Acórdão nº 439/12 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução26 de Setembro de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 439/2012

Processo n.º 279/12

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

O Centro Distrital de Viana do Castelo do Instituto da Segurança Social, IP, por despacho de 12 de agosto de 2011, decidiu cancelar o apoio judiciário anteriormente concedido a A., tendo a notificação de tal decisão, segundo informação prestada por aquela entidade, sido remetida à Requerente na mesma data de 12 de agosto de 2011, por via postal simples.

Através de requerimento datado de 13 de dezembro de 2012, a Requerente impugnou judicialmente aquela decisão junto do Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira que, por decisão de 17 de janeiro de 2012, negou provimento ao recurso, com fundamento na extemporaneidade da impugnação.

A Requerente pediu a reforma desta decisão, a qual foi indeferida.

A Requerente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:

“A., recorrente nos autos de recurso de impugnação - apoio judiciário, em epígrafe, em que é recorrido Instituto da Segurança Social, IP, notificada do despacho de fls...., que indeferiu o seu requerimento de reforma da sentença, no qual suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 70º, nº 1, al. a), do CPA quando interpretada no sentido de que, “porque existe distribuição domiciliária na localidade de residência do notificando, o envio de carta simples para notificação da recorrente da decisão que lhe cancelou o apoio judiciário é suficiente e obedece aos trâmites e requisitos legais, não exigindo a lei que o correspondente expediente postal seja enviado sob registo, bastando a via postal simples”, tendo, assim, sido violados os direitos de informação e de acesso ao direito e ao tribunal para defesa dos direitos da recorrente consignados na norma do artigo 20º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, assim como violadas foram também as normas dos seus artigos 202º, nº 2, e 204º, suscitação que foi feita de modo processualmente adequado perante este tribunal, que proferiu a decisão recorrida, em termos de estar obrigado a dela conhecer, não admitindo a mesma recurso ordinário, por a lei o não prever, mostrando-se inconformada, vem, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 280º da já referida Constituição da República Portuguesa e da al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de novembro, da mesma interpor recurso para o Venerando Tribunal Constitucional.”

A Recorrente apresentou as respetivas alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida no proc. nº 30/08.4TBVNC-A, a qual foi objeto de requerimento de reforma, que foi indeferido, no qual foi suscitada a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 70º, nº 1, al. a), do CPA (Código de Procedimento Administrativo) cometida, obviamente, na sentença, tendo-o sido ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, quando interpretada, como se fez na mesma, no sentido de que, “porque existe distribuição domiciliária na localidade de residência do notificando, o envio de carta simples para notificação da recorrente da decisão que lhe cancelou o apoio judiciário é suficiente e obedece aos trâmites e requisitos legais, não exigindo a lei que o correspondente expediente postal seja enviado sob registo, bastando a via postal simples”;

2. Tendo, por isso, sido violados os direitos de informação e de acesso ao direito e ao tribunal para defesa dos direitos da recorrente consignados na norma do artigo 20º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, assim como violadas foram também as normas dos artigos 202º, nº 2, e 204º da mesma;

3. Suscitação que foi feita perante o tribunal que proferiu a referida sentença, tendo-o sido de modo processualmente adequado, em termos de estar aquele obrigado a dela conhecer, não o tendo feito, porém, não admitindo, por outro lado, a dita sentença recurso ordinário, por a lei o não prever;

4. Com efeito, constitui manifesto lapso, cometido na sentença, o invocar-se a norma do artigo 70º, nº 1, al. a), do CPA para julgar extemporâneo o recurso interposto da decisão que cancelou o apoio judiciário concedido à recorrente;

5. Que o foi pelo mandatário e signatário, por mera cautela, como no mesmo se salientou, após ter sido o mesmo notificado do documento enviado pelo recorrido para o processo principal (proc. nº 30/08.4TBVNC) com a decisão de que havia sido retirado o apoio judiciário à recorrente;

6. Tendo-se, insolitamente, entendido que, porque aquela disposição estabelece que as notificações podem ser feitas por via postal, desde que exista distribuição domiciliária na localidade de residência do notificando, e o recorrido informou para o processo que enviou carta simples à recorrente a, pretensamente, notificá-la da decisão que lhe cancelava o apoio judiciário antes concedido, tal notificação tinha obedecido aos trâmites e requisitos legais, não exigindo a lei que a referida carta tivesse sido enviada sob registo, sendo total o nosso desacordo e inconformidade;

7. Na verdade, aquela disposição só fala em via postal, não se referindo a correspondência registada ou simples, não devendo, porém, interpretar-se, como erradamente se fez, que o deva ser por via postal simples;

8. A lei, ao falar na possibilidade de fazer-se as notificações por via postal, quando há a referida distribuição domiciliária, quer apenas dizer que tal via pode ser utilizada, a par das demais referidas na dita disposição;

9. Sem prejuízo, contudo, de a entidade notificante, in casu o recorrido, dever poder provar que o notificando, a aqui recorrente, recebeu a carta de notificação;

10. Ou, mesmo, de que a enviou, não sendo suficiente que o tenha, angelicamente, vindo dizer no processo, sendo necessário que o comprove ou demonstre, cfr. artigo 341º do Código Civil, como acontece com todos os processos, quer judiciais quer administrativos ou fiscais e tributários;

11. O que viola o princípio da certeza que deve dominar todos os atos processuais;

12. Jamais se viu que em processo algum se possa fazer uma notificação, como a dos autos, por via postal simples, acontecendo, até, que quando a lei o admite, como em certas circunstâncias em processo penal, tal o seja com prova de depósito da carta;

13. Tal é a preocupação que a mesma chegue ao seu destino e ao conhecimento do notificando;

14. Aliás, não foi essa a forma, ou seja, a via postal simples, que o recorrido utilizou para notificar a recorrente da sua intenção de cancelar-lhe o apoio judiciário concedido, com vista a ser ouvida em audiência prévia, mas, sim, a via postal registada com prova de receção, como de fls … bem se alcança;

15. Pelo que não faz qualquer sentido que, para a notificar da decisão que lhe retirou o apoio, o tenha feito por carta simples, quando com a mesma o recorrido pretende extinguir o direito ou interesse legalmente protegido da recorrente, cfr. artigo 66º, al. c), do CPA;

16. Ou seja, o concedido apoio judiciário, sendo a mesma recorrível por via de impugnação judicial no prazo de 15 dias a contar do conhecimento da mesma, cfr. artigo 27º, nº 1, in fine, da Lei nº 34/2004, de 29 de julho;

17. E, a fortiori, devia, também, ter utilizado a via postal registada com, pelo menos, prova de receção;

18. O que, obviamente, significa que se dela não tem conhecimento não pode da mesma interpor recurso de impugnação, pelo que o referido prazo não se inicia;

19. A doutrina assim o diz, comentando o artigo 70º do CPA, cfr. Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, de Mário Esteves de Oliveira e Outros, a fls. 361, referindo que “o envio da notificação pelos correios é feito sob a forma registada, não havendo nenhuma razão para distinguir neste aspeto o processo judicial e o procedimento administrativo, considerando-se, portanto, que vale aqui, até por razões de certeza, a regra do artigo 254º do Código de Processo Civil”.

20. E com tal entendimento coincide toda a jurisprudência conhecida a propósito da questão sub judice, da qual destacamos o acórdão do Tribunal Constitucional publicado no DR-2ª Série, nº 52, a fls. 9984/9, de 16 de março de 2009, onde se diz o seguinte: “do que se expõe decorre que a notificação deve ser sempre um ato comunicativo que garanta, ao respetivo destinatário, a efetiva cognoscibilidade do ato notificando, de modo a não tornar excessivamente oneroso o acesso à justiça”;

21. E, na conclusão do mesmo, que “decorre de tudo quanto atrás se disse que o dever de notificar, que impende sobre a administração nos termos do n.º 3 do artigo 268.º da CRP, tem um conteúdo — determinado em parte, e como já se sabe, pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no n.º 4 do mesmo preceito constitucional — que pode ser compreendido pela reunião dos seguintes requisitos essenciais: a pessoalidade, a efetiva cognoscibilidade do ato notificando e a não excessiva onerosidade do acesso à justiça”;

22. É, também, este o entendimento que se vê retratado e sintetizado no acórdão do STJ proferido, em 20/09/2009, no processo nº 08S3439, também a propósito de notificação levada a cabo pela Segurança Social, dizendo-se no seu sumário, ao referir-se ao artigo 70º do CPA, que “a notificação postal é feita, por regra, através de registo simples, mas nada impede que o seja por carta registada com aviso de receção”;

23. Estando, como se vê, absolutamente excluída a hipótese de tal poder acontecer por via postal simples, o que a intuição jurídica repele, quanto mais ao ler-se os preceitos da Constituição da República Portuguesa que se passa a transcrever;

24. O seu artigo 20º, que garante o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, dispõe no seu nº 1 que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
10 temas prácticos
10 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT