Acórdão nº 08P816 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Julho de 2008
Data | 15 Julho 2008 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal) |
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RELATÓRIO 1.
No 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, no âmbito do processo comum colectivo n.º 269/05.4PBVIS. foi julgado o arguido AA, identificado nos autos, preso preventivamente desde 02/03/05 e, por acórdão de 30/03/2007, absolvido de um dos crimes de ameaças, previsto e punido pelo art. 153.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal (CP) e do crime de dano, p. e p. pelo art. 212.º do mesmo diploma legal, mas condenado: A) - pela prática de um crime de coacção grave, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 154º nº1 e 155º nº1 a), ambos do CP, após convolação do crime de coacção p. e p. pelo art. 154 º n.º 1 do C P que lhe vinha imputado, na pena de 2 ( dois ) anos e 6 (seis ) meses de prisão; - pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153.º, n.º1 do CP na pena de 8 ( oito ) meses de prisão; - pela prática de um crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158.º, n.º 1 do CP, na pena de 2 ( dois ) anos de prisão; - pela prática de um crime de violação, p. e p. pelo art. 164.º. n.º1 do CP, na pena de 4 ( quatro ) anos e 6 ( seis ) meses de prisão; - pela prática de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art. 190.º, n.º l do CP, na pena de 3 ( três ) meses de prisão, não substituída por multa, por se entender que a execução da prisão se mostrava exigível pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes; - pela prática de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art. 190.º, n.ºs 1 e 3 do C P, na pena de 9 ( nove ) meses de prisão; - pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p, pelos arts. 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, 73.º, n.º 1, al.s a) e b), 131.º e 132°, n.ºs 1 e 2 i) do CP, na pena de 10 ( dez ) anos de prisão; - pela prática de dois crimes de detenção ilegal de arma de fogo, ps. e ps. pelo art. 6.º, nº.1 da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 98/01, de 25/8, na pena de 1 ( um ) anos e 2 ( dois ) meses de prisão por cada um deles; - pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º do CP, na pena de 1 ( um ) anos e 10 ( dez ) meses de prisão; - pela prática de um crime de evasão, p. e p. pelo art. 352.º do CP, na pena de 1 ( um ) ano e 2 ( dois ) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico de tais penas, foi o arguido condenado na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão.
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Foram declarados perdidos a favor do Estado os revólveres, projécteis, cápsulas e munições apreendidos ao arguido e examinados a fls. 192-200.
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1 - Em consequência da procedência parcial do pedido de indemnização civil deduzido nos autos pela demandante BB, foi ainda o arguido condenado a pagar a tal demandante, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, o montante global de € 86.216,96 ( oitenta e seis mil, duzentos e dezasseis euros e noventa e seis cêntimos ) ao qual deveria ser subtraído o montante de € 2.500,00 já pago pelo arguido por conta daquele, acrescido dos juros de mora à taxa de 4%, desde a notificação de tal pedido ao arguido relativamente ao montante de € 16.216,96 e apenas a partir da decisão quanto ao restante.
2 - Em consequência da procedência total do pedido de indemnização civil deduzido nos autos contra o arguido pela demandante CC, foi o mesmo condenado a pagar a tal demandante, a título de danos não patrimoniais, o montante de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), acrescido dos juros de mora à taxa de 4%, desde a data da decisão e até integral pagamento.
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Inconformado com tal decisão, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, recorrendo ainda das seguintes decisões interlocutórias - Do despacho exarado na acta de audiência de julgamento (fls. 1376 a 1380), em que o tribunal de 1.ª instância indeferiu o requerimento do arguido a pedir a renovação da perícia, a cargo de um colégio de peritos e a realizar pelo Instituto de Medicina Legal.
- Da decisão que se pronunciou sobre os efeitos dos anabolizantes na percepção da realidade e determinação da vontade de acordo com essa percepção, sobre essa questão tendo sido emitido parecer técnico pelo Conselho Nacional Antidopagem (fls. 736-788).
No final, o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 28/11/2007, julgou totalmente improcedentes quer os recursos interlocutórios, quer o recurso da decisão final.
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Ainda inconformado, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, extraindo da motivação longuíssimas, assistemáticas e repetitivas conclusões (nada mais, nada menos do que 100), as quais se sintetizam assim: 1) Deficiências das gravações das provas, nos mesmos termos em que a questão foi colocada no recurso para o Tribunal da Relação, invocando que «está em causa a garantia do duplo grau de jurisdição e o cerne dos direitos e garantias de defesa do arguido, como consagrados no artigo 32°, n° 1 e n° 5º da Constituição da República Portuguesa, tal como, visivelmente, no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem».
Argumenta que sempre será inconstitucional admitir-se valor ao julgamento quando não foi, em depoimentos fundamentais, correctamente gravado, impossibilitando o arguido de poder impugnar devidamente a decisão proferida sobre a matéria de facto, por violação do artigo 32°, n°s 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa (Conclusões 1.ª a 12.ª).
2) Inexistência das duas queixas que tenham sido tempestivamente apresentadas por parte de CC pelo alegado crime de ameaças e, noutro momento, pelo alegado crime de violação de domicilio, falta de legitimidade e legalidade no procedimento criminal - questões também já suscitada na Relação (Conclusões 13.ª a 17.ª).
3) Vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP relativamente à condenação pelos crimes de sequestro, coacção grave, violação e homicídio qualificado na forma tentada contra a sua ex-namorada BB (Conclusões 18.ª a 22.ª).
4) Violação do art. 127.º e inconstitucionalidade da interpretação e aplicação do desse princípio, «no sentido de que o julgador pode, sem qualquer fundamento concreto e objectivo invocar para o efeito, contrariar ou desatender na sua decisão factos objectivos cientificamente atestados». (23.ª a 36.ª, 37.ª a 42.ª (relativamente ao crime de violação) e também 59.ª, tudo isto de mistura com alegação de vícios do art. 410.º, n.º 2: erro notório e insuficiência da matéria provada para a decisão).
5) Inconstitucionalidade da interpretação do artigo 349° do Código Civil e do artigo 125° do Código de Processo Penal no sentido de se socorrer o Tribunal, na falta de qualquer elemento probatório objectivo e concreto nesse sentido, de apenas uma presunção para condenar o arguido por determinado facto, por violação do artigo 32°, n°s 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (Conclusão 43.ª).
6) Violação do princípio in dubio pro reo e princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa, a propósito dos crimes de ameaça, de violação de domicílio e de violação, de mistura com vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP: alíneas b) e c) - Conclusões 44.ª a 47.ª).
7) Intenção de matar , contestação da "frieza de ânimo" e novos vícios do art. 410.º, n.º 2), violação do art. 127.º, do art. 32.º da Constituição (Conclusões 48.ª a 62.ª), 87.ª a 89.ª)..
8) Atenuante de bom comportamento e a convicção do tribunal (Conclusões 63.ª a 67.ª).
9) Limitação de testemunhas de defesa em atropelo à lei e às garantias constitucionais do arguido (art. 283.º, n.º 3, alínea d) do CPP e 32., n.º 1 e 2 da Constituição) - Conclusões 68.ª a 75.ª).
10) Impugnação do dolo eventual no crime de homicídio (violação da presunção de inocência e do in dubio pro reo (Conclusões 76.ª a 82.ª)..
11) Qualificação dos factos pelo crime de homicídio negligente (negligência consciente) ou por ofensas à integridade física do art. 144.º do CP, ou ofensas à integridade física graves, a título de negligência consciente, nos termos do artigo 148°, n°s 1 e 3, do mesmo diploma legal (Conclusões 83.ª a 86ª)..
12) Hipótese do crime de homicídio privilegiado, do art. 133.º do CP, considerando todo o circunstancialismo anterior e actual aos acontecimentos de 2 de Março de 2005 (Conclusões 90.ª e 91.ª)..
13) Medida da pena: confissão de alguns factos, o que não podia deixar de ser inferido pelo exame crítico das provas; antecedentes criminais; circunstâncias de relacionamento concreto entre o arguido e a vítima, criticando-se o fundamento de prevenção geral invocado e invocando-se a propósito a violação do art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; tempo passado pelo arguido na prisão e comportamento irrepreensível do arguido (restantes conclusões).
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Respondeu o Ministério Público junto do tribunal "a quo", escudando-se no facto de o recorrente suscitar as mesmas questões que levantou no recurso interposto para o Tribunal da Relação, as quais tiveram adequada resposta na decisão deste Tribunal, não sendo, além disso as questões agora suscitadas directamente resultantes do acórdão da Relação.
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Neste Supremo Tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso relativamente a todos os crimes com excepção do crime de homicídio - isto com base no disposto no art. 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP e, na sua opinião, mesmo que fosse aplicável o mesmo dispositivo na anterior redacção, só ao crime de violação, do art. 164.º do CP, seria alargado o recurso.
Também quanto aos recursos interlocutórios manifestou o seu parecer de que não deviam ser conhecidos.
Relativamente ao mérito, sustentou que o recurso sobre o crime de homicídio está largamente e ilegalmente baseado na matéria de facto; que a matéria de facto provada preenche o tipo legal de crime de homicídio qualificado tentado e que a pena por tal crime nunca poderá ser inferior a 10 anos de prisão, não merecendo provimento o recurso interposto, que deveria ser rejeitado quanto às demais questões.
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Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do CPP, o arguido veio novamente responder...
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