Acórdão nº 1087/11.6PCMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR ESTEVES
Data da Resolução11 de Julho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal nº 1087/11.6PCMTS.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório Na sequência do inquérito que correu termos nos serviços do MºPº de Matosinhos, o MºPº deduziu acusação contra o arguido B…, devidamente id. nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de ameaça p. e p. pelos art. 153º e 155º nº 1 al. a) do C. Penal e 86º nº 3 da Lei nº 5/2006 de 23/2.

Distribuídos os autos ao 4º juízo criminal do T.J. de Matosinhos, o Sr. Juiz proferiu despacho rejeitando a acusação, por a considerar manifestamente infundada.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o MºPº, pretendendo a sua revogação e substituição por outra que receba a acusação e ordene o prosseguimento dos autos, formulando as seguintes conclusões: 1.° O presente recurso incide sobre o despacho proferido ao abrigo do disposto no art.° 311.°, do Código de Processo Penal, que rejeitou a acusação deduzida nestes autos contra B…, por considerar que a mesma é manifestamente infundada, nos termos do art.° 283.°, n.° 3, al. b) e do art.° 311, n.° 2, al. b) e n.° 3, al. d), todos do Código de Processo Penal, por não conter os factos adequados a imputar ao arguido o crime de ameaças p. e p. no art.° 153.° e 155.°, n.° 1, al. a) do Código Penal.

  1. No crime de ameaças, o dolo do agente é constituído por: - a vontade de proferir certas expressões, consciente de que as mesmas anunciam um mal que constitui a prática de um crime; - a consciência de que as expressões proferidas são adequadas a provocar receio ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do visado.

  2. O despacho de acusação contém estes elementos de facto, quando diz que o arguido agiu voluntária, livre e conscientemente e quando refere que o arguido sabia que as suas palavras e actuação eram adequadas a causar medo e inquietação na pessoa do ofendido.

  3. Por outro lado, se o tribunal entende que o mal anunciado só pode ser entendido como um mal futuro, então a consciência e a vontade do anúncio do mal, necessariamente se referem a um mal futuro.

  4. O mal iminente é o mal que está próximo, que está prestes a acontecer.

  5. Por isso, o mal iminente é ainda mal futuro, porque é um mal que ainda não aconteceu.

  6. Sendo o mal iminente poderemos estar perante uma tentativa de execução do respectivo acto violento.

  7. Mas daí se não segue, necessariamente, que deixe de existir uma ameaça.

  8. Tudo depende da intenção do agente.

  9. É que, para haver tentativa não basta a prática de actos de execução é necessário que esses actos sejam de execução de um crime que o agente “decidiu cometer” (art. 22°, n.°l, do Código Penal).

  10. A acusação refere expressamente que a intenção do agente era de causar receio e inquietação na pessoa do ofendido.

  11. Ora, se era esta a sua intenção, então o tribunal não tinha fundamento para considerar que a expressão proferida, acompanhada do empunhar da arma, traduz um acto de execução de um mal, ou seja, um acto de execução de um crime de homicídio ou de ofensas à integridade física.

  12. A acusação, tal como está formulada, não pode ser considerada manifestamente infundada, pois contém todos os elementos de facto necessários ao preenchimento do tipo legal de crime que imputa ao arguido.

  13. Por isso, o despacho recorrido violou o disposto no art° 153.°, do Código Penal e 311 n.° 2, al. d) do Código de Processo Penal, ao interpretar incorrectamente os elementos típicos do crime de ameaças, quer objectivos quer subjectivos, concluindo pela sua não verificação, tal como descritos na acusação.

  14. Violou igualmente o disposto no art.° 311.°, n.° 2, al. b) e 283.°, n.° 3, al. b), ambos do Código de Processo Penal, ao considerar a acusação manifestamente infundada por falta de narração dos factos.

Não foi apresentada resposta.

O recurso foi admitido.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto limitou-se a apor visto.

Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

Cumpre decidir.

  1. Fundamentação É do seguinte teor a acusação deduzida pelo MºP e que foi objecto de rejeição: No dia 19/08/11, pelas 19:30 horas, na Rua …, em …, Matosinhos, na sequência de uma discussão mantida com o ofendido, C…, o arguido deslocou-se ao interior da sua residência, e saiu logo depois empunhando uma arma de alarme transformada em arma de fogo, da marca …, melhor descrita a fls. 15.

    O arguido apontou a arma ao ofendido ao mesmo tempo que dizia “eu mato-te, vou desgraçar a minha vida mas mato-te”.

    O ofendido, juntamente com outras pessoas que se encontravam no local, refugiou-se atrás de um automóvel que ali se encontrava estacionado.

    Nessa altura, o arguido efectuou um disparo na direcção de um portão que ficava a cerca de 10 metros do local onde aquele se encontrava escondido.

    O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, sabendo que as suas palavras e actuação eram adequadas a causar medo e inquietação na pessoa do ofendido, como aliás era sua intenção.

    Cometeu, pelo exposto, como autor material, um crime consumado de ameaças, p. e p. no art.° 153.°, e 155.°, n.° l, al. a), e 86.° n.° 3, da Lei 5/2006.

    E é do seguinte teor o despacho recorrido: O Tribunal é competente.

    **Da acusação manifestamente infundada: O arguido B… vem acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de ameaça p. e p. pelos arts. 153.° e 155.°, n.° 1, al. a), do CP.

    Ora, a acusação do Ministério Público ou do assistente tem, conforme resulta dos arts. 283.°, n.° 3, al. b), e 285.°, n.° 3, do CPP, de narrar os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, sob pena de nulidade e rejeição da acusação, nos termos do art. 311.°, n.° 2, al. a), e n.° 3, al. d), do CPP.

    Aliás, em obediência aos princípios basilares do processo penal, a solução legal referida para a acusação que não contenha os factos integradores dos elementos objectivos e subjectivos típicos de um crime imputáveis ao arguido não pode ser outra, na medida em que a acusação, seja pública, seja particular, fixa o objecto do julgamento, delimitando a actividade de cognição a desenvolver pelo tribunal, de tal forma que, nos termos do art. 379.°, n.° 1, al. b), do CPP, é nula a sentença que, entre outros, condene o arguido por factos diversos dos descritos na acusação. Além disso, a fixação do objecto do processo com base na acusação, nos termos referidos, está também interligada com o direito de o arguido se defender das imputações que lhe são feitas (cfr art. 61.°, n.° 1, ais. b) e f), do CPP, e art. 32.° da Constituição da República Portuguesa), o que passa pela informação, em detalhe, dos factos objectivos e subjectivos que lhe são imputados e os termos em que tal é feito, conforme decorre do art. 6.° da Declaração Europeia dos Direitos do Homem, na perspectiva em que aqui se consagra o direito de o acusado poder, desde logo, preparar a sua defesa.

    O esquema legal delineado segue, assim, a estrutura acusatória que enforma o processo penal português, por imposição constitucional (art. 32.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa).

    Deste modo, quando os factos relatados na acusação não integram os elementos objectivos e subjectivos de um tipo criminal ou quando não são imputados factos que constituam...

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