Acórdão nº 131/11.1GEGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução19 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Pr131/11.1GEGDM.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – A assistente “B…” veio interpor recurso do douto despacho do 1º Juízo Criminal de Gondomar que não pronunciou C… pela prática de um crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 195º e 197º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso: «A. Atento o plasmado na motivação ora descrita, não pode a Assistente concordar com a decisão da Meritíssima Juiz "a quo" de não pronunciar a arguida C… pelo crime de usurpação.

  1. Pois que, efectivamente, no estabelecimento comercial "D…", explorado pela arguida, se encontravam a ser comunicadas publicamente obras protegidas pelo direito de autor, sem que a arguida tivesse obtido a necessária autorização da Assistente, entidade que, em Portugal, representa os autores da obra em causa.

  2. O que, tendo a arguida conhecimento da necessidade de obter e pagar tal automação, não só afectam direitos de autor legalmente protegidos, como consubstancia um crime de usurpação p. e p. pelos artigos 195º e 197º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

  3. Ora, embora a mera recepção de obras radiodifundidas não implique a obtenção de autorização dos respectivos autores, de acordo com o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 4/92 de 28 de Maio de 1992, a arguida utilizava um aparelho receptor (televisão), ao qual tinha ligado um aparelho externo que lhe permite ampliar o sinal recebido (Box da E…).

  4. Ora, este aparelho (Box) é exterior ao simples aparelho de televisão ou de rádio.

  5. Por isso, ainda que se pudesse defender que o televisor é um aparelho de mera recepção, já o mesmo não se passa com este aparelho, sem o qual seria impossível para a arguida exibir o canal …, que se encontrava a ser visualizado, pelo que a arguida necessitava, de facto, de um procedimento técnico (a box), externo ao aparelho receptor para poder recepcionar as obras radiodifundidas, o que não seria necessário se se tratasse de um canal televisivo acessível através da mera recepção.

  6. A arguida procedeu, assim, a uma recepção-transmissão, tal como previsto no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República nº 4/92 de 28 de Maio de 1992, com todas as obrigações daí decorrentes H. Sendo a definição de local público todo aquele em que seja oferecido o acesso; implícita ou explicitamente, mediante remuneração ou sem ela, ainda que com reserva declarada do direito de admissão, conforme definido pelo artigo 149º, nº 3 do CDADC, como o é o estabelecimento comercial explorado pela arguida, será necessário estabelecer um paralelo com o Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 7 de Dezembro de 2006, no Processo C-306/05, que refere que Resulta do vigésimo terceiro considerando da Directiva 2001/29 que o conceito de comunicação ao público deve ser entendido em sentido amplo I. Ora, de acordo com esse Acórdão, …uma comunicação operada em circunstâncias como as do processo principal traduz-se, segundo o artigo 11º-bis, nº 1, alínea ii), da Convenção de Berna, numa comunicação feita por um organismo de retransmissão que não é o organismo de origem. Assim, esta transmissão é feita a um público diferente do público visado pelo acto de comunicação originário da obra, isto é, a um público novo.

    J, Como explica o Guia da Convenção de Berna, documento interpretativo elaborado pela OMPI, que, sem ter força obrigatória geral, contribui, no entanto, para a interpretação da referida convenção[1], o autor, ao autorizar a radiodifusão da sua obra, toma apenas em consideração os utentes directos, isto é, os detentores de aparelho de recepção que, individualmente ou na sua esfera privada ou familiar, captam as emissões. Segundo este guia, quando esta recepção se destina um círculo mais amplo, e por vezes com fins lucrativos, permite-se que uma fracção nova do público desfrute da audição ou da visão de uma obra e a comunicação da emissão por altifalante ou instrumento análogo deixa de ser a mera recepção da própria emissão, mas um acto independente através do qual a obra emitida é comunicada a um novo público, … esta recepção pública dá lugar ao direito exclusivo do autor de a autorizar L. Assim, à questão que se coloca de saber se a autorização dada pelo autor à estação de radiodifusão abrange toda a subsequente utilização que seja feita da radiodifusão, que pode ser ou não para fins comerciais, responde a Convenção de forma negativa, porquanto Tal como no caso de uma retransmissão por fio de uma radiodifusão, em que se gera um audiência adicional [nº 1, alínea ii], também neste caso, portanto, a obra é colocada à disposição de ouvintes (e talvez de espectadores) que não os contemplados pelo autor quando deu essa autorização. Embora, por definição, o número de pessoas que recebe uma radiodifusão não possa ser determinado com segurança, o autor considera a sua autorização de radiodifusão no sentido de abranger apenas a directa que recebe o sinal, num círculo familiar. Quando esta recepção se destina a constituir um entretenimento para um círculo mais amplo, muitas vezes com fins lucrativos, permite-se que uma secção mais ampla do público desfrute da obre, deixando de se tratar de uma mera questão de radiodifusão. O autor tem o poder de controlar esta nova representação pública da sua obra.

    M.

    Entende-se, pois, que a Convenção de Berna «enunciou o princípio da necessidade de uma autorização do autor para todas as utilizações secundárias da obra radiodifundida que dão lugar a actos autónomos de exploração económica da obra, em razão do fim lucrativo prosseguido pelo sujeito jurídico responsável.

  7. Assim se conclui que, no caso em apreço, não só existe uma comunicação diferente daquela que foi considerada pelo autor aquando da autorização concedida, como igualmente tal comunicação tem um objectivo de lucro para o estabelecimento comercial em causa, na medida em que visava potenciar aos clientes que se encontravam no interior do estabelecimento um entretenimento enquanto efectuavam consumo de bebidas e/ou alimentos no decorrer da comunicação da obra.

  8. Por fim, torna-se importante esclarecer que a comunicação feita pela arguida no seu estabelecimento, a um público que se encontrava no interior do mesmo, portanto aos clientes do estabelecimento, consubstancia uma utilização da obra totalmente distinta da transmissão efectuada pela TV cabo, Já que a autorização obtida por esta entidade se limita à transmissão para um círculo restrito e familiar e não para uma comunicação ao público com a extensão que é permitida por um estabelecimento desta natureza ...

  9. Ressalvando-se, ainda, o aproveitamento económico que a arguida faz da obra, pois oferece-a a um público alargado no interior do estabelecimento, como entretenimento para os clientes que aí se encontram, o que potencia uma venda de bens superior à que obteria se não se encontrasse a transmitir a obra em causa … Q. Pelo que é a própria operadora de TV cabo, no caso a F… que nas condições específicas de prestação do serviço de televisão e multimédia (as quais são, naturalmente, do conhecimento de quem contrata o serviço) que afasta a responsabilidade de obter qualquer autorização para comunicação ao público de obras, ao enunciar na sua cláusula 11.1 Nos termos legais, depende de autorização do autor a comunicação da obra em qualquer lugar público, por qualquer meio que sirva para difundir sinais, sons ou imagens ...

  10. Com efeito, determina na cláusula 11.2 que É da exclusiva responsabilidade do CLIENTE que utiliza o serviço no âmbito da sua actividade comercial, solicitar e pagar, junto da B… e das demais entidades de gestão colectiva que estão registadas junto da Inspecção-Geral das Actividades Culturais, as licenças relativas aos direitos de execução de obras musicais e/ou audiovisuais, transmitidas em locais públicos, de acordo com as tabelas e as avenças/tarifas fixadas pelas mencionadas entidades. É da exclusiva responsabilidade do CLIENTE fazer prova junto das autoridades competentes da regularização dos pagamentos associados à execução pública de obras audiovisuais e/ou musicais.

  11. É evidente, por isso, também pela análise do contrato celebrado entre a F… e a arguida, que aquela sabe que o serviço prestado não possibilita, por si só, a utilização das obras num estabelecimento comercial, razão que justifica que a F… informe o seu cliente (no caso a arguida) de que, para além do serviço contratado à operadora de cabo, necessita obter autorização dos autores, portanto da B…, para poder comunicar, através da box, as obras no seu estabelecimento comercial T. Porquanto sabem as operadoras que o contrato que celebraram com os autores, que as autoriza a proceder à transmissão de obras, não permite a comunicação em locais públicos dessas obras.» A arguida apresentou resposta a tal motivação, pugnando pela improcedência do recurso.

    O Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pela improcedência do recurso.

    O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, reiterando a posição assumida pela Ministério Público junto do tribunal de primeira instância.

    Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

    II – A questão que importa decidir é, de acordo com a motivação do recurso, a de saber se os autos revelam indícios suficientes da prática, pela arguida, do crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 195º e 197º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, que lhe é imputado no requerimento de abertura de instrução contra ela apresentado pela assistente e recorrente.

    III – É o seguinte o teor da fundamentação do douto despacho recorrido: «(…) A Instrução visa, segundo o que nos diz o art. 286º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP) “a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. Configura-se, assim...

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