Acórdão nº 0812926 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelLUÍS TEIXEIRA
Data da Resolução25 de Junho de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso nº 2926/08-1.

  1. Secção Criminal.

    Processo nº ../08.2PASTS-A.

    *Acordam em conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:I1.

    Nos autos de processo comum nº ../08.2PASTS do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso em que é arguido, B.........., melhor id. nos autos, por despacho do Ministério Público datado de 18.1.2008 (v. fls. 19), foi determinado a aplicação aos respectivos autos de inquérito o segredo de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 86º, nº 3, do Código de Processo Penal 2.

    Submetida a apreciação judicial, tal determinação de segredo não foi validada conforme teor do despacho datado de 24.1.2008 - v. fls. 20.

    1. Desta decisão recorreu o Ministério Público que formula as seguintes conclusões: 1.º - Tratando-se de um inquérito por eventual crime de maus-tratos, em que o Ministério Público, em obediência a Directiva do Procurador-Geral da República, determinou a aplicação do segredo de justiça, não pode nem deve o Juiz de Instrução Criminal, sem mais, não validar essa determinação.

      1. - Com efeito não pode ignorar as indicações sobre política criminal constantes da Lei n.º 17/2006 de 23 de Maio e as funções que nesse âmbito atribui ao Ministério Público e ao Procurador-Geral da República e os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009 (Lei n.º 51/2007), entre os quais se situa a prioridade e eficácia na investigação dos crimes de maus tratos e da promoção da protecção das vítimas especialmente frágeis.

      2. - Assim, e a Directiva invocada pelo Ministério Público no despacho de aplicação do segredo de justiça, apresenta-se também, face às dificuldades criadas pela Lei n.º 48/2007, como um instrumento de concretização dos objectivos da política criminal, estabelecidos para este biénio e não como um acto voluntarista, infundamentado e desproporcional, que a decisão recorrida pudesse ignorar, apesar do papel que desempenhara no falado despacho não validado.

      3. - A Directiva teve em conta as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007 em fase de investigação, que justificam, pelas implicações na forma como o Ministério Público deverá dirigir o inquérito e exercer a acção penal, a adopção de orientações adequadas a garantir uma actuação uniforme desta magistratura, tendo em conta o seu carácter unitário e hierarquizado, designadamente quanto ao segredo de justiça quando visam, como no caso, crimes cuja investigação eficaz é prioritária, não só pelo perigo de reincidência que significam, como pelas lesões das vítimas vulneráveis, cuja protecção foi tida igualmente como prioritária.

      4. - O Juiz de instrução criminal, ao validar ou não o segredo de justiça cuja aplicação foi determinada pelo Ministério Público, não pode deixar de ter presente que se trata exactamente de "validar" e não de "determinar" (o que já foi feito), o que postula atitudes e competências diferentes.

      5. - Ao Ministério Público compete, apreciando os parâmetros legais e tendo presente que está num domínio e numa fase de investigação cuja condução lhe pertence, determinar se a aplicação do segredo de justiça é necessária à investigação, à protecção da vítima ou do arguido, e não é excessivamente onerosa.

      6. - Ao juiz de instrução não compete, ao validar essa determinação substituir-se ao Ministério Público no juízo que a este cabe, mas com bom senso e parcimónia, verificar se do seu ponto de vista de juiz das liberdades, existem elementos concretos que permitam afirmar o carácter excessivamente gravoso, desproporcionado daquela determinação.

      7. - Ora, a decisão recorrida extravasa esse controlo, substituindo-se à apreciação do Ministério Público, no seu próprio campo, sem tomar em consideração a Directiva invocada por este, e os objectivos da política criminal.

      8. - Na verdade, a responsabilidade indeclinável do juiz de instrução tem a ver com o equilíbrio e a ponderação entre as exigências da investigação (aceitando, à partida, que essas exigências são como o Ministério Público as configura), por um lado, e o direitos de defesa do arguido, por outro lado; e não o juízo e ponderação a respeito dos interesses da investigação, por si só.

      9. - Nessa ponderação entre os interesses da investigação encabeçados pelo Ministério Público e os direitos de defesa do arguido, deve ter em conta se está perante situações reais de perigo de lesão grave destes direitos, como acontece no caso de aplicação de medida de coacção de prisão preventiva, ou se não o sendo, os direitos de defesa do arguido têm um peso menor, por não comprometidos por espera por fases ulteriores do processo, essas sim já dominadas pelo princípio do contraditório.

      10. - A decisão recorrida mostra-se insuficientemente fundamentada, pois que, mesmo na sua óptica, não esclarece quais são os outros meios de reacção e de protecção aos interesses da vítima que não contendem com a possibilidade de defesa por parte do arguido; em que é que a possibilidade de defesa por parte do arguido é significativamente contundida pelo segredo de justiça determinado pelo Ministério Público.

      11. - E, quando sustenta: "não se vislumbrando - até porque não fundamentada de facto - qualquer possível lesão para a investigação decorrente da publicidade dos autos", viola os conhecimentos de experiência comum que indicam que, neste tipo de situações em que frequentemente a vítima reside com o agente e é dele dependente, aquela corre graves riscos quanto este se apercebe que foi apresentada queixa e decorre um inquérito.

      12. - Com esse conhecimento o agente, para além do risco de repetição dos eventos, está em condições de fazer pressão sobre a vítima e muitas vezes sobre as testemunhas, podem facilmente perturbar a eficácia do inquérito, além de perturbar a vítima, normalmente muito frágil neste tipo de crimes.

      13. - Por todas estas razões deveria o M.º Juiz a quo ter validado a determinação do Ministério Público de aplicar ao presente inquérito o segredo de justiça.

      Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e validada aquela determinação.

    2. O despacho recorrido foi fundadamente sustentado - v. fls...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT