Acórdão nº 115/10.7TAMTR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Junho de 2012
Magistrado Responsável | MARIA DEOLINDA DIONÍSIO |
Data da Resolução | 06 de Junho de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo n.º 115/10.7TAMTR.P1 4ª Secção Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunto: Moreira Ramos.
Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO Nos autos de inquérito que corria termos pela Unidade de Apoio dos Serviços do Ministério Público de Montalegre, sob o n.º 115/10.7TAMTR, findo o inquérito o Digno Magistrado do Ministério Público deduziu acusação, em processo sumaríssimo, contra o arguido B…, imputando-lhes a prática de um crime de desobediência qualificada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 391º, do Cód. Proc. Civil e 348º n.ºs 1 e 2, do Cód. Penal, propondo a sanção de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), com base na seguinte factualidade: “a. No … existe um prédio rústico denominado por C…, composto de cultura arvense de sequeiro, lameiro e pastagem, com a área de 37.200 m2, que confronta do Norte com D…, Sul com a lama pública, Nascente com E… e Poente com Monte baldio, inscrito na matriz rústica daquela freguesia … sob o art. 2870, o qual está descrito na conservatória do Registo Predial de Montalegre, sob a descrição n.º 01454/060206 da …, nesta comarca; b. O acesso ao dito prédio, com carros agrícolas, tractores, reboques e alfaias é feito pêlos caminhos situados a sul desse prédio, os quais ladeiam a F… do seu lado nascente Norte e Sul, hoje conhecida por G… e a pé, do lado poente deste imóvel, pelo baldio; c. Por decisão judicial datada de 19 de Julho de 2010, proferida nos Autos de Procedimento Cautelar n.º 99/10.1TBMTR-B, que correram termos neste Tribunal Judicial de Montalegre, em que eram requerentes H… e marido I…, J… e marido K… e requeridos o ora arguido e mulher L…, foi ordenado aos requeridos que, em 8 dias a contar da notificação da decisão, retirassem do caminho público da G…, identificado em b), o fio electrificado denominado nesta região por "…" e removessem do seu leito e junto à entrada carral do prédio dos requerentes a inteira em pedra que ali colocaram, de forma a repor o caminho e entrada do prédio dos requerentes plena funcionalidade, deixando-o livre e devoluto; d. Tal decisão foi pessoalmente notificada por funcionário judicial ao arguido e mulher no dia 20 de Julho de 2010, da qual ficaram bem cientes, tendo recebido cópia da mesma; e. Apesar da decisão referida em c) e da comunicação mencionada em d), o arguido mantinha no dia 24 de Agosto de 2010, pelas 14h45m, o caminho da G… vedado com fio electrificado denominado "…"; f. Ao comportar-se deste modo, actuou o arguido com o propósito concretizado de desrespeitar as suas obrigações como requerido na providência cautelar e pelo regime legal a que o terreno ficou sujeito após a decisão judicial supra referida, obrigações e regime que eram do seu conhecimento; g. Mais desrespeitou a dita decisão judicial que sabia exarada por magistrado judicial, no exercício das suas funções, no âmbito das suas competências, de acordo com a lei e em autos de providência cautelar.
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Agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, com perfeito conhecimento que o seu comportamento era legalmente proibido.” Admitido o requerimento, foi o arguido notificado para os efeitos previstos no art. 396º, do Cód. Proc. Penal, tendo manifestado a sua oposição e, uma vez reenviados os autos para a forma comum, formulou pedido de abertura de instrução, visando o arquivamento dos autos.
Para tanto e em síntese invocou que: - A providência cautelar em que se baseia a acusação foi anulada neste Tribunal da Relação do Porto pelo que, de acordo com o disposto no art. 122º, do Cód. Proc. Penal, tanto os actos que nela se verificaram bem como os que destes dependerem são inválidos; - A providência cautelar tinha unicamente em vista permitir a passagem para o corte e retirada do feno, ficando o arguido convencido e assim foi informado de que a entrada e caminho deviam ficar livres e funcionais para realizar aquele serviço; - Quando o fio “…” foi recolocado já o feno tinha sido retirado e só aquele lhe permite utilizar as pastagens produzidas nos prédios que tem arrendados já que evita que o seu gado passe para os prédios dos vizinhos.
Admitido o requerimento do arguido realizou-se a instrução onde, a final, foi proferido despacho de não pronúncia por se entender não só que não se verificavam todos os elementos típicos do crime de desobediência [por falta de tal cominação por parte da M.ma Juíza que decidiu a providência cautelar], mas também porque dos indícios recolhidos resultava uma possibilidade de lhe vir a ser aplicada uma pena em julgamento que era manifestamente inferior à probabilidade de absolvição.
Inconformado com o decidido, interpôs recurso o Ministério Público, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)
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A conduta do arguido que, regularmente notificado em 20 de Julho de 2010, de decisão de procedimento cautelar que lhe ordena, enquanto requerido, que no prazo de 8 dias a contar da notificação da mesma, retire do caminho público, da G…, o fio electrificado denominado por "…", e mantém em 24 de Agosto de 2010 no referido local o dito fio "…", integra a infracção criminal de desobediência qualificada, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 391º do Código de Processo Civil e 348º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal.
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O artigo 391º do Código de Processo Civil constitui-se como norma incriminatória que pune com a prática do crime de desobediência qualificada a actuação típica tal como aqui é imputada ao arguido.
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Estamos, assim, perante um caso de cominação legal e não funcional.
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E porque se trata de um caso de cominação legal, a lei incriminadora não exige que o destinatário seja advertido de que incorre na pena do crime de desobediência qualificada se não acatar a decisão que lhe foi transmitida.
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Ao contrário do propugnado na decisão recorrida, em tais casos a cominação de prática do crime de desobediência qualificada não constitui elemento essencial para efeitos de imputação objectiva do crime ao agente.
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Ao entender que a referida conduta não integrava este crime, ao contrário do entendimento supra expresso, o Tribunal violou o citado normativo do artigo 391º do Código de Processo Civil.
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O dispositivo da decisão do procedimento cautelar descrita em a), é claro, directo e insusceptível de equívocos, porquanto a redacção utilizada não compreende outra interpretação que não a de que os visados se encontravam obrigados a retirar definitivamente (ainda que se tratasse de um procedimento cautelar) o fio … e a inteira em pedra que aí haviam colocado, sendo que, em momento algum, se faz referência que apenas o deviam fazer em determinadas situações, nomeadamente quando os requerentes ali necessitassem de transitar para retirar o seu feno.
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A demonstrar ainda a incoerência de tal interpretação acresce o facto do local constituir um caminho público, conforme é denominado na decisão cautelar, mal se percebendo que fosse reconhecida ao arguido a legitimidade para regular o acesso ao mesmo, aí colocando e retirando o dito fio … quando lhe aprouvesse.
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Encontra-se suficientemente indiciado que o arguido percebeu e interiorizou o sentido e alcance da decisão que lhe foi comunicada e ainda assim resolveu-se por não a cumprir, abstendo-se de actuar como aí lhe era ordenado, pois no dia 24 de Agosto de 2010, pelas 14h45m, ainda mantinha no local o referido fio …, tal como que é imputado na acusação deduzida nos autos.
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Mal andou a decisão recorrida ao considerar que o arguido tenha retirado o fio … para que o requerente da providência cautelar pudesse retirar o feno do seu terreno.
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Isto porque, os presentes autos se iniciaram com o auto de ocorrência de fls. 03, de onde decorre que foi precisamente o requerente da providência cautelar quem solicitou a presença da G.N.R. no local no dia 24 de Agosto de 2011, pelas 14h45m, porque o aqui arguido "ainda continua a vedar o caminho da G… que lhe dá passagem para a sua propriedade, com um fio eléctrico conhecido por …", facto, esse, objectivamente constatado pelos guardas que ali se deslocaram.
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A instrução caracteriza-se como uma fase do processo penal que se basta com a produção de prova meramente indiciaria, não se exigindo, ainda, um juízo de certeza quanto ao mérito do objecto processual, mas tão só um juízo de probabilidade quanto à verificação ou não dos factos.
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Foram colhidos nos autos indícios suficientes da prática pelo arguido do crime de que vinha acusado, por se encontrarem preenchidos todos os seus elementos objectivos e o elemento subjectivo.
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Nesta conformidade, perante a factualidade imputada ao arguido e a indicação das disposições legais aplicáveis, deveria o Tribunal a quo ter pronunciado o arguido nos termos já constantes da acusação e, em consequência, ser o mesmo submetido a julgamento sob a forma de processo comum e perante Tribunal Singular, pela prática de um crime de desobediência qualificada, infracção prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 391º do Código de Processo Civil e 348º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal.
*Respondeu o arguido pugnando, sem sumariar conclusões, pela manutenção do decidido.
Admitido o recurso, por despacho de fls. 173, subiram os autos e este Tribunal da Relação, onde o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto elaborou douto parecer no sentido da improcedência do recurso - embora por razões diversas das constantes na decisão recorrida visto acompanhar o Ministério Público na afirmação de que o crime em causa não depende de cominação específica quando a desobediência está prevista em norma legal - por entender que a finalidade da providência cautelar já estava salvaguardada quando o arguido repôs o “fio …” e que a mesma caducara, de harmonia com o disposto nos arts. 283º n.º 1 e 398º n.ºs 1 a) e 2, do Cód. Proc. Civil, visto, na altura, já terem decorrido mais de 30 dias sem que haja conhecimento de que tivesse sido proposta a acção principal.
Cumprido o disposto no art...
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