Acórdão nº 291/08 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução29 de Maio de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 291/2008

Processo n.º 1204/07

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

    Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

    1. Relatório

    Pelo juiz do 3° Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Guimarães, foi proferido despacho, a fls. 301 a 303, com o seguinte teor:

    “[…]

    No dia 1 de Janeiro de 2007, entrou em vigor a Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2007. Tal diploma introduziu várias alterações ao Regime Geral das Infracções Tributárias (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho).

    Uma das alterações introduzidas, e que releva para a tramitação processual dos presentes autos, é a implementação de uma nova condição de punibilidade no que concerne ao crime de abuso de confiança fiscal tipificado no artigo 105.º do diploma já citado.

    […]

    Confrontando o regime anterior (RGIT) com aquele que entrou em vigor no transacto dia 1 de Janeiro constata-se que, independentemente do valor em dívida, para que se verifique um crime de abuso de confiança fiscal é sempre necessário existir uma notificação para que o agente, em 30 dias, proceda ao pagamento da prestação tributária em dívida, acrescida de juros e do valor da coima aplicável, advertindo-o de que, só no caso de não efectuar tal pagamento voluntário, é que o facto será punível.

    […]

    Conforme se constata de fls. 286 a 288 já se encontram pagas as prestações tributárias em dívida nos presentes autos acrescidas dos respectivos acréscimos legais.

    Assim, atentas as considerações supra expendidas, determina-se a notificação dos arguidos Confecção A., Lda., B. e C. para, querendo, no prazo de 30 dias, procederem ao pagamento do valor das coimas aplicáveis junto da administração tributária, o qual deverá ser comprovado nos presentes autos, informando-os de que o mencionado pagamento determinará a extinção do presente procedimento criminal.

    […]”

    Notificados deste despacho, os arguidos Confecções A. Lda., B. e C. apresentaram requerimento (a fls. 316 e seguintes) no qual alegam, para o que agora releva:

    “[…]

    as coimas em questão constituem contra-ordenação fiscal, em virtude das supra referidas faltas de entrega de prestações tributárias – art.° 114º do RGIT.

    1. O pagamento de tais coimas é de responsabilidade da arguida sociedade, e não dos seus sócios e gerentes.

    2. Isto porque, “a responsabilidade contra-ordenacional das entidades referidas no n°1 (pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas) exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes” – art.° 7°, n.º 4, conjugado com o n. ° 1 da mesma norma do RGIT.

    3. Pelo que, o procedimento criminal contra os arguidos B. e C. deverá ser extinto, atento o pagamento da quantia supra mencionada, acrescida dos respectivos acréscimos legais e ainda ao facto de qualquer um destes arguidos não ser responsável pelo pagamento das coimas aplicáveis, resultantes da falta de entrega das prestações tributárias.

    4. Se assim não se entender, então o douto despacho de fls. 301, 302 e 303 faz depender a extinção do procedimento criminal do pagamento da coima.

    5. O n.º 4 do art.° 105° do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, interpretado no sentido de fazer depender a extinção do procedimento criminal dos sócios e gerentes do pagamento da coima aplicável pela falta de entrega das prestações tributárias é inconstitucional, uma vez que viola o princípio do acusatório, atento o disposto no art.° 32°, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

    6. Inconstitucionalidade que expressamente aqui se invoca.

    […]

    Termos em que:

    1. atento o pagamento da quantia referente às prestações tributárias, acrescida dos respectivos acréscimos legais e ainda ao disposto no art.° 7º, n.ºs 1 e 4, do RGIT, deverá ser julgado extinto o procedimento criminal no que tange aos arguidos B. e C.;

    […]”

    O Ministério Publico pronunciou-se a fls. 325 e seguintes no sentido de ser indeferido o requerido pelos arguidos.

    O juiz do 3° Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Guimarães, proferiu despacho (a fls. 333 a 338) com o seguinte teor:

    “[…]

    Actualmente, e dada a letra da lei (“os factos só são puníveis...”), o não pagamento da prestação tributária, seja qual for o valor que esteja em dívida, constitui uma (segunda) condição de punibilidade.

    Sempre defendemos desde a entrada em vigor da Lei nº 53-A/2006, de 29/12, que o objectivo visado não foi uma qualquer despenalização do crime de abuso de confiança fiscal, mas antes a introdução de uma nova condição objectiva de punibilidade.

    […]

    Este nosso entendimento obteve recentemente o aplauso do STJ em acórdão proferido no âmbito do Processo 4086/06-3 respeitante a um recurso de uma decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Coimbra – 1° Juízo Criminal, disponível em www.stj.pt, e que passamos a seguir de perto.

    […]

    Do exposto derivam duas ordens de consequências:

    - A primeira consubstancia-se no entendimento de que a nova redacção do artigo 105º do RGIT e, nomeadamente do seu n.º 4, consagra uma condição objectiva de punibilidade.

    - A segunda, que radica na primeira, conduz à conclusão da aplicabilidade de tal condição ao caso vertente por aplicação directa do princípio da lei mais favorável ínsito no artigo 2°, n.° 4, do Código Penal.

    E o acórdão que vimos mencionando termina, ordenando a devolução dos autos ao Tribunal recorrido a fim de que se procedesse à notificação a que alude o referido normativo do RGIT e, decorrido o prazo de trinta dias ali cominado, se verificasse sobre a existência da referida condição objectiva de punibilidade.

    Decorre do exposto que o STJ teve já a oportunidade de se pronunciar sobre a questão suscitada pelos arguidos e, em tal pronunciamento, confirmou ponto por ponto a posição que temos vindo a adoptar neste e noutros processos, ou seja, que não existe qualquer despenalização, mas sim a introdução de uma nova condição ou requisito de punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal.

    Do exposto, decorre que os arguidos também não têm qualquer razão em trazerem à colação o art° 7° do RGIT, nomeadamente o n° 4 deste normativo [nos termos do qual “a responsabilidade contra-ordenacional das entidades referidas no n° 1 (pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas) exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes”] para depois concluírem que o procedimento criminal contra os arguidos B. e C. deve ser julgado extinto.

    É que o não pagamento da prestação tributária, juros respectivos e coima aplicável no prazo de 30 dias a que alude a al. b) do n°4 do art° 105° do RGIT não é um elemento típico...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT