Acórdão nº 1935/09.0TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução30 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

No 2.º Juízo Criminal de Viseu, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido A...

, residente na Rua … , Viseu, acusado pela prática, em autoria material, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353.º, do Código Penal.

* 2.

Em sentença de 24-01-2012, o tribunal absolveu o arguido da prática do referido ilícito penal.

* 3.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1.ª - Vem o presente recurso interposto da sentença que absolveu o arguido da prática de um crime de violação de proibições, p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal.

  1. - Porquanto tal decisão violou, por errada interpretação, o disposto no mencionado art. 353.º do CP, bem assim como o artigo 69.º do mesmo diploma.

  2. - Na verdade, entendeu a Mma. Juiz a quo que o artigo 353.º do CP não abrange a falta de entrega do título de condução para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir, entendendo que aquela obrigação de entrega extravasa o âmbito de tal pena acessória (previsto no artigo 69.º), o qual se resume à proibição de conduzir (obrigação de non facere).

  3. - Porém, tal interpretação contraria manifestamente o texto da lei e deixa por explicar as alterações introduzidas pela Lei 59/2007 no artigo art. 353.º do CP.

  4. - Resultando manifestamente da referida alteração que quando o legislador se refere à violação de imposições determinadas por sentença criminal a título de pena acessória, está a abranger a violação da obrigação/imposição de entrega da carta de condução para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir a que alude o artigo 69.º do CP.

  5. - Na verdade, como decorre dos artigos 69.º, n.º 3, do Código Penal e 500.º, n.º 2 e 4, do CPP, a obrigação (sinónimo de imposição) de entrega da carta de condução é inerente à própria pena acessória de proibição de conduzir, não existindo esta sem aquela.

  6. - Como decorre de tais normativos, a condenação em pena de proibição de conduzir implica a imposição ao condenado da obrigação de entrega do título de condução.

  7. - Aliás, a interpretação efectuada pela Mma. Juiz, salvo o devido respeito por opinião contrária, para além de violar o texto da lei, não tem em conta a unidade do sistema jurídico.

  8. - Na verdade, segundo tal interpretação teríamos de concluir que o legislador tratava de forma mais benévola a violação da «sanção» de natureza criminal do que a violação da correspondente sanção de natureza contra-ordenacional.

  9. - Pelo exposto, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que condene o arguido pela prática do crime de violação de proibições, previsto e punível pelo artigo 353.º do CP, que lhe vem imputado na acusação.

*4.

O arguido não respondeu ao recurso.

*5.

Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral emitiu parecer do seguinte teor: «(…).

Na verdade, constata-se que sobre esta matéria em concreto, apesar da existência de alguma divergência de opiniões nos Tribunais Superiores, para além da que vem citada na douta sentença recorrida, a tese do Ministério Público encontra apoio, designadamente, nos acórdãos deste Tribunal da Relação de 30-6-2010, proc. n.º 149/1TAVGS.C1, de 23-6-2010, proc. n.º 1011/08.6TAVIS.C1 e de 24-2-2010, proc. n.º 117/09.6TAVNO.C1, disponíveis em www.dgsi.pt e, mais recentemente, no mesmo sentido, acórdão de 28-3-2012, no proc. n.º 262/10.5TAVIS.C1.

Importa referir que da matéria provada resultam todos os elementos de facto que permitem fazer a legal subsunção ao crime indicado pelo Ministério Público no seu recurso.

Nestes termos, na medida em que também entendemos que os factos são criminalmente puníveis, em consonância com o recurso apresentado, somos de parecer que este merece provimento nos termos sobreditos».

*6.

Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.

*7.

Colhidos os vistos legais e submetido o processo a conferência, cumpre apreciar e decidir.

* II. Fundamentação: 1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso: Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).

Deste modo, as conclusões da motivação apresentada pelo Ministério Público circunscrevem o recurso à questão de determinar se o acervo fáctico descrito na sentença recorrida consubstancia (ou não) a prática, pelo arguido A..., de um crime de violação de imposições, proibições e interdições, p. e p. pelo artigo 353.º, do Código Penal.

* 2.

Na sentença sob recurso foram dados como provados os seguintes factos: 1. O arguido foi condenado no âmbito do processo sumário n.º 128/09.1GTVIS, do 1.º Juízo Criminal deste Tribunal, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de quatro meses.

  1. O arguido foi notificado de que deveria fazer a entrega da carta de condução nos 10 dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença, no Tribunal ou em qualquer posto policial.

  2. O arguido ficou ciente do teor da notificação uma vez que esteve presente no dia da leitura da sentença em causa, no dia 30 de Julho de 2009, mas não procedeu à entrega da carta de condução no prazo atrás referido, tendo sido determinada a apreensão da mesma o que veio a suceder a 5 de Novembro de 2009.

  3. O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que estava obrigado a cumprir a imposição determinada na sentença proferida de proceder à entrega da sua carta de condução a fim de cumprir a sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de cinco meses, não obstante, não procedeu à referida entrega; 5. O arguido trabalha como marceneiro e aufere a quantia mensal equivalente ao ordenado mínimo nacional.

  4. Vive sozinho, num quarto arrendado e paga a quantia mensal de € 100,00 de renda.

  5. O arguido tem o 6.º ano de escolaridade; 8. O arguido já sofreu anteriores condenações pela prática dos crimes de falsificação de documento, de furto simples e de condução de veículo em estado de embriaguez.

    * 3. Quanto aos factos não provados, ficou consignado na sentença: Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, não se provando que: 1. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

    * 4.

    Relativamente à motivação da decisão de facto, ficou escrito: O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade dada como provada com base na análise crítica e ponderada da prova produzida, concretamente, no teor da certidão de fls. 4 a 21 e nas declarações do arguido quanto aos factos, os quais confessou, e também relativamente à sua situação social e económica.

    No que se refere aos antecedentes criminais teve-se em consideração o teor do certificado de registo criminal de fls. 77 a 81.

    * 5. Mérito do recurso: A Mma. Juíza do Tribunal a quo fundamentou juridicamente a decisão de absolvição nestes termos: «O arguido está acusado da prática de um crime de violação de proibições ou interdições nos termos do artigo 353.º Código Penal.

    Prescreve o artigo 353.º do Código Penal que, “Quem violar proibições ou interdições determinadas por sentença criminal, a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias”.

    O bem jurídico tutelado pelo crime de desobediência traduz-se na não frustração de sanções impostas por sentença criminal. (cf. Cristina Líbano Monteiro, in Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, Tomo III, pág. 400).

    Sob o ponto de vista objectivo a descrição típica é aparentemente clara, uma vez que aponta a espécie de proibições ou interdições impostas por sentença criminal que devem considerar-se abrangidas: apenas as que integram uma pena acessória ou uma medida de segurança. (cf. Cristina Líbano, in ob. citada, na mesma página).

    Do ponto de vista subjectivo, este crime integra não apenas a representação de que a conduta que se adopta viola uma proibição ou uma interdição, mas também a consciência de que essa proibição ou interdição violadas forma parte de sentença criminal (cf. Cristina Líbano, in ob. citada, pág. 403).

    Da matéria de facto dada como provada resulta não estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos de tal ilícito.

    Na verdade, na esteira da mais recente jurisprudência dos tribunais superiores a propósito deste ilícito...

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