Acórdão nº 345/03.8TBCBC.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução15 de Janeiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Recorrente: AA, S.A.

Recorrido: BB.

  1. – RELATÓRIO “AA, S.A.” intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra a BB, pedindo, na respectiva procedência, a sua condenação no pagamento das seguintes quantias pecuniárias: “a) € 78.396,07, referentes aos créditos financiados e não pagos pela Ré, em conformidade com o alegado na petição inicial; b) €2.221,00, referente a despesas por si suportadas, em conformidade com o alegado na petição inicial; c)juros vincendos, à taxa legal, desde a propositura da acção até efectivo e integral pagamento.” Alega, em síntese, que no exercício da sua actividade, celebrou com a sociedade Construtora CC, Lda., em 28 de Maio de 1999, um contrato de factoring, nos termos do qual adquiriu a tal sociedade créditos sobre terceiros, nomeadamente, os créditos sobre a BB, aqui Ré, no valor global de € 156.910,51, titulados em facturas discriminadas na petição inicial. A ré notificada da celebração desse contrato, aceitou fazer os pagamentos à autora e chegou mesmo a liquidar algumas facturas. Contudo, relativamente às supra aludidas, não o fez, sendo, por isso devedora da quantia de € 156.910,51, referente aos aludidos créditos titulados pelas mesmas facturas, ainda que seja esse o montante total em divida.

    A Autora pede nesta acção tão somente os valores financiados e entregues ao aderente no âmbito do contrato financiado, na quantia de € 78.396,07, acrescida do montante das despesas na celebração e manutenção do contrato, no montante de € 2.221,00 e, ainda, dos juros de mora.

    Citada, a Ré contestou, alegando que o contrato de factoring invocados na petição inicial – e a cessão de créditos que o mesmo encerra – é nulo ou inválido, pois que o cedente não podia ceder à Autora os créditos sobre a Ré, por a tal estar vedado nos termos do contrato de empreitada de obras públicas celebrado e que esteve na base da constituição dos créditos em causa.

    Por outro lado, tal contrato não pode produzir efeitos relativamente a si, pois que, nos termos do sobredito contrato de empreitada, a construtora não poderia ceder ou dar como garantia tal contrato de empreitada ou quaisquer dos direitos ou obrigações nele estipulados, sem prévio acordo escrito da contestante.

    Sucede que não houve acordo escrito prévio ou posterior à celebração do contrato de factoring, pelo que a Construtora do CC nunca poderia ceder à Autora os créditos que detinha sobre si.

    Impugnou, por falsos ou porque desconhecidos, os factos alegados na petição inicial e afirmou que jamais o seu representante legal assinou, reconheceu ou assumiu a existência de qualquer cessão de créditos, sendo que todos os pagamentos relacionados com a empreitada em causa sempre foram feitos através de cheques emitidos à ordem da construtora.

    Alega que já pagou a totalidade do preço da empreitada e que, por isso, nada deve à Construtora do CC, Lda., no âmbito da empreitada em apreço.

    Remata impugnando o valor reclamado relativo a despesas diversas na celebração e manutenção do contrato de factoring, tendo concluído pela improcedência da acção.

    A Autora replicou, sustentando, no essencial, que a Ré, através do Chefe de Repartição, e ao abrigo do despacho de delegação do Presidente da Câmara, aceitou expressamente efectuar os pagamentos devidos pela empreitada através do factoring, tanto que chegou a efectuar o pagamento de algumas facturas à Autora.

    Após despacho que admitiu a réplica apresentada pela autora e julgou inadmissível a tréplica apresentada pela ré, foi proferido despacho saneador tabelar e seleccionou-se a matéria de facto assente e controvertida, da qual reclamaram a autora e a ré, na sessão da audiência de julgamento ç cfr. consta da acta de fls. 256 e 257 - o que foi decidido através de despacho proferido na mesma sessão de julgamento, deferindo as reclamações apresentadas.

    Instruídos os autos e realizada a audiência de discussão e julgamento, respondeu-se à matéria de facto nos termos que constam de fls. 382 a 387, sem reclamações.

    Juntas as alegações sobre o aspecto jurídico da causa, foi a fls. 420 e ss., proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenar a Ré a pagar à Autora: a) a quantia de € 78.396,07; b) juros de mora sobre tal quantia, às taxas legais sucessivamente aplicáveis, desde a citação (17-09-03) e até integral pagamento; c) o montante de despesas de celebração e manutenção do contrato que venha a apurar-se em execução de sentença.

    Inconformada a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, o qual foi decidido nos termos do douto Acórdão de fls. 579 a 598, que julgou parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogou a sentença proferida apenas na parte em que condenou em custas a Ré, confirmando-a quanto ao mais.

    Desta decisão, a Ré interpôs recurso de revista, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por douto Acórdão de fls. 699 a 706, decidido anular o julgamento e ordenar a baixa dos autos à Relação de Guimarães, para ampliação da matéria de facto, nos termos dos arts. 729.º, n.º3 e 730.º do C.P.C..

    Conforme consta do douto Acórdão desta Relação a fls. 714 a 716, decidiu-se, na sequência da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, anular a sentença proferida em 1.ª instância, não abrangendo a repetição do julgamento a parte da decisão não viciada, podendo, no entanto, aquele tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na nova decisão a proferir.

    De novo na 1.ª instância, em obediência ao douto Acórdão supra referido, foi ampliada a base instrutória nos termos que constam a fls. 785. Realizado o julgamento, apenas quanto a esta matéria, foi a mesma decidida nos termos que constam de fls. 1004 a 1009, sem que dela tenha havido reclamação.

    Por fim foi proferida sentença com a seguinte decisão: ''Termos em que se decide julgar parcialmente procedente a acção e, consequentemente: “a) condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 78.396,07; d) condenar a Ré a pagar à Autora a quantia que vier a ser liquidada ulteriormente, referente a despesas suportadas pela Autora com a manutenção do contrato de factoring dos autos; e) juros de mora, à taxa aplicável aos juros de natureza comercial, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.” Inconformada com esta decisão dela recorreu a ré, de apelação, tendo, no respectivo julgamento, a Relação decidido “julgar procedente a apelação, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgando-se improcedente a acção, absolve-se a Ré dos pedidos contra si formulados.” Da decisão absolutória prolatada pela relação, interpõe a demandante o presente recurso de revista, tendo concentrado o quadro conclusivo que a seguir queda extractado. I.B. – QUADRO CONCLUSIVO.

    “1) A cessão de créditos no âmbito de contrato de "factoring" é acto que traduz mera prática comercial corrente.

    2) No contrato de empreitada a cláusula que determina a obrigação de prévia aceitação, sob a forma de acordo escrito, da cessão dos créditos resultantes desse mesmo contrato não é elemento essencial do mesmo, pelo que pode a entidade a quem tiver sido cometida a execução do contrato, sua implementação, controlo e acompanhamento, aceitar validamente tal cessão.

    3) Aceite tal entendimento e transposto o mesmo para a matéria dos autos, deverá ter-se como boa a aceitação ali levada a cabo.

    4) E, consequentemente proceder a douta sentença recorrida com a consequente condenação da Recorrida no pedido formulado.

    Termos em que, Excelentíssimos Senhores Conselheiros, revogando Vossas Excelências o douto acórdão recorrido e, concomitantemente, mantendo a douta sentença proferida na primeira instância com a condenação da R no pedido (…)” Nas parcimoniosas contra-alegações que produziu, a demandada/recorrida pede a consolidação da decisão proferida pelo Tribunal da relação.

    I.C. – QUESTÕES A MERECER APRECIAÇÃO.

    A questão que vem a tela de juízo, prende-se com o consentimento e/ou aceitação (expressa e/ou tácita) de terceiro (demandada) relativamente a pagamentos de créditos referentes a um contrato de empreitada que a cessionária obteve da cedente, “Construtora CC, Lda.”, por força da execução de um contrato de cessão de créditos (factoring), operada entre a instituição financeira cessionária e a cedente, considerando que figurava no contrato de empreitada celebrado entre a recorrente/demandada e a adjudicatária da empreitada que esta não poderia ceder os direitos ou obrigações constantes do contrato sem prévio acordo da adjudicante.

  2. – FUNDAMENTAÇÃO.

    II.A. – DE FACTO.

    “1. - A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à aquisição de créditos por meio da celebração de contratos de factoring.

    1. - No dia 16 de Abril de 1999 a sociedade Construtora do CC, Lda. acordou com a BB a realização de trabalhos na estrada de ligação entre a EN 206 e a nova Ponte sobre o rio Tâmega, nos termos constantes do contrato junto a fls. 137 dos autos e cujo teor se dá aqui por reproduzido.

    2. - Do referido contrato consta, entre o demais, a seguinte cláusula: "A Segunda Outorgante não pode ceder ou dar como garantia o presente contrato ou qualquer dos direitos ou obrigações nele estipulados, sem prévio acordo escrito da Primeira Outorgante". (sublinhado nosso) 4. - Em 16 de 2000 foi enviado da BB para a Construtora do CC, Lda. o ofício constante de fls. 108 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde consta o seguinte: "Em resposta ao ofício n.º 7514/CG, datado de 02-05-00, informa-se a V. Exas. que esta Câmara Municipal aceita fazer os pagamentos da referida empreitada através de factoring.

      Com os melhores cumprimentos.

      Por Delegação do Exmo. Sr. Presidente da Câmara.

      (Despacho n.º 4/99, de 99-01-18) O Chefe de Repartição, (Assinatura) (DD, Dr.)".

    3. - No exercício da sua actividade, em 28 de Maio de 1999, a Autora e a sociedade Construtora do CC, Lda., declararam acordar nos termos expressos no documento junto a fls. 31 dos autos...

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