Acórdão nº 08B628 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução26 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Na presente acção com processo ordinário, intentada em 03.01.90, por AA e por BB e mulher CC contra DD e marido EE, pediram os autores - a primeira, enquanto arrendatária do 1º andar direito do prédio sito no n.º .... da Avenida ......, em Lisboa, e os segundos, na qualidade de arrendatários do rés-do-chão direito do mesmo prédio, de que os réus são donos - que estes fossem condenados - a reduzir as rendas dos locais arrendados, no período de 24.07.87 a 19.12.89, proporcionalmente à área de ¼, cuja utilização lhes foi, nesse período, interditada, restituindo aos autores as correspondentes importâncias recebidas - 20.860$50 à primeira e 23.849$00 aos segundos; - a reduzir as ditas rendas a zero, desde 19.12.89 e pelo período que durar a privação total dos locais arrendados, verificada naquela data, restituindo aos autores as rendas recebidas - 1.572$50 e 1.799$50, respectivamente - até à data da propositura da acção; - a efectuar as obras de reparação, conservação e consolidação necessárias ao edifício, que é recuperável, declarando-se o direito dos autores à reocupação das casas locadas imediatamente após a conclusão de tais obras, cujo valor se estima em 30.000.000$00; - a indemnizar os autores, por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos seguintes: a) pagamento aos autores da quantia mensal de 500.000$00 - metade para a primeira e metade para os segundos - pela privação do gozo das casas e enquanto esta durar, sendo tal quantia acrescida de juros de mora desde a citação, à taxa legal; b) pagamento aos autores de quantia a liquidar em execução de sentença, pelos danos nos bens móveis destes, resultantes da precipitada retirada dos mesmos das habitações locadas; c) pagamento aos autores de quantia não inferior a 2.000.000$00 a cada um, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação, pelos danos não patrimoniais resultantes da redução e subsequente privação do gozo dos andares locados; d) subsidiariamente, para a hipótese de vir a decidir-se pela não recuperação do edifício ou pela onerosidade da reconstituição in natura, no pagamento aos autores, pela privação definitiva do gozo das casas locadas, de quantia não inferior a 60.000.000$00 (30.000.000$00 para a primeira e 30.000.000$00 para os segundos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação - quantias cumuláveis com as pedidas por danos não patrimoniais.

Alegaram, para tanto, em síntese, estar privados do gozo, uso e fruição dos locais arrendados, por terem sido coagidos pela Polícia Municipal e pelo Batalhão de Sapadores Bombeiros, em 19.12.89, a abandoná-los, por razões de segurança. Apesar de, desde há muito, e à medida que iam notando sinais de degradação do prédio, virem informando os senhorios, alertando-os para a necessidade de obras de conservação e consolidação, o certo é que a ré, dona do prédio, sempre se recusou a efectuar quaisquer obras, apesar de para tal ter sido intimada, por várias vezes, pela Câmara Municipal de Lisboa.

Por determinação desta entidade, e para a realização dessas obras, os autores foram intimados, em 27.07.87, a desocupar parte das respectivas habitações, o que de imediato fizeram. Todavia, os réus recusam-se a fazer as obras, com vista a conseguirem que o prédio se vá degradando cada vez mais até atingir níveis de inutilização total, e chegar à derrocada, sendo que o valor venal do terreno onde o prédio se acha construído ultrapassa 600.000.000$00.

Sofreram os autores, com a interdição parcial, e depois com a privação total das respectivas habitações, danos patrimoniais não inferiores a 250.000$00/mês, além de outros, traduzidos na deterioração e destruição de objectos de valor, precipitadamente retirados das habitações, e danos não patrimoniais, traduzidos no desgosto de verem as suas casas, desalinhadas, semi-desfeitas, desorganizadas, e na impossibilidade de se dedicarem às actividades que nelas vinham desenvolvendo.

Contestaram os réus, alegando, em síntese - e para além da ilegitimidade do réu marido - que as obras no edifício não podiam ser realizadas com o prédio ocupado, tendo os autores, avisados da necessidade de abandonar o local, recusado fazê-lo, o que impediu a ré de desenvolver o processo para reparação geral do prédio.

Mais tarde, um ligeiro abalo telúrico tornou o prédio completamente inabitável, forçando a Polícia e os Bombeiros a desalojar compulsivamente os inquilinos.

Verificou-se, assim, a perda da coisa locada, fundamento de caducidade dos contratos invocados pelos autores.

A terem os autores direito a uma indemnização pela caducidade do contrato, esta não poderia exceder o valor patrimonial dos andares, de 452.880$00 o da primeira autora, e de 518.256$00, o dos segundos.

A ré não tinha a obrigação de fazer as obras no prédio, já que recebia de rendas 73.072$00/mês e as obras de reparação implicavam gastos superiores a 20.000.000$00.

Hoje, o prédio está considerado irrecuperável, havendo mesmo o risco de cair totalmente, ao mexer-se-lhe para o tentar recuperar.

Concluíram pedindo que o réu marido fosse absolvido da instância e a ré absolvida do pedido ou - a assim não ser entendido - condenada numa pequena indemnização pela caducidade do contrato, tendo em consideração o condicionalismo descrito.

Os autores replicaram - defendendo a inverificação das excepções de ilegitimidade do réu e de caducidade dos contratos de arrendamento - e, mais tarde, apresentaram articulado superveniente, no qual sustentaram que, em Julho de 1990, os réus, às escondidas, iniciaram a destruição do prédio para obter a sua derrocada, com o objectivo de venderem o terreno por cerca de dois milhões de contos.

A isto ripostaram os réus com a alegação de ter sido a própria Câmara Municipal que os intimou a proceder à demolição do prédio.

No saneador, foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade do réu marido, e relegado para a sentença final o conhecimento da de caducidade dos contratos.

Seguindo o processo os seus termos - intercalados com períodos de suspensão da instância por falecimento de alguns dos seus "actores" - veio a efectuar-se o julgamento e a ser proferida sentença, na qual o Ex.mo Juiz julgou parcialmente procedente a acção e, consequentemente, condenou a ré DD - a quem, por seu decesso, no estado civil de viúva, sucederam como herdeiros, FF, GG e HH - a pagar: 1 - À autora AA - a quem sucedeu, por óbito desta, como herdeiro, II - as quantias de 625.815$00 (art. 1099º do CC) e 1.641.721$30 (art. 473º do CC); e aos autores BB e CC - a quem, por morte do varão e, por fim desta, no estado civil de viúva daquele, sucederam, como herdeiros de ambos, JJ, LL e MM - as quantias de 715.047$00 (art. 1099º do CC) e 3.258.568$20, acrescendo àquelas importâncias, a converter em euros, o montante de juros vencidos à taxa legal desde a data da citação, bem como o montante que se liquidar em sede de execução de sentença relativamente aos danos patrimoniais que os autores sofreram nos bens que guardavam nos arrendados, quando foram desalojados deles, em 19.12.1989; e condenou ainda os réus (herdeiros) a pagar 2 - à 1ª autora, na pessoa do seu herdeiro, II, a importância de 2.000.000$00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora a contar da data da citação até integral pagamento, bem como aos 2.os autores BB e CC, a quem sucederam os seus herdeiros, acima indicados, a quantia de 4.000.000$00, a título de danos não patrimoniais, a que acrescerão os juros de mora, desde a data da citação à taxa legal, cujos contravalores em escudos serão expressos em euros; e 3 - a pagar aos autores (herdeiros) o montante que se liquidar em sede de execução de sentença, relativamente aos danos patrimoniais que estes sofreram nos bens guardados nos seus locados, aquando da desocupação.

Os réus interpuseram, da sentença, o pertinente recurso de apelação.

Debalde o fizeram, pois a Relação de Lisboa, em acórdão oportunamente proferido, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença apelada.

Continuando inconformados, os réus trazem agora a este Supremo Tribunal recurso de revista.

E, no remate das respectivas alegações, formulam as seguintes conclusões: 1ª - Tendo sido o prédio - incluindo os andares dos autores - considerado irreparável e em ruína, tendo os inquilinos sido despejados em 19.12.89, com a intervenção da Polícia Municipal e dos Bombeiros, caducaram nessa data os contratos de arrendamento respectivos, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art. 1051º do CC; 2ª - Caducados os contratos, há apenas a ponderar a medida da culpa dos réus na ruína do prédio, o montante da renda, a antiguidade do arrendamento, a idade dos inquilinos e o tempo provável da subsistência do arrendamento, para calcular o montante da indemnização por danos patrimoniais a pagar a cada titular do arrendamento e aos seus herdeiros; 3ª - Sem estar provado o montante da renda não é possível calcular o montante dessa indemnização; 4ª - Não sendo possível calcular o montante da indemnização por danos materiais não há uma base segura para calcular o montante dos danos não patrimoniais; de qualquer modo, 5ª - Tendo estado as habilitações de herdeiros dos autores paradas durante vários anos sem ser promovidas, não podem ser pedidos juros de quaisquer montantes devidos pelo tempo dessa demora, que tem de ser sempre diminuído a qualquer indemnização que vier a ser concedida; 6ª - Foi violada a alínea e) do n.º 1 do art. 1051º do CC, devendo os contratos ser considerados caducados desde 19.12.89, e ser a eventual indemnização a pagar pelos recorrentes, quer por danos patrimoniais quer por danos não patrimoniais, apurada em liquidação de execução de sentença, por não existirem elementos para a sua fixação no momento actual.

Em contra-alegações, os recorridos defendem a improcedência do recurso, não deixando de salientar que, salvo no que toca à questão da pretensa violação da alínea e) do n.º 1 do art. 1051º do CC, as demais questões suscitadas pelos...

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