Acórdão nº 346/11.2GAETR.C1.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelJOAQUIM GOMES
Data da Resolução13 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso n.º 346/11.2GAETR.C1.P1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunto: Carlos Espírito Santo Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO 1. No PCS n.º 346/11.2GAETR do Juízo de Instância Criminal de Estarreja, Comarca do Baixo Vouga, em que são: Recorrente/Arguido: B… Arguidos: C…; D… Recorrido: Ministério Público foi proferida sentença em 2011/Nov./03 e constante a fls. 91-101 que, para além das custas e taxa de justiça condenou o arguido pela prática, como autor material, de um crime de furto qualificado do artigo 203.º, 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, enquanto os demais arguidos foram absolvidos.

  1. O arguido condenado interpôs recurso em 2011/Nov./23 a fls. 108-113, pedindo a reformulação da sentença no sentido de lhe ser aplicada uma pena de trabalho a favor da comunidade, apresentando as conclusões que se passam a resumir: 1.ª) A pena concreta que lhe foi aplicada é excessiva, devendo ser substituída por uma pena de trabalho a favor da comunidade, encontrando-se preenchidos todos os requisitos para que a mesma seja aplicada, manifestando desde já a sua aceitação para al substituição [1-2, 4]; 2.ª) O arguido tem apenas 24 anos de idade, vive com os pais, tem um filho de menor idade e encontra-se integrado profissionalmente [3]; 3.ª) A prisão será um estigma na vida do arguido, atendendo à sua idade, à sua personalidade fortemente influenciável e ao facto de estar integrado profissionalmente [5]; 4.ª) Muito embora sejam acentuadas as exigências de prevenção pelos valores sociais em causa, o certo é que elas não são de tal exigência que exijam o cumprimento efectivo da prisão, podendo ser alcançadas com a pretendida substituição pela prestação de trabalho a favor da comunidade [6, 7]; 5.ª) Foram violados o disposto nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal.

  2. O Ministério Público respondeu em 2011/Nov./28, a fls. 115-119 e com base nos antecedentes criminais revelados pelo arguido, igualmente por um crime de furto, pelo qual foi condenado numa pena de prisão cuja execução ficou suspensa, bem como por outros quatro crime de distinta natureza entre 2005 e 2010, cujas condenações não surtiram qualquer efeito, pugna que se negue provimento ao recurso.

  3. Recebidos os autos nesta Relação foram os mesmos autuados em 2012/Fev./16 e indo com vista ao Ministério Público foi por este emitido parecer em 2013/Mar./17, sustentando igualmente que o recurso não deve proceder.

  4. Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, nada obstando que se conheça do mérito do recurso, sendo de ponderar se a integração da conduta do arguido no crime de furto qualificado é a mais adequada.

*O objecto deste recurso passa, assim, pela prática pelo arguido de um crime de furto qualificado [a)] e pela escolha da medida da pena [b)], designadamente pela manutenção ou não da pena de prisão a que o arguido foi condenado, suscitando-se a aplicação da prestação de trabalho a favor da comunidade.

* * *II. FUNDAMENTAÇÃO 1. A sentença recorrida Na parte que aqui relva foi dado como provado o seguinte: 1. No dia 24 de Outubro de 2011, perto das 20h, o arguido B… dirigiu-se ao lote .. da …, na …, Murtosa, onde se encontrava uma obra em construção, pertencente a E…; 2. A referida obra encontra-se vedada em toda a sua extensão, por uma rede de malha de tipo sol, com uma altura de cerca de 2,20 m, bem como uma porta/abertura com aloquete; 3. O arguido B… introduziu-se no interior da referida obra através do rompimento da rede de vedação da obra em causa; 4. Da referida obra em construção, o arguido B… cortou as tubagens eléctricas e do seu interior retirou diversos fios de cobre eléctricos revestidos, com o peso ilíquido de 15,300 kg, no valor de cerca de 500 €; 5. Após, o arguido B… carregou o referido material no veículo automóvel de matrícula ..-..-AJ, pertencente ao arguido C…, afastando-se da obra em causa, tendo vindo a ser interceptados, na posse no dito material, na …, na … Murtosa, no âmbito de uma acção de fiscalização do trânsito; 6. Ao actuar da forma descrita, o arguido B… agiu com o propósito de fazer seus os bens supra referidos, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do respectivo dono; 7. O arguido B… agiu de forma livre e voluntária, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei; 8. ………………………………………………………………………………………………………….; 9. ………………………………………………………………………………………………………….; 10. O arguido B… é trabalhador da construção civil, mas encontra-se desempregado há cerca de 15 dias, é solteiro, tem um filho menor, vive com os pais em casa destes, e tem o 8.º ano de escolaridade; 11. ………………………………………………………………………………………………………….; 12. O arguido B… já foi condenado no âmbito dos seguintes processos: a) Proc. n.º 660/05.6PAOVR, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Ovar, pela prática, em 24.9.2005, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 130 dias de multa à taxa diária de 3 €, por decisão datada de 26.9.2005 e transitada em julgado em 11.10.2005; b) Proc. n.º 48/08.7GBOVR, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Ovar, pela prática, em 14.2.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 4 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 1 ano, por decisão datada de 19.2.2008 e transitada em julgado em 25.3.2008; c) Proc. n.º 49/08.5GBETR, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Estarreja, pela prática, em 28.2.2008, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5 €, por decisão datada de 27.1.2009 e transitada em julgado em 3.3.2009; d) Proc n.º 400/10.8GBETR, do Juízo de Instância Criminal de Estarreja, pela prática, em 9.9.2010, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 7 meses de prisão, a qual foi substituída por 210 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, por decisão datada de 22.9.2010 e transitada em julgado em 8.11.2010; e) Proc n.º 212/09.1GBETR, do Juízo de Instância Criminal de Estarreja, pela prática, em 28.6.2009, de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período com regime de prova, por decisão datada de 30.3.2011 e transitada em julgado em 10.10.2011; ………………………………………………………………………………………….....

*2. Os fundamentos do recurso a) O crime de furto qualificado O Código Penal(1) na previsão do crime de furto qualificado na sua modalidade mais grave e no sub-tipo que para aqui releva, pois foi por esse que o arguido foi condenado, comina no artigo 204.º, n.º 2, al. e) “Quem furtar coisa móvel alheia: Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas” – redacção introduzida pela Reforma de 1995 (Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/Mar).

A questão aqui em causa passa por determinar o significado de “outro espaço fechado”, enquanto conceito normativo, pois foi no mesmo que foi enquadrada a conduta do arguido, o que nos remete, primeiro, para a justificação dessa punição enquanto crime de furto qualificado e, depois para determinação dessa preciso conceito, procurando as suas raízes históricas e a sua razão de ser actual.

*O direito penal, atento o ancoramento que o mesmo deve ter na actual narrativa constitucional, não é um fim em si mesmo, mas antes um sistema normativo ao serviço da convivência e das necessidades humanas no âmbito de um Estado de Direito Democrático (1.º, 2.º, 17.º, 18.º, 29.º e 30.º Constituição).

Assim, tomando como referência o princípio da dignidade da pessoa humana (1.º; 24.º, n.º 1, 25.º da Constituição; 5.º da DUDH; 3.º, n.º 1 da CEDH; 7.º, n.º 1, 10.º, n.º 1 do PIDCP; 1.º, 3.º, n.º 1, 4.º da CDFUE) e as directrizes decorrentes do princípio constitucional da intervenção mínima do direito penal (18.º, n.º 2 Constituição), como do princípio da proporcionalidade das penas (49.º, n.º 3 CDFUE), tanto a definição normativa do crime, como a subsequente estatuição de uma reacção penal, apenas encontram justificação se estiver em causa a protecção de um bem jurídico-penal.

Tal só sucederá se o mesmo tiver a suficiente importância social para ser protegido (processo de selecção), se for necessária a correspondente tutela penal (processo de tipificação) e mediante a imposição de uma reacção penal (processo de punição), já que esta sempre implica um...

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