Acórdão nº 12/05.8IDBJA.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelARMINDO MONTEIRO
Data da Resolução09 de Maio de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo de Beja sob o n.º 12/05.8I DBJA , foi submetido a julgamento, para fins de cúmulo jurídico, AA, antes condenado por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6-9-2011, transitado em julgado em 3-10-2011, no âmbito do presente processo comum colectivo n. 12/05.8IDBJA, por factos praticados entre Janeiro de 2002 e Dezembro de 2007, pela prática, e em concurso efectivo, de um crime de abuso de confiança fiscal agravado, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.º 2 do Código Penal e 105.º, n.º 1 e n.º 5 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de quatro (4) anos e cinco (5) meses de prisão e um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de três (3) meses de prisão e em cúmulo destas, na pena única de quatro (4) anos e seis (6) meses de prisão a qual foi suspensa pelo mesmo período mediante a obrigação do mesmo, no período de três anos, proceder ao pagamento ao fisco da importância de € 3 025 990,91, fazendo prova nos autos desse pagamento e por acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 24-06-2010, no âmbito do P.º . n. 647/08.7 TABJA, transitado em julgado em 13-9-2010, por factos praticados entre Abril de 2006 e Novembro de 2007 pela prática de um crime de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto no artigo 107º, n. 1 e punido pelo artigo 105.º, n.º 1, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, com referência ao artigo 30º, n. 2, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período, subordinada à condição de pagamento das contribuições em dívida e acréscimos legais a ocorrer no mesmo período.

Em cúmulo jurídico destas penas por acórdão proferido neste processo foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 5 (cinco) meses de prisão, revogando-se a suspensão antes imposta .

O arguido , inconformado com o decidido , interpõs recurso directamente para este STJ , apresentando na motivação as seguintes conclusões : 1ª As penas parcelares aplicadas aos crimes foram as seguintes (i) quatro (4) anos e cinco (5) meses de prisão pelo crime de abuso de confiança fiscal agravado e três (3) meses de prisão pelo crime de abuso de confiança fiscal condenando-o em cúmulo destas, na pena única de quatro (4) anos e seis (6) meses de prisão a qual foi suspensa na sua execução pelo mesmo período mediante a obrigação de no período de três anos proceder ao pagamento ao fisco (ii) um (1) ano e seis (6) meses de prisão pelo crime de abuso de confiança contra a segurança social suspensa na sua execução pelo mesmo período subordinada à condição de pagamento das contribuições em dívida e acréscimos legais; 2ª Ao ter formado o cúmulo jurídico, por força do artigo 77º, n.º 2 do Código Penal, o tribunal tinha ante si uma pena variável entre 4 anos e 5 meses e 6 anos e 2 meses, sendo o máximo a soma das penas que entravam no cúmulo, e o mínimo a mais grave das penas em presença.

  1. Foi determinada como pena única, por efeito do cúmulo jurídico, cinco (5) anos e cinco (5) meses de prisão.

  2. A decisão enferma de nulidade (artigo 379 n.º 1 alínea a) do CPP, por violação do dever de fundamentação das razões de direito da decisão, a que se refere o art. 374.º, n.º 2 do CPP.

    5ª Ao ter encontrado a pena concreta, em cúmulo jurídico, e ao tê-la situada em 5 e 5 meses, o tribunal violou o artigo 77º, n. º 1 e 2 do Código Penal 6ª A pena aplicada que deveria sê-lo em medida não superior ao limite mínimo e nunca em medida superior a 5 anos, a qual deveria ter sido suspensa na sua execução.

  3. Nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal, «quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles» é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

  4. A pena única do concurso, formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação), deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo estabelecido pelo artigo 78º do Código Penal, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.

  5. Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está, pois, ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.

  6. Fundamental na formação da pena do concurso é a visão de conjunta dos factos, cuja determinação haverá que ter por objecto a «ilicitude global» - encontrada através da avaliação da conexão e do tipo de conexão, que se verifique entre os factos concorrentes.

  7. Não foi isso que o Tribunal fez nos presentes autos.

  8. Os factos não são objecto de análise conjunta, não há qualquer avaliação da conexão entre eles e do tipo de conexão, limitando-se a decisão recorrida na fundamentação dos factos à referência vaga e tabelar «como se tem demonstrado, e foi sobejamente repetido nas sentenças, os factos são graves».

  9. Não é indiferente, para o efeito de determinação da pena única a aplicar, nomeadamente, o facto de se tratarem de crimes da mesma natureza (crimes de abuso de confiança fiscal seja fiscal ou contra a segurança social).

  10. Ou que, na ponderação do lapso de temporal, (tratam-se de factos que ocorreram entre 2002 e 2007 inclusive), se (i) releve que ficou provado o conhecimento pela autoridade fiscal da prática dos factos sem que a mesma haja agido no sentido de impedir a reiteração dos mesmos (ii) atenda ao circunstancialismo em que os mesmos foram praticados.

  11. Ou que, os ilícitos em apreço se tratem de crimes de verificação muito frequente, conforme resulta das estatísticas da Justiça disponíveis no site da internet do Governo, www.gov.mj.pt.

  12. Ou a ponderação dos factos provados em sede da audiência de cúmulo jurídico sob os n.º 4 e 6 factos, relativamente aos quais nem sequer é feita qualquer menção, muito menos uma apreciação crítica.

  13. Factos estes que tinham sido dados como não provados aquando da realização da audiência de julgamento no processo 12/05.8IDBJA [cfr. factos dados como não provados sob as alíneas i) e j).

  14. E que demonstram, afinal que a sociedade arguida não recebeu os valores de IVA liquidados aos seus clientes, integrando-o no seu património - ao contrário do que havia ficado provado sob o n.º 27 em sede de condenação em primeira instância e na alínea c) dos factos transcritos em sede de cúmulo jurídico.

  15. Pois que, penhorados créditos em 2006, os quais correspondem às verbas facturadas aos clientes, a sociedade arguida não pode ter recebido a quantia referente ao IVA.

  16. A decisão recorrida, não levando em linha de conta, clara e concretamente, os factos ilícitos cometidos pelo arguido e a sua personalidade, sem dúvida que não encerra em si todos aqueles elementos exigidos pelo n.º 2, do art. 374 do CPP, atinentes à fundamentação, e que o art. 77, nº 1, do C. Penal impõe que sejam tidos em consideração na medida da pena.

  17. No que se refere à consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) em sede de cúmulo jurídico deve ser ponderado «o modo como a personalidade se projecta nos factos ou é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente, tudo em ordem a demonstrar a adequação. Justeza e sobretudo a proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação conjunta daqueles dois factores» Só no primeiro caso, e já não no segundo será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.

  18. Sempre considerando, conforme ensina o Prof. Figueiredo Dias (in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 290 a 291), «as exigências de prevenção, e especialmente na pena do concurso os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).» 23ª A matéria de facto dada como provada no que se refere à inserção social e familiar do arguido, à sua personalidade, o relatório social do arguido evidencia o seguinte quadro: - O arguido vive em união de facto, tendo, duas filhas de 8 e de 5 anos de idade respectivamente, conjunto familiar onde se destacam vínculos de estabilidade afectiva; - O cônjuge demonstra um apoio consistente, o que suporta o controlo emocional que o caracteriza; - Comparticipa nas despesas de um dos filhos, estudante universitário, fruto da primeira união conjugal que manteve; - Não apresenta dificuldades de integração comunitária no meio sócio-residencial em que se movimenta… - Aparenta ser um indivíduo detentor de competências pessoais ao nível da capacidade de comunicação e de argumentação e laborais face à capacidade empreendedora que o tem caracterizado e aos esforços que tem envidado no sentido de se manter activo; - O arguido salienta ainda reconhecer o dano causado, evidenciando algum raciocínio crítico e aceita a importância da reparação de danos, desde que em condições de cumprimento realistas; 24ª No que se refere às suas condições profissionais, resultou ainda provado em audiência de cúmulo jurídico [sob o n.º 7] que «actualmente o arguido trabalha como Director de Segurança para a sociedade BB II – Unipessoal Lda. auferindo o vencimento ilíquido mensal de 731,83€. (setecentos e trinta e um euros e oitenta e três cêntimos).

  19. Além disso, como relevo para a avaliação da personalidade do arguido, resulta o seguinte da matéria dada como provada nos processos a cujas penas se procede a cúmulo: - O grosso da clientela da sociedade BB era constituída por entidades públicas...

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