Acórdão nº 272/08 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução13 de Maio de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 272/2008

Processo n.º 787/07

  1. Secção

Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

  1. O presente recurso vem interposto pelo Ministério Público, com natureza obrigatória, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da CRP e dos artigos 70º, n.º 1, alínea a) e 72º, n.º 3, ambos da LTC, da sentença proferida pela 3ª Secção do 1º Juízo de Execução do Porto e registada em 11 de Junho de 2007 (fls. 41 a 45) que deu provimento ao pedido de impugnação judicial de decisão final do Instituto de Solidariedade e Segurança Social que indeferiu pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, com nomeação e pagamento de honorários do patrono.

    Nos termos da referida sentença, procedeu-se à desaplicação – sem especificação detalhada – das normas extraídas do Anexo ao regime de acesso ao Direito e aos tribunais (aprovado pela Lei n.º 34/2004, e de ora em diante, abreviada por RADT) e da Portaria n.º 1085/2004, de 31 de Agosto, que determinam que a insuficiência económica é aferida em função do rendimento do agregado familiar do requerente, com fundamento na sua contradição com o direito fundamental de acesso à Justiça, independentemente da eventual insuficiência económica do beneficiário daquele direito. Para fundamentar tal decisão de desaplicação, a decisão recorrida fundamenta-se no Acórdão n.º 654/2006, proferido pela 1ª Secção do Tribunal Constitucional, em 28 de Novembro de 2006. Entre outras considerações, a decisão recorrida entendeu que:

    “Cumpre referir que realizando os cálculos de acordo com o simulador que existe no site da CRSS, dado ter-se em conta o agregado familiar, se obtem a decisão dada pelo CRSS, ou seja, de acordo com a fórmula de cálculo prevista na lei actual do apoio [j]udiciário[], o requerente apenas teria direito ao pagamento faseado tal como foi decidido.

    (…)

    Tal fórmula consta dos artigos 6º, 7º, 8º e 9º da Portaria nº 1085/2004 de 31/8 que concretiza o que se deve entender por rendimento relevante e explicita a fórmula de calcular esse rendimento.

    (…)

    Sobre tal matéria foi já proferido douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 654/2006 (…).

    Refere o citado Acórdão, que vamos seguir de perto, que o n.º 5 do artigo 8º da lei em análise delimita o direito de acesso ao direito e aos tribunais, por critérios de apreciação tabelados e fixados, por recurso a uma fórmula matemática.

    (…)

    Por outras palavras, fazendo-se as contas ao valor 4629,6 no simulador da CRSS o requerente teria direito ao apoio judiciário, mas tendo-se em conta o valor do subsídio da esposa tal conduz a conceder o pagamento faseado.

    (…)

    Portanto, entende o tribunal não aplicar a norma acima mencionada por se entender que se viola o artigo 20º, nº 1 da CRP (…)

    A aplicação do anexo e destes artigos não garante o acesso ao direito e aos tribunais, dado que o valor do rendimento relevante é determinado pelo do agregado familiar independentemente de o requerente fruir ou não desse rendimento do terceiro que integra a economia comum (mas tal poderá não ser assim, poderão existir conflitos). Tal como se refere no citado Acórdão, o dever de alimentos não compreende as despesas relativas à taxa de justiça, e como tal não se pode dar como assente que o requerente dispõe do valor do subsídio da esposa (cfr. Lei nº 6/2001, de 11/5).

    Portanto, o tribunal entende que as normas do Anexo da Lei 34/2004 e da Portaria nº 1085-A/2004 de 31/8, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar independentemente de o requerente fruir esse rendimento, não garantem o acesso aos tribunais e violam o artigo 20º, nº 1 da CRP, sendo inconstitucionais.” (fls. 42 a 44)

  2. Perante esta decisão, o Ministério Público fixou o objecto do recurso, para si obrigatório, nos seguintes termos:

    “(…) vem interpor RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da referida decisão, para apreciação da alegada inconstitucionalidade das normas constantes do Anexo da Lei 34/2004 e da Portaria n.º 1085-A/2004, publicada no D.R. I-B de 31 de Agosto de 2004, na parte em que impõem que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar independentemente de o requerente fruir desse rendimento.”

    3. Notificado para alegar, o Ministério Público apresentou as suas alegações, cujo teor ora se reproduz:

    “1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada

    O presente recurso obrigatório vem interposto pelo Ministério Público da decisão, proferida nos Juízos de Execução do Porto, nos autos de impugnação da decisão da Segurança Social que denegou, em parte, o pretendido beneficio de apoio judiciário, requerido por A., recusando aplicar o “bloco normativo” integrado pelos artigos 6° a 10° da Portaria nº 1085-A/04, conjugados com o Anexo à Lei nº 34/04, interpretado em termos de ser considerado para efeito de cálculo do rendimento relevante do requerente o rendimento do respectivo agregado familiar, sem possibilidade de indagação da eventual contitularidade ou fruição desse rendimento por parte do requerente e de saber se as pessoas que com ele vivem em economia comum têm qualquer tipo de obrigação de suportar as despesas inerentes à demanda em que aquele se encontra envolvido.

    A decisão recorrida funda-se no juízo de inconstitucionalidade já formulado por este Tribunal no acórdão nº 654/06. E a situação dos autos é paradigmática da violação do direito de acesso à justiça por parte do economicamente carenciado, potenciada pelo esquema legal, absolutamente rígido e “matemático”, de aferição de insuficiência económica. Na verdade, o juízo de (parcial) suficiência económica, formulado administrativamente, baseia-se nos rendimentos (subsidio de desemprego) auferidos por terceiros (cônjuge do requerente), sem que se saiba se a “execução” a propor — e para a qual é peticionado o apoio judiciário — tem alguma conexão com direitos, bens ou interesses do casal.

    Consideramos, deste modo, plenamente transponível para o caso dos autos a solução acolhida no citado acórdão nº 654/06, que se mostra, aliás, em consonância com a posição sustentada na alegação ali produzida pelo Ministério Público.

  3. Conclusão

    Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:

    1. Constitui restrição excessiva e desproporcionada ao direito fundamental de acesso à justiça, sem discriminações fundadas na situação económica, a tabelar ponderação do rendimento global auferido por todas as...

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