoridade administrativa foi na coima de € 15.000.

  1. Inconformada, a arguida recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «

    1. Não tendo a arguida sido notificada para exercer o direito de defesa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 50º do Decreto-Lei 433/82, de 27/10, deverá declarar-se nulo todo o processado posterior ao levantamento do autos de notícia, considerando inexistente e ineficaz a notificação à arguida.

    2. A falta de notificação da acusação implica a impossibilidade do mais elementar direito dos arguidos, o de defesa, com consagração constitucional (artigo 32° da CRP).

    3. Não se encontra suficientemente provada a prática da Contra-ordenação, sendo certo que dos elementos probatórios constantes dos autos (que, face à ausência de julgamento, são, tão só, os constantes do processo administrativo), não é possível concluir que existiu recusa em facultar o livro de reclamações.

    4. Aplicar uma sanção a quem não cometeu qualquer facto contra-ordenacional, viola o princípio “nulla poena sine culpa».

    5. Deve o auto de contra ordenação ser arquivado, por não se verificarem os requisitos, objectivos e subjectivos, da contra ordenação em causa.

    6. É requisito essencial para existir conduta delituosa e consequente punição, a verificação de um comportamento doloso ou negligente (artigo 8º do DL 432/82 de 27/10 e princípios gerais do direito Penal), sendo certo que a determinação da medida da coima tem que ter sempre em conta a culpa do agente e o benefício económico alcançado (artigo 18° do citado DL 432/82 de 27/10).

    7. Não existem, nos autos, elementos suficientes que possam fundamentar a ocorrência de um comportamento doloso, com intenção ou vontade consciente e livre de praticar aquele acto, ou sequer negligente.

    8. Não se justifica a aplicação, à arguida, de qualquer punição a título de coima, mas quanto muito e, por mera hipótese cautelar, apenas se justificaria a aplicação de uma simples admoestação nos termos do artigo 51° do DL 433/82, 27 de Outubro.

    9. A aplicação da pena de admoestação justifica-se sempre que a sua aplicação não ponha em causa os limiares mínimos de expectativas comunitárias ou de prevenção de integração, sob forma de tutela do ordenamento jurídico (cfr Figueiredo Dias in Direito Penal Português, “As consequências Jurídicas do Crime”).

    10. A decisão recorrida viola, assim, o disposto nos artigos 18° e 32° da CRP, artigos 118° e segs do C. P. Penal e artigos 8°f, 18°, 41° e segs., 50°, 50°-A e 51° do Decreto-Lei n° 433/83 de 27/10.

    Nestes termos e mais de direito, revogando a doura sentença recorrida e absolvendo a arguida/recorrente, Vossas Excelências, como sempre, farão JUSTIÇA».

    3.

    O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que a sentença recorrida deve ser mantida na íntegra.

    4.

    Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento, remetendo para a argumentação do Colega de 1ª instância.

    5.

    Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

    Além disso, há que dizer que o presente recurso é restrito à matéria de direito, visto o disposto nos artigos. 75º, n.º 1 e 41º, n.º 1, ambos do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, sucessivamente alterado (alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro - RGCO), salvo verificação de qualquer dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410º do CPP (sabemos que só o processamento e julgamento conjunto de crimes e contra-ordenações, previsto no art. 78º do RGCO, permite o conhecimento pela 2.ª instância, em sede de recurso, da matéria de facto).

    Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, as questões a decidir consistem em saber se: - se foi preterido o direito de audição e defesa da arguida durante a fase administrativa do processo de contra-ordenação em causa, na medida em que NÃO foi ela notificada para os termos do artigo 50º do Regime Geral das Contra-Ordenações (doravante RGCO); - está perfectibilizada, em termos objectivos e subjectivos, a prática, pela arguida, da contra-ordenação em causa; - se se justifica a aplicação de uma mera admoestação. 2.

    DA SENTENÇA RECORRIDA 2.1. Tem o seguinte teor a decisão recorrida: 1. Relatório[2] 1.1. W..., Lda., com sede na … , na Covilhã, interpôs o presente recurso de impugnação judicial, ao abrigo do disposto no art. 59º e ss. do DL. n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção que lhe foi dada pelo DL. n.º 244/95, de 14 de Setembro (RGCO), da decisão da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade do Ministério da Economia e do Emprego, proferida no processo de contra-ordenação n.º 3093/2010, que lhe aplicou uma coima de 15.000,00 € por infracção ao disposto nos arts. 3º, n.º 1, al. b) e n.º 4 e 9º, n.º 1, al. a) do DL. n.º 156/2005, de 15.09.

    1.2. Alega, em síntese, que: - Não foi notificada para exercer do direito de defesa, razão pela qual, por violação do direito de defesa – art. 50º do RGCO –, o processo é nulo; - O livro de reclamações solicitado pela cliente foi de imediato disponibilizado, pelo que não cometeu qualquer ilícito; - Não existem nos autos elementos que apontem para a existência de um comportamento doloso ou sequer negligente; - Não existe justificação para a coima aplicada, tanto mais que a admoestação é suficiente para tutelar o ordenamento jurídico e a norma em causa.

    Conclui requerendo que a decisão seja considerada nula ou, caso assim não se entenda, que seja arquivado o processo por falta de contra-ordenação ou, pelo menos, que lhe seja aplicada a pena de admoestação.

    1.3. A arguida e o Ministério Público, notificados para tal, não deduziram oposição a que o recurso seja decidido por simples despacho.

    * * 1.4. Do exercício do direito de defesa 1.4.1. A arguida alega que não foi notificada para exercer o direito de defesa, em conformidade com o disposto no art. 50º do RGCO.

    Defende, por isso, a nulidade a decisão condenatória proferida.

    Cumpre, pois, como questão prévia, apreciar e decidir.

    * 1.4.2. O “direito de audição” e defesa no decurso da instrução contra-ordenacional encontra-se consagrado no art. 50º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro.

    Trata-se de uma norma geral de direito contra-ordenacional que determina que não é permitida a aplicação de uma coima sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção em que incorre.

    In casu, a arguida não tem razão na sua alegação.

    Na verdade, de fls. 17 e 18 dos autos resulta que a arguida foi notificada para os efeitos do art. 50º do RGCO.

    Portanto, nos termos legais, foi dada a possibilidade de a arguida nestes autos, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe era imputada (os respectivos factos) e sobre as sanções em que incorria.

    Em conformidade, improcede, nesta parte, o presente recurso.

    * 1.4.3. Julgo improcedente, nesta parte, o presente recurso.

    Notifique.

    * * 1.5. Não existem nulidades, excepções, outras questões prévias ou incidentais, de que cumpra conhecer e obstem à apreciação do mérito da causa.

    * * * 2. Fundamentação 2.1. Fundamentação de Facto 2.1.1. Com interesse para a apreciação do presente recurso de contra-ordenação, é a seguinte a matéria de facto que considero provada: 1. No dia 13 de Outubro de 2009, no estabelecimento “W..., Lda.”, sito na … , na Covilhã, A... dirigiu-se a esse estabelecimento para proceder à devolução de uma mala, que tinha uma roda partida.

  2. Perante a recusa em trocar a mala, A... solicitou o livro de reclamações, o que lhe foi recusado pela arguida.

  3. Perante tal recusa, A... chamou a presença da GNR da Covilhã, tendo, nessa altura, com a GNR presente, sido entregue o livro de reclamações.

  4. A arguida não procedeu com o cuidado e a atenção devida que se exige a quem é fornecedor de bens e serviços ao consumidor, e de que era capaz, concretamente ao nível da disponibilização do livro de reclamações logo que solicitado.

  5. Não são conhecidos antecedentes contra-ordenacionais à arguida.

    * 2.1.2. Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente, que:

    1. A arguida disponibilizou o livro de reclamações logo que solicitado.

    2. A cliente apelidou o funcionário da arguida de “chinocas” e “vai para a China”.

      * 2.1.3. Motivação A convicção do tribunal baseou-se no seguinte: Os factos em causa nestes autos estão objectivamente relatados no documento de fls. 2 –...

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