Acórdão nº 192/10.0TAESP.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR ESTEVES
Data da Resolução30 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal nº 192/10.0TAESP.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1.Relatório No 1º juízo do Tribunal Judicial de Espinho, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foram submetidos a julgamento os arguidos B…, Lda, C… e D…, devidamente identificados nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu condenar os dois primeiros pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social e absolver a terceira do crime da mesma natureza cuja prática também lhe vinha imputada.

Relativamente ao pedido indemnizatório que o Instituto de Segurança Social havia deduzido contra os arguidos, foi proferido, imediatamente antes da leitura da sentença, despacho que absolveu os demandados da instância.

Inconformado com este despacho, dele interpôs recurso o demandante, pretendendo a sua revogação e a prolação de nova sentença que condene os demandados conforme havia peticionado, para o que apresentou as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho de fls. ... e ss., proferido nos autos de processo comum com intervenção do Tribunal Singular supra identificados, que absolveu da instância os demandados no pedido de indemnização cível formulado pelo ora recorrente, que considerou que se verifica uma excepção dilatória de litispendência, de conhecimento oficioso, porquanto os créditos objecto dos presentes autos foram reclamados no âmbito do processo de insolvência que corre termos, com o n.° 146/09.0TYVNG, no 3.° Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, tendo nesta sequência absolvido da instância cível os demandados.

  1. Ora, com o devido respeito pelo Ilustre Tribunal a quo, que é muito, cremos que a decisão agora em causa assenta a sua génese numa clara confusão entre o que é responsabilidade tributária e o que é a responsabilidade fundada na obrigação de indemnizar os danos causados pela prática do crime.

  2. Isto porque, pese embora o crime de que o arguido vêm acusado tenha na sua génese o incumprimento de uma relação contributiva, consubstanciando-se num crime omissivo puro de não entrega das cotizações deduzidas nos valores das retribuições, não se confunde com essa mesma relação.

  3. Como exemplos destas diversas realidades indica-se, entre outros: - A responsabilidade tributária do aqui recorrente é subsidiária à da sociedade da qual era gerente, já a responsabilidade criminal, e a responsabilidade civil dela decorrente, é originária e cumulativa, estando o arguido acusado como co-autor da prática do crime; - As contribuições (tributos) em dívida correspondem a soma das parcelas da responsabilidade da entidade empregadora e da responsabilidade do trabalhador (contribuições e cotizações), já os valores em dívida que consubstanciam o crime são unicamente os referentes aos trabalhadores (cotizações).

  4. Assim sendo, a sua responsabilidade criminal, e a responsabilidade civil extra-contratual dela decorrente, não se pode confundir com a sua responsabilidade tributária.

  5. Neste sentido, veja-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto n.° JTRP00042469, de 20-04-2009, proferido no âmbito do Proc. n.° 0817625, e em que foi relator a Exma. Sr.a Dr.a Juiz Desembargadora Maria Leonor Esteves, quando afirma que “resulta evidente que o tribunal recorrido labora num equívoco, confundindo a responsabilidade fundada no incumprimento da obrigação legal, que impendia sobre a entidade empregadora (no caso, a sociedade arguida e o seu representante legal, o arguido), de descontar nas remunerações dos trabalhadores da sociedade arguida as respectivas contribuições obrigatórias para a segurança social e de as entregar à respectiva entidade, e a responsabilidade fundada na obrigação de indemnizar os danos causados pela prática do crime de abuso de confiança em relação à segurança social. Trata-se de realidades diferentes, na medida em que os factos geradores da obrigação de indemnizar e da obrigação contributiva não são necessária e integralmente coincidentes, obedecendo a fins e regimes próprios”.

  6. Ademais positiva de forma clara o art. 3.°, alínea c), do RGIT, que quanto à responsabilidade civil, são aplicáveis subsidiariamente, as disposições do Código Civil e legislação complementar.

  7. E por força do princípio inscrito no art. 483.°, n.° 1, do CG, “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

  8. Nos presentes autos, o ora recorrido é demandado a título principal, tendo por base a autoria de um crime de que emerge uma conexa responsabilidade civil delitual - art. 6.°, do RGIT - sendo o pedido baseado na obrigação de indemnizar pelos danos causados pela prática de facto ilícito e culposo - artigo 483.°, do CC.

  9. Cita-se a este propósito o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Processo n.° 322/05.4TAEVR.E1.S1, de 15-09-2010, em que foi Relator o Exmo. Sr. Dr. Juiz Conselheiro Raul Borges.

  10. Conforme refere o douto Acórdão do Supremo, “nestes casos de responsabilidade civil conexa com a criminal, a mesma tem a sua génese no crime, sendo um crime o seu facto constitutivo, a causa de pedir da pretensão ressarcitória.

    (...) No caso em apreciação não tem lugar a figura de reversão, própria do processo executivo e que tem por objectivo chamar à acção executiva quem à luz do título executivo não é parte (cfr. artigos 55.°, n.° 1, do CPC e 153°, n.° s 1 e 2 do CPPT), situação completamente diversa da presente em que o recorrente é demandado ab initio, numa acção com estrutura declarativa, sendo contra si invocada uma concreta causa de pedir e formulado um pedido concreto, que pode impugnar nos termos gerais consentidos em processo penal.” 12. Isto porque, conforme melhor explica o douto Acórdão citado, “na execução fiscal o devedor substituto não figura no título de cobrança do tributo”, pelo que “ao optar pelo exercício da acção conjunta o demandante pretende obter decisão condenatória que, transitada em julgado, assume o papel de título executivo, com a configuração própria do artigo 467° do Código de Processo Penal”.

  11. Pese embora o ora demandante pudesse interpor execução contra a sociedade arguida, porque possui quanto a ela título executivo, e pudesse ainda nessa sede requerer a reversão contra os respectivos representantes legais, “nada impede que faca uso da faculdade conferida em processo penal do princípio da adesão” - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Processo n.° 322/05.4TAEVR.E1.S1, de 15-09-2010.

  12. Neste mesmo sentido igualmente se pronunciou o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no âmbito do processo n.° 4/02.9IDMGR.C1, de 8-2-2012, em que foi relator o Exmo. Sr. Dr. Juiz Desembargador, Luís Teixeira, e ainda o Acórdão desta Relação proferido no âmbito do Processo n.° 74/07.3TAMIR.C1, de 25-1-2012, em que foi relator o Exmo. Sr. Dr. Juiz Desembargador Luís Ramos.

  13. Neles se refere, em súmula, que “o que está em causa no pedido civil deduzido pelo assistente é, não directamente o incumprimento da obrigação legal de entregar as prestações devidas à segurança social, mas antes a responsabilidade civil emergente da prática do crime de abuso de confiança em relação à segurança social que a acusação imputa em coautoria aos arguidos.

    E esta determina-se e resolve-se segundo as regras do Código Civil, para que remete o art. 129.° do Código Penal e para que também remete o art. 3.° do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.° 15/2001, dispondo que, quanto à responsabilidade civil, aplicam-se subsidiariamente as disposições do Código Civil e legislação complementar” - cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo n.° 4/02.9IDMGR.C1, de 8-2-2012.

  14. Pelo exposto, conclui o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Processo n.° 322/05.4TAEVR.E1.S1, de 15-09-2010 que “sendo diversos os sujeitos numa e noutra demanda - pelo menos, os originários -e a causa de pedir (a pretensão deduzida nas execuções fiscais e a pretensão formulada no presente processo não procedem do mesmo facto jurídico - cfr. artigo 498°, n.° 4, do CPC), bem como o pedido, pois a indemnização aqui impetrada não se destina a liquidar uma obrigação tributária para com a segurança social, nem se poderia colocar a questão de configuração da excepção dilatória da litispendência”.

  15. De forma inquestionavelmente clara já se pronunciou sobre a exacta questão ora em debate o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Porto, proferido no âmbito do processo n.° 378/05.OTALSD.P1, de 22-6-2011, em que foi relator o Exmo. Sr. Dr. Juiz Desembargador, Melo Lima, onde se afirma que “o facto de o Instituto de Segurança Social, I.P., ter apresentado reclamação de créditos no processo de insolvência da sociedade aqui arguida não é impeditivo da procedência do pedido de indemnização civil contra ela deduzido no processo criminal nem é determinativo da condenação condicional dos restantes demandados civis - sócios gerentes”.

  16. Face ao supra referido, duvidas inexistem em como não se verificando no presente caso a excepção de litispendência, e, por terem sido dados como provados os requisitos cumulativos de que depende a sua condenação, deverão os demandados ser condenados no pedido formulado.

  17. Nestes termos, e ao ter absolvido da instância cível os demandados, o douto despacho recorrido violou os arts. 483.°. 496.°. 562.° e 566.°. todos do CG. art. 129.° do CP. os arts. 497.° e 498.°, ambos do CPC e art. 377.°. do CPP.

    Apenas foi apresentada resposta pela demandada/recorrida B…, Lda, que pugnou pela manutenção do despacho recorrido, concluindo como segue: 1 - O pedido indemnizatório fundado na prática de um crime tem de ser deduzido pelo lesado no processo penal respetivo; 2 - O pedido de indemnização civil foi formulado, em...

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