Acórdão nº 95/10.9GACPV.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Janeiro de 2013
Magistrado Responsável | MARIA DO CARMO SILVA DIAS |
Data da Resolução | 30 de Janeiro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
(proc. n º 95/10.9GACPV.P1)*Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO 1. Na secção única do Tribunal Judicial de Castelo de Paiva, nos autos de processo comum (Tribunal Singular) nº 95/10.9GACPV, após a realização em 21.9.2012 da audiência de julgamento (onde, além do mais, a assistente, cônjuge do arguido à data dos factos alegados na acusação, ocorridos durante o casamento, foi advertida nos termos do art. 134º, nº 2, do CPP, tendo respondido não pretender prestar declarações, razão pela qual não foi ouvida, após o que o MºPº interpôs recurso em acta do despacho que dispensou a assistente de prestar declarações) foi proferida sentença, em 26.9.2012 (fls. 376 a 382 do 1º volume), constando do dispositivo o seguinte: Pelo exposto, na improcedência da acusação pública e da pretensão civil, decide-se absolver o arguido B… da imputada prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artº 152º, nº 1 al. a) e nº 2 do Cód. Penal, na redacção resultante da lei nº 59/2007, de 04.09.
Notifique.
Sem custas (…)*2. Não se conformando com essa sentença proferida em 26.9.2012, depositada no mesmo dia (fls. 384), nem com o despacho proferido em 21.9.2012 em audiência, que aceitou a recusa da assistente em prestar declarações (fls. 373 do 1º volume), o Ministério Público deles veio recorrer em simultâneo em 8.10.2012, apresentando motivação conjunta (fls. 385 a 391 do 1º volume) e formulando as seguintes conclusões: 1º Dispõe o art. 134º do Código de Processo Penal (C.P.P.) que podem recusar-se a depor como testemunhas, entre outros, quem tiver sido cônjuge do arguido relativamente a factos que tenham ocorrido durante o casamento. Esta disposição legal, para além de conter a expressão “depor como testemunhas”, encontra-se inserida sistematicamente no capítulo I do título II do livro III do C.P.P., com a epígrafe “Da Prova Testemunhal”. Trata-se de disposição legal que não é aplicável aos assistentes.
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Ora, a assistente C…, quando, já na audiência de julgamento, é inquirida já o é na qualidade de assistente, tanto mais que o art. 133º, nº1, al. b) do C.P.P. proíbe que assistentes possam depor como testemunhas.
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O art. 134º do C.P.P. visa proteger as relações familiares, uma vez que estando a testemunha obrigada ao dever de falar com verdade, o seu depoimento pode prejudicar um familiar próximo ou a pessoa com quem se vive ou viveu em condições análogas às dos cônjuges. Pretende-se, pois, impedir que alguém que esteja alheio à marcha do processo tenha que vir depor a tribunal, correndo o risco de contribuir para uma condenação de um familiar.
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Já não se pode pretender que um sujeito processual, como o assistente, que pode, inclusivamente, requerer a produção de diligências, oferecer prova ou recorrer das decisões que sejam proferidas (cfr. art. 69º, nº2 do C.P.P.), possa, posteriormente, decidir que afinal de contas não pretende com o seu depoimento prejudicar o arguido.
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Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque (cfr. Comentário do Código de Processo Penal, UCP, 1º edição, pág. 409), defende que o disposto no art. 134º do C.P.P. não é aplicável ao depoimento do assistente, dando o exemplo do ascendente que se constituiu assistente e que vem recusar-se a depor contra a filho, considerando que tal recusa é inadmissível, por se verificar um autêntico venire contra factum proprium processual.
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O assistente tem o poder de por a máquina judicial em marcha e entendemos que se impõe responsabilizá-lo processualmente pela posição que assumiu em momento anterior, de livre vontade. O assistente não é um simples ofendido. É um ofendido que escolheu tomar parte activa do processo.
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Este entendimento é também partilhado por Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques (cfr. Código de Processo Penal Anotado, 3º edição, 2008, Rei dos Livros volume I, pág. 957), dedicando apenas duas linhas à questão mas fazendo-o de forma assertiva quando dizem que as pessoas previstas no art. 134º do C.P.P. não ficam sujeitas a audição sob qualquer outra qualidade, a não ser como assistentes ou partes civis.
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Deste modo, entendemos que andou mal o Tribunal quando considerou ser aplicável às declarações do assistente o regime previsto no art. 134º do C.P.P. para as testemunhas. Violou, pois, as normas do art. 134º do C.P.P. e 145º, nº3 do mesmo diploma.
Termina pedindo que sejam revogados o despacho e a sentença impugnados, e consequentemente, seja determinado o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto no art. 426º, nº1 do CPP, a fim de ser produzida toda a prova indicada na acusação, incluindo a tomada de declarações à assistente, proferindo-se, a final, sentença que condene o arguido pela prática dos factos que lhe são imputados.
*3. Na 1ª instância, não foi apresentada resposta aos recursos.
*4. Nesta Relação, o Sr. PGA emitiu parecer (fls. 395 e 396 do 2º volume), concluindo pelo provimento dos recursos.
*5. Colhidos os vistos legais realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
*6. Conforme consta da acta de audiência de 21.9.2012 (fls. 371 a 375 do 1º volume), quando em julgamento foi ouvida a assistente C…, sendo questionada nos termos do art. 348º, nº 3, do CPP, “disse que o arguido foi seu marido na altura da prática dos factos, nada a impedindo de dizer a verdade.
” Tendo então sido advertida nos termos do art. 134º do CPP, pela mesma foi dito “que não pretendia prestar declarações.” Consignou-se de seguida na mesma acta: «Pedida a palavra pela Digna Magistrada do Ministério Público no seu uso disse: O Ministério Público não se conformando com o despacho que dispensou a assistente de prestar declarações, declara que dele interpõe recurso, a subir a final e nos próprios autos.
Desde já declara que oportunamente juntará a respectiva motivação.
Dada a palavra aos Ilustres Mandatários presentes pelos mesmos foi dito nada terem a requerer.
De seguida, pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte despacho: O tribunal no interrogatório preliminar feito à assistente constatou que a mesma era casada com o arguido à data dos factos.
Nessa sequência transmitiu à assistente o direito p.p. art. 134º do CPP no uso do qual a assistente recusou prestar declarações.
É verdade que esta disposição legal se insere em termos sistemáticos na parte da prova testemunhal e que o próprio art. 134º, nº 1, do CPP diz expressamente: “podem recusar-se a depor como testemunha…”.
Sabe o tribunal que a assistente não é testemunha, tem uma posição processual diferente, a questão é se este normativo se aplica só às testemunhas ou também aos assistentes que se encontram nas situações configuradas nesta disposição legal.
Apesar da inserção sistemática e da parte literal da disposição legal é do nosso entendimento que este direito se aplica aos assistentes.
Este entendimento resulta das seguintes ordens de razões: A prova testemunhal é tratada no art. 128º a 139º e destas disposições legais há normas que se aplicam ao assistente, pese embora a prova das declarações do assistente se inserirem sistematicamente mais à frente (art. 140º e seguintes). Referimo-nos mais concretamente aos arts. 128º, 129º, 130º e 131º e concretamente art. 133º, nº 1, al. b), se refere concretamente à posição de assistente.
Depois entendemos que o propósito do legislador ao consignar este direito de se recusar a depor, pretendeu com ele proteger determinadas relações familiares próximas, de modo a que qualquer pessoa em tribunal não sentisse a obrigação de depor contra alguém, sendo caso disso, que é ou foi casado consigo, ou é seu filho, pai ou irmão.
O legislador pretendeu aqui a protecção da relação familiar e conceder à pessoa o direito de optar entre falar ou não falar.
Não nos parece pois que por alguém se ter constituído assistente prejudique tal intenção legislativa.
Acresce, e de forma determinante o que encontra disposto no art. 145º, nº 3, do CPP, em que diz: “A prestação das declarações pelo assistente e pelas partes civis fica sujeita ao regime de prestação da prova testemunhal, salvo no que lhe for manifestamente inaplicável e no que a lei dispuser diferentemente.” Entendemos que não existe uma inaplicabilidade manifesta pela circunstância de no art. 134º se referir “como testemunhas” e também não existe qualquer norma que disponha em sentido diferente.
Deste modo e porque é este o entendimento do tribunal foi transmitido à assistente de que o direito a recusar a depor.
Consignamos este entendimento em acta para que seja perceptível a posição do tribunal.
Notifique, Foram os presentes devidamente notificados.» (…)*7.
Na sentença sob recurso: Foram considerados provados os seguintes factos: a. O arguido e a ofendida C… casaram-se em 18-09-1993.
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O arguido e a ofendida são pais de: D… (nascido a 10 de Agosto de 1998), E… (nascido a 26 de Agosto de 2003) e F… (nascido a 14 de Dezembro de 1996).
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No dia 10 de Março de 2010 a assistente apresentou uma cefaleia que determinou um dia de doença, sem afectação da capacidade para o trabalho.
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No dia 26.08.2012 ofendida apresenta equimose violácea na região orbitaria à esquerda na face da ofendida o que determinou quatro dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho.
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No dia 9.10.2010 a ofendida apresentava equimose periorbital esquerda mais acentuada na região palpebral inferior e malar superior na face da ofendida, o que determinou cinco dias de doença, com afectação da capacidade para o trabalho.
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O arguido não tem antecedentes criminais.
Quanto aos factos não provados consignou-se: Nenhuns com relevância para a boa decisão da causa designadamente que: 1. Cerca de 2003, o arguido começou a consumir produtos estupefacientes, o que determinou que passasse, com frequência, a agredir e a insultar a ofendida, desferindo-lhe murros, bofetadas e pontapés por todo o corpo.
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Assim, no dia 10 de Março de 2010, pelas 18H40, no interior na residência de ambos, sita na Rua …, em …, neste concelho e comarca de Castelo...
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