Acórdão nº 14/12.8TAMTR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelCOELHO VIEIRA
Data da Resolução21 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. Nº 14/12.8TAMTR.P1 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO No T. J. de Montalegre foi exarada a seguinte sentença:- (…) O MINISTÉRIO PÚBLICO deduziu acusação, para julgamento em processo abreviado e com intervenção de Tribunal Singular, contra: B…, solteiro, agricultor, nascido a 20 de Março de 1965, filho de C… e de D…, natural de …, Montalegre, residente na Rua …, caixa postal n.º ., … Freguesia de …, Montalegre, titular do B.I. n.º …….., imputando-lhe a prática, como autor material de um crime desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e 160.º, n.º 1, n.º 3 e n.º 4, do Código da Estrada.

*O arguido não apresentou contestação escrita, bem como não apresentou rol de testemunhas.

*Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo, como melhor consta da acta respectiva.

*Após a prolação do despacho que recebeu a acusação, não ocorreram quaisquer nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

*II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: MATÉRIA DE FACTO PROVADA: Da discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da mesma: 1 - Por sentença proferida nos autos de processo sumário n.º 123/11.0GAMTR, que correu os seus termos neste Tribunal Judicial de Montalegre, transitada em julgado no dia 06 de Junho de 2011, foi o arguido condenado, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de sete meses e vinte dias; 2 - Na sentença, lida no dia 06 de Maio de 2011 neste Tribunal Judicial de Montalegre, foi o arguido solenemente advertido de que deveria proceder à entrega do seu título de condução, no prazo de dez dias contado do trânsito em julgado da sentença, na secretaria do Tribunal Judicial de Montalegre ou em qualquer posto policial; 3 - Apesar desta advertência solene, o arguido, embora podendo, jamais procedeu à entrega do seu título de condução nos serviços administrativos ou policiais referidos; 4 - O arguido levou a cabo esta conduta com manifesto desrespeito pela decisão supra referida e pela obrigação de entregar o título de condução que para si dela decorria, apesar de ter conhecimento de ambas; 5 - Agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente; 6 - Era conhecedor das proibições que lei fazia impender sobre as suas condutas.

Provou-se ainda que: 7 – O arguido é agricultor, mas cultiva e cria animais apenas para seu consumo.

8 – Vive com a mãe que é reformada.

9 – Faz umas jeiras de quando em vez na área da agricultura, auferindo cerca de € 30,00/€40,00 por dia.

10 – O arguido tem a 4.ª classe.

11 - O arguido foi já condenado: a) por sentença de 22-01-2007, transitada em julgado no dia 06-02-2007 e proferida no processo n.º 34/07.4 GTVRL, deste Tribunal Judicial, pela prática, em 21-01-2007, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 3,00.

  1. por sentença de 31-03-2008, transitada em julgado no dia 23-04-2008 e proferida no processo n.º 42/08.8 GAMTR, deste Tribunal Judicial, pela prática, em 06-03-2008, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses.

  2. por sentença de 06-05-2011, transitada em julgado no dia 06-06-2011 e proferida no processo n.º 123/11.0 GAMTR, deste Tribunal Judicial, pela prática, em 21-04-2011, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,50 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 meses e 20 dias.

    MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA: Inexistem factos não provados.

    III - MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO: O Tribunal assentou a sua convicção na apreciação global, de acordo com regras de experiência comum, da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente: No que concerne à demonstração da factualidade apurada sob 1. a 6., teve a mesma por fundamento a certidão da sentença proferida no processo n.º 123/11.0 GAMTR, deste Tribunal Judicial, constante de fls. 2 a 8 e o Certificado do Registo Criminal do arguido de fls. 43 a 48 (que comprova a data do trânsito em julgado da aludida sentença), tudo em conjugação com as regras da experiência comum, bem como foram valoradas as declarações do arguido em sede de audiência que acabou por confessar parcialmente os factos pelos quais vinha acusado, apenas referindo, a mais, que ficou à espera do aviso para entregar a carta de condução.

    Com relação às condições pessoais e à situação sócio-económica do arguido, provadas de 7. a 10., foram valoradas as declarações do próprio, as quais se mostraram plausíveis e sinceras quanto a esta matéria, merecendo acolhimento.

    Para prova dos antecedentes criminais do arguido, evidenciados em 11., tomou-se em atenção o Certificado do Registo Criminal constante de fls. 43 a 48 dos autos.

    IV - ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS: Apurada a matéria fáctica importa agora proceder ao seu enquadramento legal.

    Importa, então, verificar se estão reunidos todos os pressupostos necessários à exigência de uma reacção do direito criminal.

    Para tal, é necessário que quer do ponto de vista objectivo, quer subjectivo, se justifique a tutela penal.

    Ora, os factos descritos integram a prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

    O citado normativo prescreve o seguinte: L Artigo 348.º, do Código Penal – Desobediência: “1. Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:

  3. Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.

    1. A pena é de prisão até dois anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada.”.

    O bem jurídico tutelado por via da citada incriminação é, primacialmente e tal como nos demais crimes contra a autoridade pública, a autonomia intencional do Estado e visa, secundariamente, impedir a colocação de obstáculos à actividade administrativa do Estado, por parte dos destinatários dos seus actos (neste sentido, Cristina Líbano Monteiro, in “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial”, Tomo III, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2001, pág. 350).

    O tipo objectivo do ilícito jurídico-penal sob apreço consubstancia-se na conduta de quem faltar à obediência devida. Como refere Cristina Líbano Monteiro (ob. cit., pág. 351), é na própria noção de «devida» que se encontram implícitos os demais elementos objectivos do crime em questão, pois “Só é devida obediência a ordem ou mandado legítimos. Condição necessária de legitimidade é a competência in concreto da entidade donde emana a ordem ou o mandado. Para que o destinatário saiba se está ou não perante uma ordem ou um mandado desse tipo, torna-se indispensável que este chegue ao seu conhecimento e pelas vias normalmente utilizadas – que lhe seja regularmente comunicado.

    Faltar à obediência devida não constitui, porém, por si só, facto criminalmente ilícito. A dignidade penal da conduta exige, para além do que fica dito, que o dever de obediência que se incumpriu tenha uma de duas fontes: ou uma disposição legal que comine, no caso, a sua punição; ou, na ausência desta, a correspondente cominação feita pela autoridade ou pelo funcionário competentes para ditar a ordem ou o mandato.”.

    Seja como for, em ambas as previsões típicas do art.º 348.º, n.º 1, do Código Penal, existe um dever categorizado de obedecer, advindo a qualificação desse dever da circunstância de o seu não acatamento, ou a sua violação, implicarem a aplicação de uma sanção de índole criminal (de uma pena) – vide, neste sentido, Cristina Líbano Monteiro, ob. cit., pág. 351.

    No que respeita à ordem ou mandado, materializam tais elementos típicos do crime de Desobediência uma concreta norma de conduta, directa e imediatamente dirigida a outrem, que se traduz na abstenção de um comportamento determinado ou na imposição de uma particular actuação.

    Para efeito de se considerar a ordem «legítima», no domínio da imputação objectiva da conduta ao agente, a mesma tem que emanar de autoridade ou funcionário competente, “… ou seja, deve caber dentro das atribuições funcionais próprias ou delegadas de quem a profere: naquele momento, naquela matéria e para aquele lugar.” (Cristina Líbano Monteiro, ob. cit., pág. 356).

    O requisito atinente à «regular comunicação» da ordem, consubstancia-se na exigência de uma autêntica e efectiva comunicação. Pelo que “… não basta que o meio de fazer chegar a ordem ao conhecimento do seu destinatário se mostre (de acordo com a lei) formalmente irrepreensível; torna-se necessário que aquele se tenha inteirado, de facto, do seu conteúdo.” (Cristina Líbano Monteiro, ob. cit., pág. 356-357).

    A cominação de prática do crime de desobediência constitui também elemento essencial para efeito de imputação objectiva do crime ao agente, sendo que essa cominação ou resulta da própria lei (da norma na qual se comina a prática do crime de desobediência) ou deve ser efectuada por quem emite a ordem, por forma a que o agente adquira o conhecimento de que o não acatamento da imposição o faz incorrer em responsabilidade criminal e, mais propriamente, na prática de crime de desobediência.

    Assim, o preenchimento do crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.º do Código Penal, passará, assim, pela existência de: uma ordem ou mandado não acatados e que se analisam na imposição de praticar ou deixar de praticar certo facto; da legalidade formal da ordem ou mandado; da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT