Acórdão nº 1/09.3 GAOLR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Junho de 2012

Data27 Junho 2012
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1. O arguido A...

, entretanto já mais identificado nos autos, submetido a julgamento, sob a aludida forma de processo comum colectivo, acabou absolvido da acusação que contra si deduzira o Ministério Público, imputando-lhe então a autoria material consumada de um crime de abuso sexual de criança, sob a forma continuada, previsto e punido através das disposições conjugadas dos art.ºs 30.º, n.ºs 2 e 3 e 171.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Penal.

1.2. Porquanto dissentido com o veredicto absolutório, recorre o Ministério Público, sendo que da motivação apresentada ao efeito, extraiu o mesmo a seguinte ordem de conclusões: 1. Tinha o Ministério Público requerido a comparência forçada do arguido em audiência, já que a esta não compareceu, apesar de regularmente notificado.

  1. Desiderato era o de, pelo menos, tentar o interrogatório do arguido, além (sobretudo) de recolher material biológico na sua pessoa para comparação com o demais material já recolhido, quer na pessoa da ofendida B..., quer no que tange aos vestígios hematológicos recolhidos ao feto, pois que a ofendida interrompeu voluntariamente a sua gravidez.

  2. Tal diligência permitiria completar a prova científica levada a cabo durante a fase de inquérito e, em última análise saber se o feto era ou não resultado das relações sexuais mantidas entre ofendida e arguido e como tal, provar ou não, o crime imputado ao arguido.

  3. O paradeiro do arguido era conhecido já que no dia 23 de Novembro de 2011 tinha este sido notificado por órgão de polícia criminal no âmbito de outro processo e na morada constante do TIR.

  4. É certo que o Tribunal a quo ordenou a emissão de tais mandados, mas fê-lo às 14:30 horas, do dia 12 de Dezembro de 2011, e, ordenou que fossem cumpridos até às 16:30 horas desse mesmo dia, ou seja, em apenas duas horas.

  5. Tal prazo, além de manifestamente escasso, nem sequer permitiu que a GNR pudesse apurar se era verdade, ou não, o que o pai do arguido tinha dito (que este não ia a casa há cerca de uma semana).

  6. Além de que, o facto de o pai do arguido afirmar tal, não equivale a que se possa considerar que é desconhecido o paradeiro do arguido e que não é possível a sua detenção.

  7. O Tribunal só poderia considerar, como considerou, que nenhuma prova dos factos constantes da acusação – à excepção da data de nascimento da ofendida – se fez em audiência, depois de ter esgotado todas as possibilidades ao seu dispor, nos termos do art.º 340.º, do Código de Processo Penal, de puder ser feita tal prova.

  8. Ora, ao indeferir a pretensão do Ministério Público de emissão de novos mandados para deter o arguido e permitir a realização da prova cientifica atrás apontada, violou o Tribunal tal obrigação que sobre si impendia, não esgotando – como devia – todos os seus poderes de investigação, não investigando o Tribunal a totalidade da matéria de facto.

  9. Tal vício resulta do texto da decisão recorrida, por si só e em conjugação com as regras de experiência.

  10. O Tribunal a quo não esgotou os seus poderes de indagação da matéria de facto, pois, não permitiu na prática a detenção do arguido.

  11. Padece, assim, a sentença recorrida do vício a que alude o art.º 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal.

  12. Na verdade, conforme acórdão proferido pelo TRC, no processo n.º 887/01.7 TAPBL, in recurso n.º 4.280/02, emerge tal vício, quando: “1. Há uma lacuna ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar; 2. O Tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo; 3. Inexiste uma relação adequada entre a situação de facto reconstruída e a previsão legal.” 14. Ao não esgotar os seus poderes de indagação incorreu o Tribunal no apontado vício, devendo o julgamento ser anulado e determinado o reenvio para novo julgamento de toda a matéria fáctica objecto do processo, conforme art.ºs 426.º e 428.º, ambos do Código de Processo Penal.

  13. Mostram-se violados os art.ºs 333.º; 323.º, al. b) e 340.º, todos do Código de Processo Penal, ao não diligenciar o Tribunal nos termos requeridos pelo Ministério Público, para garantir a presença do arguido em julgamento quando ainda não estavam esgotadas as possibilidades de o fazer.

  14. Além disso, a falta das apontadas diligências e que foram oportunamente requeridas pelo Ministério Público equivale TAMBÉM a omissão, por parte do Tribunal, das medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do arguido, ou pelo menos para a tentar, o que consubstancia nulidade insanável, por violação das normas dos art.ºs 61.º, n.º 1, al. a) e 333.º, ambos do Código de Processo Penal, bem como, ainda, 32.º, da Constituição da República Portuguesa, acarretando, necessariamente, a anulação do julgamento (cfr. art.ºs 119.º e 122.º, n.º 2, ainda do Código de Processo Penal).

  15. Na verdade, facultar um prazo de 2 horas para o órgão policial concretizar a detenção do arguido é o mesmo que não tentar tal detenção, pois a tal se reconduziu, na prática, o procedimento adoptado pelo Tribunal a quo.

  16. Tal declaração de nulidade implica a invalidade da audiência de julgamento e dos actos que dela dependem (designadamente, o acórdão), devendo o mesmo Tribunal, proceder à respectiva repetição (art.º 122.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal).

  17. No mesmo sentido, ainda, os acórdãos do TRC, de 30 de Setembro de 2009, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, e, do STJ, de 24 de Outubro de 2007, além citado, bem como o Parecer de 7 de Abril de 2010, da PGD de Lisboa, disponível na respectiva base de dados.

    Terminou pedindo que se decida em conformidade com o expendido.

    1.3. Cumprido o estatuído no art.º 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e após pronúncia da M.ma Juiz de Círculo acerca da nulidade suscitada, foi proferido despacho admitindo o recurso interposto.

    1.4. Cumpridas as formalidades devidas, os autos foram remetidos a esta instância.

    1.5. Aqui, no momento processual a que alude o art.º 416.º, do diploma adjectivo penal, a Ex.ma Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer conducente a idêntico provimento da impugnação.

    1.6. Acatado o subsequente art.º 417.º, n.º 2, o arguido não respondeu.

    1.7. No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo inciso, consignou-se que nenhuma circunstância impunha a apreciação sumária do recurso, ou obstava ao seu conhecimento de meritis, donde que a dever prosseguir, com a recolha de vistos – o que sucedeu –, bem como submissão à presente conferência.

    Urge então ponderar e decidir.

    *II – Fundamentação de facto.

    2.1. O acórdão recorrido teve por provado que: (Da acusação pública): B... nasceu a … de 1995.

    (Outros factos): São conhecidos ao arguido os seguintes antecedentes criminais: - Por sentença transitada em julgado a 14.09.2010, relativamente a factos praticados a 22 de Maio de 2008, integrantes da prática de um crime de furto qualificado na forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 202.º, als. d) e f), 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2 e) e 30.º, todos do Código Penal, e 4.º, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.09, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob regime de prova.

    A... nasceu com um problema de saúde e é hemofílico. Este factor parece não ter condicionado o seu desenvolvimento físico, mas limitou-o em certas actividades.

    Durante a infância, o pai adoptou uma atitude permissiva e a mãe assumiu comportamentos mais autoritários, contrastando com a passividade do progenitor. O arguido ficava com a avó paterna, enquanto os pais trabalhavam.

    O arguido iniciou a escolaridade obrigatória em idade regular.

    Teve dificuldades de integração revelando comportamentos rebeldes e pouca motivação para a escolaridade.

    Reprovou no quarto ano de escolaridade. Com cerca de onze anos passou a estudar na Escola Secundária de Oleiros. Nesta fase os seus comportamentos começaram a agravar-se, faltava às aulas e acompanhava jovens com problemas de inserção social. A mãe era chamada frequentemente à escola devido aos comportamentos anti-sociais do A….

    Na escola de Oleiros não conseguiu terminar o quinto ano de escolaridade. Pediu aos pais para passar a estudar, em Castelo Branco, no sentido de alterar os seus comportamentos de rebeldia. Em Castelo Branco, agravou os seus comportamentos desviantes, tendo mesmo provocado estragos na residência onde estava hospedado. Com dezasseis anos ainda voltou para a escola de Oleiros mas não se conseguiu integrar, afirmando que os colegas do quinto ano de escolaridade eram muito mais novos.

    Os pais do arguido separaram-se há cerca de dois anos.

    Discutiam com frequência e não revelaram capacidades para gerir os recursos económicos do agregado. O pai ainda emigrou para o Brasil e Argélia mas não conseguiu alterar a situação económica. Passou a residir com uma companheira.

    Depois da separação, o arguido e o irmão mais novo, ficaram a residir com o pai.

    Alguns meses mais tarde A… , devido aos seus comportamentos desviantes, passou a residir com a mãe na zona de Almada.

    Nesta altura, agravou os seus comportamentos desviantes, começando a consumir estupefacientes com regularidade.

    Na sequência de vários desentendimentos com a mãe, começou a viver em parte incerta. Nos últimos meses, tem permanecido alguns períodos em … .

    O arguido não dispõe de competências pessoais e profissionais.

    Recebe uma pensão de € 200,00, devido a problemas de saúde, tendo necessidade de injecções específicas, por causa daqueles.

    Consome pontualmente álcool.

    Na comunidade de Oleiros, o arguido é associado a pequenos furtos e parcialmente rejeitado por não revelar hábitos de trabalho.

    O arguido não trabalha...

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