Acórdão nº 425/10.3IDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Outubro de 2012

Data17 Outubro 2012
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 425/10.3 IDPRT.P1 Tribunal da Relação do Porto (2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial) Origem: Tribunal Judicial de V. N. de Gaia (4º Juízo Criminal) Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório: No processo supra identificado, por sentença datada de 20/12/2011, depositada na mesma data, e no que ora importa salientar, decidiu-se: – condenar o arguido B….., como autor, sob a forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal qualificado, p. e p. pelo art.º 105º, nºs. 1, 2 e 5, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de três anos de prisão; – condenar a arguida “C…., L.da”, como autora, sob a forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal qualificado, p. e p. pelo art.º 105º, nºs. 1, 2 e 5, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de quinhentos dias de multa, à taxa diária de quinze euros.

Inconformados com a sobredita decisão, vieram os arguidos B….

e “C….., Lda.”, conjuntamente, interpor recurso da mesma nos termos constantes de fls. 471 a 503 dos autos, aqui tidos como especificados.

Na motivação apresentada formularam as seguintes conclusões (transcrição): 1ª – A sentença Sub Júdice, julgou como provados os antecedentes criminais do arguido, e estribada neste segmento fáctico, retira consequências, plasmadas na ponderação e determinação da pena aplicável ao arguido.

  1. – Por sua vez, a Acusação Pública deduzida pelo Ministério Público, omite qualquer menção aos antecedentes criminais do arguido ou à sua atividade criminosa, como circunstância agravante da prática do crime pelo que foi condenado.

  2. – Neste contexto, este dissenso entre Acusação e Sentença, no que a este facto respeita, impõe a verificação de alteração substancial dos factos.

  3. – Esta alteração substancial dos factos, não permite a prolação de sentença condenatória, como sucedeu in casu.

  4. – Logo, a sentença, aqui em juízo, padece de vício de nulidade, razão pela qual deve ser revogada.

  5. – A previsão legal consagrado no Art. 105.º N.º 4 AL. A E B estabelece condições objetivas de punibilidade, do crime de abuso de confiança fiscal.

  6. – Na verdade e concretamente a alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redação introduzida pela Lei 53-A/2006, configura uma condição objetiva de punibilidade que, nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor.

  7. – Em consequência, tendo sido cumprida a obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo (alínea b) do n.º 4 do art. 105.º do RGIT).

  8. – esta notificação constitui A condição objetiva de punibilidade, pois constitui um elemento da norma, situado fora do tipo de ilícito e tipo de culpa, cuja presença constitui um pressuposto para que a ação antijurídica tenha consequências penais.

  9. – A introdução legislativa destas condições objetivas de punibilidade visa duas funções: uma função de delimitação ou da redução da relevância penal de determinados comportamentos e, simultaneamente, uma função de garantia ligada ao respeito pelo princípio da legalidade.

  10. – O Tribunal julgou como provado que o Serviço de Finanças procedeu à notificação do arguido para no prazo de 30 dias (fls. 85) proceder ao pagamento do imposto em causa.

  11. – Sucede que, dissecando este documento, verificamos que a notificação efetuada pelo Serviço de Finanças não liquida o montante de juros em dívida.

  12. – Ou seja, o Arguido desconhecia o montante global em dívida tributária.

  13. – A subtração desta informação, impede que o arguido se encontre devidamente habilitado para efetuar o pagamento do tributo em causa.

  14. – Os elementos teleológico e histórico desta norma apontam no sentido de uma interpretação segundo a qual o legislador terá pretendido descriminalizar o facto nos casos em que, tendo havido declaração da prestação não acompanhada do pagamento, este vem a ser efetuado após intimação da Administração para que o “indivíduo” regularize a sua situação tributária.

  15. – Pretendeu-se alcançar tal objetivo fazendo surgir para Administração Fiscal a obrigação de notificar o contribuinte em mora (e não em falta de declaração) e para este a condição do pagamento do montante em falta como condição de não acionamento do procedimento criminal pelo crime de abuso de confiança fiscal.

  16. – O legislador concede ao contribuinte a possibilidade de se eximir da punição pelo pagamento.

  17. – Contudo, a notificação em causa nos presentes autos não respeita este fim, na medida em que dela não consta a correta liquidação do tributo em causa.

  18. – Esta incompletude implica a não verificação de condição objetiva de punibilidade e, como tal, não pode o arguido ser condenado pela prática deste crime.

  19. – A sentença aqui em apreço aplicou o art.º 105.º do RGIT para condenar cada um dos arguidos, como autores materiais, de um crime de abuso de confiança fiscal.

  20. – Esta norma penal afasta-se da norma equivalente existente na última versão do RJIFNA, redação introduzida pelo Dec-lei n.º 394/93 de 24/11 ao dispensar a apropriação como elemento típico.

  21. – Ao dispensar a apropriação como elemento distintivo que até à sua entrada em vigor marcava a fronteira entre o ilícito criminal e o ilícito contraordenacional, o RGIT não só afasta o crime de abuso de confiança do previsto na lei comum como faz sobrepor a uma mesma conduta tanto a comissão de um crime (art. 105.º) como a de uma contraordenação (art. 114.º), ainda que aquele só seja punível decorridos mais de 90 dias a contar da data em que a prestação deveria ser entregue.

  22. – A redação do art. 105.°, n.° 1 e, 4.° do RGIT eleva a dignidade penal o que anteriormente qualifica como de mero ilícito de natureza administrativa.

  23. – Deste modo e à semelhança do que sucede com o tipo de ilícito previsto no referido art. 105.°, no 1, do RGIT, também o art. 114.° do RGIT estabelece como preponderante o elemento de “não entrega” no âmbito da consumação deste ilícito de mera ordenação social.

  24. – Deste modo e também à semelhança do que sucede com o tipo criminal, no âmbito desta contraordenação não se pode deixar de entender que a mesma possui a natureza de um ilícito omissivo puro, no que respeita aos termos da respetiva consumação.

  25. – O único elemento distintivo relevante, reporta-se ao referido prazo de 90 dias, pois a lei considera que a “não entrega” da prestação tributária decorrido este prazo passa a preencher o tipo de crime previsto no referido art. 105.°, n° 1.

  26. – Analisando os preceitos constitucionais plasmados nos rts. 18.°, n.° 2 e 13.° da Constituição da República Portuguesa e compulsados os elementos típicos dos citados arts. 105.°, n° 1 e 114.°, n° 1, do RGIT, efetivamente nada permite distinguir as correspondentes normas legais, designadamente em termos do elemento axiológico-socialmente relevante, que justifica a previsão legal constante daquele art. 105.°, n° 1, conferindo-lhe dignidade penal.

  27. – A identidade e similitude entre o tipo criminal previsto no art. 105.° do, e a facti species contraordenacional, constante do art. 1 14.°, e a indistinção do bem jurídico tutelado, por ambos os normativos, fere de inconstitucionalidade material o art. 105.º do RGIT.

  28. – A sentença violou a redação do art. 105.º n.º 4 do RGIT.

O Ministério Público veio responder nos termos que constam de fls. 547 a 551 dos autos, aqui tidos como reproduzidos, concluindo no sentido de que deveria negar-se provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida.

O recurso foi regularmente admitido[1] (cfr. fls.609 dos autos).

Nesta instância, a Ex.ma PGA emitiu o parecer junto a fls. 560 dos autos, aqui tido como renovado, através do qual subscreveu a anotada resposta.

No cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada foi aduzido.

Após exame preliminar, foram colhidos os vistos e realizada a conferência, cumprindo agora decidir, pois que nada obsta a tal.

II – FUNDAMENTAÇÃO: a) a decisão recorrida: No que ora importa destacar, a sentença recorrida é do teor seguinte (transcrição): Discutida a causa, resultou provada a seguinte matéria de facto: A arguida “C…. Lda”, contribuinte nº 501.189.416, com sede Rua …, Apartado …, …., nesta comarca de Vila Nova de Gaia é uma sociedade por quotas que tem como objeto social a execução de empreitadas, obras públicas e exploração de pedreiras efetuando, por isso, inúmeras transações sujeitas a tributação.

Na sua qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais mostra-se enquadrada para efeitos de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) no regime normal de periodicidade mensal.

O arguido B…. (doravante B1) é sócio gerente daquela sociedade desde a sua constituição até aos presentes dias, pelo que foi sempre, de facto e de direito, o seu legal representante e responsável pela sua gestão e administração.

Dirigia, por isso, também no ano de 2005, toda atividade da sociedade arguida competindo-lhe, em exclusivo, tomar todas as decisões relativas à gestão comercial e financeira daquela, incluindo as obrigações para com o Fisco.

Ora, com o início da supra referida atividade devidamente declarado às Finanças, a sociedade arguida vinculou-se às inerentes obrigações fiscais, nomeadamente, às de entregar à Administração Tributária as quantias liquidadas e recebidas dos clientes a título de IVA nas transações efetuadas.

De tais obrigações fiscais tinha perfeito conhecimento o arguido B1..... que bem sabia que, por via do exercício daquela atividade e de acordo com as normas vigentes em matéria tributária, estava legalmente obrigado a entregar ao Estado/Fazenda Nacional, nos prazos fixados na lei, as quantias liquidadas e recebidas a título de tal imposto (IVA).

Todavia, por alturas de fevereiro de 2005 e à revelia de todos os imperativos legais, decidiu abster-se de entregar à Administração Tributária as quantias recebidas dos clientes a título de IVA e delas se apropriar, montantes que sabia pertencerem ao Estado e que a este deveria entregar...

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