Acórdão nº 28/11.5GAAGD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelJORGE DIAS
Data da Resolução23 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferido acórdão que julgou procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº, contra os arguidos: - A..., … residente no … , Águeda.

- B..., residente na Rua … , Águeda.

Sendo decidido: – Condenar cada um dos arguidos, pela prática, em coautoria, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão efetiva.

***Inconformados, do acórdão interpuseram recurso os arguidos.

O arguido B... formula as seguintes conclusões na motivação e, que delimitam o seu objeto: 1.Em sede de motivação da decisão de facto, o douto acórdão recorrido começa por afirmar que "formou a sua convicção essencialmente com base no depoimento da testemunha ..., que na qualidade de ofendida relatou circunstanciada e pormenorizada os factos (...) não tendo qualquer dúvida em reconhecer ambos os arguidos como autor dos mesmos". Mais à frente acrescenta que "o mesmo se nos apresentou isentou, credível e consistente" e "o facto de a ofendida não ter gritado a pedir socorro (...) a mesma esclareceu que não o fez ter sido tudo muito rápido, não haver pessoas nas proximidades e conhecer perfeitamente os arguidos, estando pois em condições de os identificar às autoridades, como efetivamente fez".

2.Relativamente ao testemunho de ..., ... e ... são "testemunhas que mantêm uma relação de bastante proximidade com os arguidos, o que é suscetível de fragilizar a isenção e a credibilidade dos seus depoimentos". Por outro lado "não deixa de ser estranho que aquelas três testemunhas estejam em condições de garantir, como fizeram em julgamento, que na tarde em apreço os arguidos nunca se ausentaram desse local".

3.O Tribunal a quo baseou igualmente a sua convicção em documentos, nomeadamente as faturas relativas à compra do computador portátil e aos óculos de correção da ofendida e relatório da perícia médico-legal efetuada à ofendida.

4.Face ao exposto parece-nos óbvio, sempre com o devido respeito, que a fundamentação da decisão contida no douto acórdão recorrido, quanto aos factos julgados provados e não provados supra elencados, não satisfaz os requisitos constantes do n.º 2 do art. 374 do Código de Processo Penal, porquanto não se procede ao necessário exame crítico das provas nem, da sua leitura, é possível alcançar o percurso lógico que levou o Tribunal a formar a sua convicção.

5.Subordinado à epígrafe "Requisitos da sentença" dispõe o preceito supra mencionado: Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

6.A atual redação do n.º 2 do artigo 374 do Código de Processo Penal foi introduzida pela Lei 59/98, de 25.08, nela se aditando, em relação à anterior, a exigência de exame crítico das provas que, de resto, a jurisprudência e a doutrina já reclamavam.

7.À luz deste normativo, não pode o julgador limitar-se a indicar os concretos meios de prova em que fundou a sua convicção. Na verdade, ao exigir que da sentença conste o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, a lei impõe que este descreva também - ainda que de forma concisa - o processo racional que conduziu à formação dessa convicção, indissociável da análise e valoração, perante o caso concreto, das diversas provas produzidas (motivos porque foram acolhidas ou repudiadas, quer examinadas em si mesmas, quer no confronto com outras).

8.Embora o nosso processo penal seja regido pelo princípio da livre apreciação da prova - segundo o qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (artigo 127 do Código de Processo Penal) - essa liberdade de apreciação não poderá nunca confundir-se com uma apreciação arbitrária da prova produzida. Compreende-se, assim, que o princípio da livre apreciação da prova surja no nosso ordenamento processual penal temperado pela obrigatoriedade de fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto. Com efeito, só através do conhecimento dessa fundamentação (com a amplitude que a lei prevê) se poderá surpreender o percurso lógico e desse modo sindicar a convicção que formou, expressa nos factos dados como provados e não provados.

9.O cumprimento integral do n.º 2 do artigo 374 do Código de Processo Penal não é compatível com a simples indicação, por parte dos concretos meios em que fundou a sua convicção.

10.Ora, no início da motivação da decisão de facto, como já tivemos oportunidade de referir, o douto acórdão recorrido começa por dizer "formou a sua convicção ESSENCIALMENTE com base no depoimento da testemunha ....

11.Assim sendo, uma primeira questão pode colocar-se desde logo: qual o valor que foi atribuído às declarações da testemunha/ofendida ... Pinho de Oliveira prestadas na audiência de julgamento? FEZ-SE PROVA QUASE PLENA APENAS COM AS DECLARACÕES DA OFENDIDA? 12.O Douto Acórdão mais refere na sua motivação que a testemunha/OFENDIDA ... afirmou que "os arguidos são conhecidos como jovens violentos e de comportamentos desviantes, o que é corroborado pelos respetivos relatórios sociais junto aos autos". Pergunta-se: e se os arguidos fossem conhecidos na cidade como pessoas recatadas a decisão seria absolutória? Qual o peso que tais afirmações tomaram para formar a convicção do Tribunal a quo? 13.De realçar que as testemunhas ... Alves, ... e ... Arede Fernandes foram totalmente descredibilizadas pelo facto de conhecerem perfeitamente os arguidos e de manter uma relação bastante próxima com estes.

14.Mais! A testemunha/OFENDIDA reconheceu os arguidos no reconhecimento de pessoas a que se reportam os autos de fls. 52 a 59. Pergunta-se: conhecendo a ofendida os arguidos, não se torna fácil incrimina-los num reconhecimento em que é só fazer exclusão de partes? 15.Mais! Valorou-se nomeadamente o relatório da perícia médico-legal efetuada à ofendida a fls. 320 a 321. A Ofendida foi perentória no sentido de ter reconhecido desde o inicio da audiência e discussão em julgamento os arguidos. Pergunta-se: A FLS. 321 A OFENDIDA REFERE QUE "TERÁ SIDO INFLIGIDA POR DESCONHECIDOS, DURANTE UM ASSALTO". Salvo douta e melhor opinião tal facto mais não prova que a ofendida, pelos vistos, não conhecia assim tão bem os arguidos. Foi perentória em reconhecer o arguido A... nas suas declarações e na audiência de julgamento voltou a confirmar tal facto. Passado pouco mais de um mês refere no Relatório Médico-legal que se trataram de desconhecidos! 16.Com efeito, o necessário exame crítico das provas abrange, naturalmente TODAS AS PROVAS PRODUZIDAS, que o julgador deverá apontar, indiciando ainda o exato medido em que cada uma delas serviu para formar a sua convicção, expressa nos factos dados como provados e (ou) não provados.

17.Sabemos que as declarações da Ofendida foram tidos em conta e em que medida na decisão, da leitura da motivação da decisão de facto não é possível concluir de que modo e em que medida os restantes elementos probatórios ali mencionados contribuíram para a decisão de condenar os arguidos.

18.Afigura-se, assim, que o douto acórdão recorrido é nulo, nos termos das disposições conjugados dos artigos 374 n.º 2 e 379 n.º 1 al. a) do Código de Processo Penal, já que a respetiva fundamentação de facto não permite alcançar o processo racional, as regras da experiência ou os critérios lógicos de que o Tribunal a quo se socorreu para formar a sua convicção expressa nos factos supra mencionados (provados e não provados) e que veio a culminar na decisão condenatória do arguido B... por crime de roubo.

19.A consequência natural do reconhecimento do apontado vício consistiria, em princípio, na repetição do ato afetado (artigo 122 do Código de Processo Penal), com o reenvio dos autos à primeira instância para prolação, pelo Tribunal recorrido, de nova sentença, desta feita com integral observância do disposto no n.º 2 do artigo 374 do Código de Processo Penal.

20.Considerando, todavia, que do processo constam todos os elementos de prova necessários e que através do presente recurso se impugna igualmente a decisão proferida sobre a matéria de facto, crê-se não estar vedada a esse Venerando Tribunal a modificação dessa decisão (ao obrigo do artigo 431 do Código de Processo Penal) e, por essa via, o absolvição do arguido B... do crime de roubo.

21.Conforme resulta dos declarações da testemunha/Ofendida e dos testemunhas ... e ... não pode ser dado como provado os pontos 3 a 11 da matéria cada como provada: "Nessas circunstâncias de tempo e lugar, os arguidos, A... e B..., acompanhados de outros dois indivíduos cujas identidades não foi possível apurar, apercebendo-se da presença da … , decidiram abordá-la, razão pela qual seguiram no seu encalço, caminhando atrás dela" (sublinhado nosso).

22.A ... apercebendo-se da movimentação dos arguidos e dos dois indivíduos que os acompanhavam, acelerou o passo.

23.Porém, aqueles quatro seguiram no seu encalço, tendo-a alcançado quando ela se encontrava junto a uns prédios.

24.Uma vez junto da ..., o arguido A... abordou-a pelas costas, puxando-lhe os braços para trás, ao mesmo tempo que o arguido B... lhe tirou a bolsa que ela trazia na mão e que continha os seus documentos pessoais (Cartão de Cidadão e Cartão de Estudante), pelo menos €6 em dinheiro, com valor facial variado, uns óculos de correção, no valor de €220, e um casaco.

25.De seguido, enquanto a ... ainda estava manietada pelo arguido A..., o arguido B... tentou tirar-lhe a mala que ela trazia a tiracolo e onde transportava um computador portátil de marca HP, modelo Compact, e respetivo carregador e ainda um carregador de telemóvel Nokia, tudo com um valor não inferior a €600, tendo aquela...

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