Acórdão nº 288/08 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Maria João Antunes
Data da Resolução28 de Maio de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 288/2008

Processo nº 254/08

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria João Antunes

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 14 de Fevereiro de 2008.

    2. Em 16 de Abril de 2008, foi proferida decisão sumária pela qual se entendeu não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto, na parte que se referia ao artigo 143º, nº 1, do Código da Estrada, com o seguinte fundamento:

      3. O recorrente pretende, ainda, a apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 143º, nº 1, do Código da Estrada, na interpretação, com que foi aplicada na decisão recorrida, segundo a qual a aplicação do instituto da reincidência, no âmbito das contra-ordenações em matéria de trânsito, (i) não exige o carácter doloso das infracções em causa, bastando-se com a respectiva punição em ambos os casos a título de negligência, (ii) bem como não exige a indagação e verificação das circunstâncias concretas das quais resulte que o agente é de censurar por a condenação anterior não lhe ter servido de advertência suficiente – pressupostos estes que são essenciais à verificação da reincidência em matéria criminal, nos termos do artigo 75º, nº 1, do Código Penal, por referência aos artigos 165º, nº 1, alínea d), e 198º, nº 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa.

      Concretamente, o recorrente entende que esta norma, em cada uma das vertentes dessa dimensão interpretativa, está afectada de inconstitucionalidade orgânica, por desconformidade com a correspondente lei de autorização legislativa – a Lei nº 87/97, de 23 de Agosto, segundo a qual o Governo foi autorizado a consagrar o instituto da reincidência aplicável às contra-ordenações em matéria de trânsito, em termos análogos aos previstos no Código Penal.

      Apesar de acusar a norma cuja apreciação requer do vício de inconstitucionalidade orgânica, o que o recorrente põe a este Tribunal, verdadeiramente, é uma questão de ilegalidade, de subordinação do artigo 143º, nº 1, do Código da Estrada à lei de autorização legislativa, sob pena de ilegalidade por violação de lei com valor reforçado (artigos 112º, nºs 2 e 3, e 280º, nº 2, alíneas a) e f), da Constituição da República Portuguesa). Assim sendo, o recurso para este Tribunal devia ter sido interposto ao abrigo da alínea f) do nº 1 do artigo 70º da LTC. Não o tendo sido, não pode conhecer-se, também nesta parte, do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC

      .

    3. O recorrente vem agora reclamar desta parte da decisão, ao abrigo do nº 3 do artigo 78º-A da LTC, nos termos e com os fundamentos seguintes:

      1. (…) Considerou, em suma, a decisão reclamada verificar-se no caso um obstáculo processual ao conhecimento do objecto do recurso: o enquadramento, pelo recorrente, na alínea b) do n° 1 do artigo 70° da LTC, em vez da alínea f) do mesmo preceito.

      Todavia, e salvo o devido respeito, não pode o recorrente conformar-se com o entendimento pressuposto nessa parte da decisão.

      2. No seu requerimento de interposição do recurso, o recorrente, efectivamente, acusou a norma em questão, o artigo 143°, n° 1, do Código da Estrada, na interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida, de desconformidade com a correspondente lei de autorização legislativa, a Lei n° 97/97, de 23 de Agosto, concluindo que tal contrariedade consubstanciava o vício de inconstitucionalidade orgânica. Diversamente, entendeu-se na decisão sumária que a questão, tal como posta a este Tribunal, se revelava antes como uma questão de ilegalidade, por violação de lei com valor reforçado.

      Quer dizer, se bem entendemos, que o Tribunal corrigiu oficiosamente a qualificação jurídica da questão que lhe vinha submetida. Fê-lo, decerto, à luz dos poderes de cognição que decorrem da parte final do artigo 79°-C da LTC – a convocação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi invocada – e que, de resto, constituem manifestação do amplo princípio do conhecimento oficioso do Direito pelos tribunais (jura novit curia). E foi como simples decorrência dessa oficiosa correcção que a decisão reclamada julgou no sentido de que o recurso deveria ter sido interposto ao abrigo da alínea f) do n° 1 do citado artigo 70º da LTC.

      Assim sendo, afigura-se que o poder de correcção, desse modo exercido pelo Tribunal relativamente à prévia questão material da constitucionalidade ou ilegalidade suscitada, deveria, em...

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