Acórdão nº 202/11.4JELSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução09 de Maio de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, n.º 202/11.0JELSB, da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, foi submetida a julgamento: - AA, solteira, nascida no Brasil, em 09-09-1975, residente na Rua ........., B........, Acre, Brasil, actualmente presa preventivamente à ordem dos presentes autos desde 09-06-2011.

Por acórdão do Colectivo competente, datado de 10 de Janeiro de 2012, constante de fls. 169 a 175, depositado no mesmo dia (fls. 177), foi deliberado: Condenar a arguida, como autora material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-B, anexa, na pena de 5 anos e 1 mês de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 anos.

Inconformada, a arguida interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 183), apresentando a motivação de fls. 184 a 192, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição integral, consignando-se existirem dois n.º 9): 1 - Vem a Arguida condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21°, n° l do Decreto-lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B anexa a este diploma, numa pena de 5 (cinco) anos e 1 (um) mês de prisão.

2 - O Douto Acórdão recorrido não considerou as circunstâncias que fundamentam a atenuação especial da medida da pena que foi imposta à ora Arguida.

3 - Face ao circunstancialismo concreto dos autos a pena aplicada deve ser reduzida até coincidir com o limite mínimo previsto em abstracto para o crime cometido, pois não devem estar em causa considerações de culpa, mas apenas de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

4 - A Arguida é primária e mantém um comportamento irrepreensível desde que está detida.

5 - A Arguida contribuiu para a descoberta da verdade dos factos e sempre quis cooperar com a justiça.

6 - A Arguida demonstrou arrependimento em sede de julgamento, encontrando-se verdadeiramente envergonhada pela sua conduta que reconhece ser reprovável e não estar de acordo com a sua personalidade, constituindo um erro que não quer repetir, pois lamenta todas as vidas que o produto que transportava poderia destruir.

7 - A Arguida conheceu pessoas que se aproveitaram do seu estado de necessidade económica e da grave crise que afecta todo o mundo e desde que está detida preventivamente encontra-se preparada para não voltar a cair nas "garras" de tais entidades criminosas.

8 - Em virtude do seu estado de necessidade a Arguida contraiu dividas junto de algumas pessoas da sua pequena terra natal, e quando não pode pagar esse valor por a venda ambulante não ter sido suficiente para tal, foi vitima de violência e ameaça, tendo vindo ao nosso País sob coacção e como forma de se livrar da divida que ameaçava a sua vida e a do seu filho menor.

9 - Aliás, esta foi a única ligação da Arguida ao mundo da droga, pois nunca consumiu nem teve outros contactos com pessoas desse mundo de crime, desconhecendo que a pessoa a quem havia recorrido para obter um empréstimo tivesse ligações a este mundo.

9 - Assim ponderadas adequadamente todas as supracitadas circunstancias, desde o facto de ser primária, de estar arrependida e de ter sempre colaborado com as entidades policias e judiciárias, estão reunidos os pressupostos de prevenção e repressão criminal, sendo possível a aplicação de uma pena de prisão inferior à Arguida, acelerando-se deste modo a sua partida definitiva para o seu País de origem, o que esta verdadeiramente anseia, principalmente por estar afastada do seu filho menor.

No provimento do recurso, pede que o acórdão seja revogado e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta.

O Ministério Público respondeu conforme fls. 195 a 198, concluindo que o acórdão recorrido não merece censura, pois fixou correctamente a matéria fáctica pertinente, que qualificou e sancionou de forma adequada e criteriosa, pelo que deverá ser mantido.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 199, sendo os autos mandados remeter para este STJ.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, a fls. 207/8, no sentido de que o acórdão recorrido deve ser mantido.

Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, a recorrente silenciou.

Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ n.º 450, pág. 72), que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

Face às conclusões apresentadas, o único motivo de discordância da arguida prende-se com a medida da pena aplicada, pretendendo redução da mesma.

Questão única a decidir - Medida da pena – Redução? Fundamentação de facto Factos Provados Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, harmonioso, e devidamente fundamentado.

No dia 9 de Junho de 2011, cerca das 14 horas e 30 minutos, a arguida chegou ao Aeroporto de Lisboa no voo número TP 196, procedente de São Paulo, Brasil e com destino a Lisboa.

A bagagem da arguida foi sujeita a inspecção pelos funcionários da Alfandega que detectaram no interior da sua mala de viagem, dissimulada na estrutura, concretamente em fundo falso, 3 embalagens em forma de placa que continha no seu interior cocaína com o peso bruto de 3.490,400 gramas, tendo a amostra cofre o peso liquido de 6,407 gramas e o remanescente o peso total liquido de 3.317,300 gramas, enquanto a tara pesava 165,600 gramas, as quais foram apreendidas.

Foi ainda apreendido à arguida, para além de diversos papeis, a mala de viagem onde era transportado o produto estupefaciente, um passaporte emitido pelas autoridades brasileiras em nome da arguida, com o número 0000000000, emitido em 6 de Junho de 2011 e valido até 5 de Junho de 2016, um passaporte emitido pelas autoridades brasileiras em nome da arguida e com o carimbo de “Cancelado”, 200 dólares USA, um telemóvel, com o IMEI 000000000, com o cartão SIM inserido com o número 000000000 e mais um cartão SIM com o número 0000000000.

O produto estupefaciente acima referido, encontrado na posse da arguida, havia-lhe sido entregue no Brasil, por indivíduo de identidade desconhecida e era destinado a pessoa não identificada em Lisboa.

A arguida conhecia perfeitamente a natureza e características estupefacientes do produto que lhe foi apreendido.

Produto que aceitara transportar por, para tanto, lhe ter sido prometida uma quantia não inferior a 7.000,00 €.

A arguida agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta estava legalmente vedada.

Não tem antecedentes criminais.

Mostra-se arrependida.

A arguida não possui qualquer ligação a Portugal, apenas se tendo deslocado a Portugal com o intuito de transportar produtos estupefacientes.

A arguida tem um filho adolescente, vive no Brasil numa casa arrendada, e é apoiada pela sua mãe.

Estava desempregada, tendo dívidas, tendo aceite fazer o transporte como forma de receber o dinheiro prometido para pagar as suas dívidas.

Está inserida socialmente, pretendendo regressar ao seu país para viver com o seu filho e tentar arranjar emprego e pagar as suas dívidas.

Fundamentação de Direito Questão única - Medida da pena - Redução? No caso presente está em causa a pretensão de redução da medida da pena aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes por que foi condenada a recorrente.

Vejamos.

O crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, é punível com uma pena de prisão de 4 a 12 anos.

Trata-se de crime que cada vez prolifera mais, quer no âmbito nacional, quer a nível internacional, de efeitos terríveis na sociedade e que permite auferir, para os “donos do negócio” enormes proventos ilícitos, sendo, pois, imperioso e urgente, combatê-lo.

Isto mesmo era expressamente referido no preâmbulo da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, adoptada em Viena, na conferência realizada entre 25 de Novembro e 20 de Dezembro desse ano, que “sucedeu” a outros instrumentos, por onde passam as orientações políticas prosseguidas ao nível da União Europeia, como a Convenção Única sobre Estupefacientes de 1961, concluída em...

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