Acórdão nº 323/08 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução18 de Junho de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 323/2008

Processo n.º 675/07

  1. Secção

Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

  1. Nos autos recorridos, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra, nos termos do qual foi confirmada decisão de primeira instância que condenou o ora recorrente A. “pela prática do crime de falsificação de documento na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 256º, n.º 1, al c), 255º, al a) e 22, nº 1, al b), todos do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 30,00, o que perfaz o montante global de € 2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros)” (fls. 1011 e 1012).

    O recorrente A. interpôs recurso para este Tribunal, ao abrigo das alíneas b) e g) do artigo 70º da LTC, para que fosse apreciada a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1º, alínea f); 127º; 358º; 359º; 374º, n.º 2; 410º, n.º 2; 412º, n.º 3, alínea b); 412º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal [CPP] e 23º, n.º 3, do Código Penal (ainda que, por manifesto lapso de escrito, identificado como artigo 22º, n.º 3, a fls. 1105 e 1106) e 256º, n.º 2, por referência ao artigo 255º do Código Penal [CP].

  2. Perante a falta de identificação suficiente dos acórdãos sobre os quais se fundava o recurso ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, em 19 de Julho de 2007, a Relatora proferiu despacho de convite a aperfeiçoamento, de modo a que o recorrente esclarecesse quais as decisões jurisdicionais a que se referia no requerimento de recurso (fls. 1149 a 1150), ao qual aquele respondeu em 05 de Setembro de 2007 (fls. 1152 e 1153).

  3. Em 04 de Outubro de 2007, foi proferida decisão sumária parcial, já transitada em julgado, nos termos da qual foi decidido:

    “i) Não conhecer do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, quanto à alegada inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1º, alínea f), 127º, 358º, 359º, 374º, n.º 2, 410º, n.º 2, 412º, n.º 3, alínea b), e n.º 4, todos do CPP;

    ii) Não conhecer do recurso, interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, quanto à inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 358º e 359º do CPP, por não se verificar identidade entre a dimensão normativa julgada inconstitucional no Acórdão n.º 674/99 e a interpretação normativa efectivamente aplicada pela decisão alvo de recurso nos presentes autos;

    iii) Não conhecer do recurso, interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, quanto à inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 374º do CPP, por não se verificar identidade entre a dimensão normativa julgada inconstitucional nos Acórdãos n.º 680/98 e n.º 636/99 e a interpretação normativa efectivamente aplicada pela decisão alvo de recurso nos presentes autos.”

    Esta decisão sumária foi objecto de reclamação para a conferência, a qual a indeferiu, por acórdão de 5 de Março de 2008, também já transitado em julgado.

  4. Resta, portanto, aferir do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, na parte que diz respeito à alegada inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 2 do artigo 256º, quando conjugada com o n.º 3 do artigo 23º e com a alínea a) do artigo 255º, do Código Penal [na redacção anterior à Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro]:

    “(…) com o entendimento, segundo o qual, o agente pode ser punido pelo crime de falsificação de documento sob a forma tentada, nos termos do artigo 22º nº 3 do CP ainda que o documento em causa não tenha as características exigidas pelo artigo 255º para que se possa caracterizar como documento penalmente relevante e não preencha o elemento normativo do tipo previsto no artigo 256º nº 1 do CP, por ofender irremediavelmente as garantias de defesa do arguido e dos princípios constitucionais da tipicidade e da legalidade das normas penais previsto nos artigos 18º nº 1 e 29º nº 1 e 3 da CRP.” (fls. 1126);

    Quer ainda da norma extraída do n.º 3 do artigo 22º do Código Penal [na redacção anterior à Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro], quando interpretada:

    “(…) no sentido de ser punido como tentativa impossível uma acção em que não se verifica a tipicidade e em relação à qual é a própria ordem jurídica vigente que lhe retira qualquer relevância ou efeito não podendo lesar a confiança da comunidade, nem a ordem nem a paz jurídica. É igualmente inconstitucional o entendimento de que a mera impressão de insegurança é fundamento aceitável de punibilidade, por ofender irremediavelmente o princípio da necessidade da pena, o artigo 18 nº 2 e os princípios constitucionais da tipicidade e da legalidade das normas penais previstas nos artigos 29º nº 1 e 3 da CRP”. (fls. 1127)

    5. Notificado para alegar, o recorrente A. apresentou as seguintes conclusões:

    “1- Por envolver a restrição de direitos fundamentais, o Direito Penal só adquire legitimidade como intervenção excepcional e directa, na protecção de bens elegidos como essenciais pela comunidade, se a sua intervenção se justificar, numa lógica de intervenção excepcional e do primado da liberdade da acção, para prevenir a afectação graves desses bens — princípio da ofensividade previsto no artigo 18° n°2 da Constituição da República Portuguesa.

    2- O artigo 22° do Código Penal define a tentativa e exprime um critério, que à luz do princípio da legalidade, estabelecido no artigo 29° da Constituição da República Portuguesa é condição essencial da punição da mera tentativa, por se tratar de uma extensão de punibilidade, antecipando a tutela penal aos actos de execução. Por essa razão, deve ser aplicado de acordo com mesmo critério material de ilícito do crime consumado, por só dessa forma se respeitar os princípios constitucionais, da legalidade, da necessidade da pena, da ofensividade e da culpa. O fundamento da punibilidade de qualquer tentativa, seja ela possível ou impossível, consiste na criação voluntária pelo agente, de condições insuportáveis de insegurança para a existência do bem jurídico.

    3- A criação de condições insuportáveis de insegurança para a manutenção do bem jurídico tem de se verificar através da prática, pelo agente, de actos executivos, que serão todos aqueles que, dentro do plano do agente, e tendo presente o resultado ou a actividade tipificados na Lei, afectem a esfera de protecção do bem jurídico tipicamente protegido.

    4- O uso do critério material do ilícito é então determinante e essencial, na verificação, para além de um entendimento causal dos factos, e face do plano do agente, o momento em que se inicia a execução típica.

    5- Esse critério também se aplica à tentativa impossível. Esta última, só poderá ser punida, se o agente tiver praticado actos de execução, de acordo com um Direito Penal do Facto e o princípio da legalidade, e...

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