Acórdão nº 222/08 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelCons. José Borges Soeiro
Data da Resolução17 de Abril de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 222/2008

Processo n.º 760/07

  1. Secção

    Relator: Conselheiro José Borges Soeiro

    Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

    I – Relatório

    1. A Caixa Geral de Aposentações recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos que contra si havia sido intentada por A., com sinais nos autos.

    Alegou, tendo concluído:

    “1.ª – A Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, revogou o Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2004 – cfr. artigo 1.º, n.º 3, e artigo 2.º, da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro.

  2. – À excepção da Lei criminal, o princípio da não retroactividade das leis não tem assento constitucional – artigos 3.° e 29.° da CRP – pelo que, apesar de publicada em 15 de Janeiro, nada impede que a sua eficácia retroaja a 1 de Janeiro de 2004.

  3. – As disposições do Código Civil não têm mais força vinculativa que as de outras Leis ordinárias, pelo que aquelas não prevalecem sobre o resultado da interpretação destas.

  4. – Assim, para que um pedido de aposentação ao abrigo do Decreto-lei n.º 116/85, de 19 de Abril, fosse considerado por esta Caixa, necessário era que o processo tivesse sido enviado até ao dia 2004.01.01.

  5. – O pedido de aposentação do representado do A., formulado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, foi remetido à CGA em 12 de Janeiro de 2004 – Ponto 4 da matéria de facto dada como assente.

  6. – Donde, nunca poderia o pedido de aposentação, por aquele formulado, ser deferido ao abrigo do Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de Abril, uma vez que à data em que ia ser apreciado tal regime já se encontrava legalmente revogado.

  7. – Consequentemente, o despacho da Direcção da CGA de 7 de Maio de 2004 – que reconheceu ao recorrido o direito à aposentação, ao abrigo do Decreto-lei n.º 116/85, de 19/04, encontrava-se ferido de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto, pelo que se impunha a sua revogação ao abrigo do artigo 141.º do CPA, como veio a suceder.

  8. – Em suma, violou a douta sentença recorrida o disposto nos n.°s 6 e 8 do artigo 1.º e artigo 2.° da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, e o artigo 141.º do CPA.”

    O Tribunal Central Administrativo Norte negou provimento ao recurso, tendo concluído pela inconstitucionalidade material das normas vertidas no n.º 6 do artigo 1.º, e no artigo 2.º, da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, quando entendidas no sentido de que não é aplicável o regime do Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, aos processos que se iniciaram antes de 31 de Dezembro de 2003, pelo simples facto de não terem dado entrada na Caixa Geral de Aposentações até à data da entrada em vigor daquela Lei, por violação conjugada do dispostos nos artigos 2.º, e 266.º, da Constituição da República Portuguesa (princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica inerentes ao princípio do Estado de Direito).

    Veio, então, a Caixa Geral de Aposentações interpor recurso do aludido aresto para este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), pretendendo a fiscalização da constitucionalidade das normas constantes dos n.ºs 6 e 8 do artigo 1.º, e artigo 2.º, da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, na interpretação que foi feita pelo Tribunal Central Administrativo Norte, o qual recusou a sua aplicação com fundamento em inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos artigos 2.º e 266.º da Constituição.

    Junto deste Tribunal concluiu as suas alegações pela seguinte forma:

    “1.ª O Decreto-Lei n.° 116/85, de 19/04, previa um regime especial e excepcional de aposentação antecipada face ao regime-regra previsto no artigo 37.° do Estatuto da Aposentação e constituía, antes de tudo o mais, uma medida conjuntural ‘de descongestionamento da Administração Pública’ dependente de não haver ‘prejuízo para o serviço’, e não o reconhecimento incondicional de um direito dos funcionários à aposentação antecipada, sendo expectável a sua alteração quando se modificassem as circunstâncias da adopção da medida legislativa.

  9. A tramitação administrativa triangular – bem conhecida do legislador –, prevista no artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de Abril, esteve na base da eleição do critério da data do envio do processo para a CGA a que se refere o artigo 1.º, n.º 6, da Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro, não tendo sido propositadamente dada qualquer relevância à data em que o subscritor efectuou o pedido junto do serviço.

  10. Tal critério é claro e objectivo, não violando qualquer princípio ou norma constitucional.

  11. Acresce que a revogação do Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de Abril, não atingiu o conteúdo essencial do direito à aposentação dos subscritores da CGA, seja nos termos gerais, (artigo 37.°, n.° 1 e 2 do Estatuto da Aposentação – EA), seja na nova modalidade de aposentação antecipada (prevista no art.° 37.°-A do EA) e, como tal, não implica ‘uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente’.

  12. A publicação tardia do Acórdão n.° 360/2003 do Tribunal Constitucional que considerou a revogação do Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de Abril, pelo artigo 9.° da Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, inconstitucional por razões de mera forma, bem como o excessivo formalismo exigido, via interpretativa para a aprovação dos diplomas legais, implicou o atraso no procedimento legislativo tendente à publicação da Lei n.° 1/2004 – que culminou na sua retroactividade ‘quinzenal’ –, mas igualmente permitiu o perfeito (re)conhecimento daquele diploma antes da sua publicação final (pois as normas constantes desta Lei são exactamente as mesmas que foram declaradas inconstitucionais no âmbito da Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro) quer pelos Sindicatos, que as contestaram viva e publicamente, quer pelos subscritores da CGA, para além do eco que as reformas introduzidas no regime jurídico de aposentação tiveram nos media, bem como as vicissitudes a ela ligadas.

  13. A revogação do Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de Abril, era uma alteração com a qual os cidadãos e a comunidade já há muito podiam contar, expectantes que estavam, razoável e fundadamente, na alteração do ordenamento jurídico que regia a constituição daquelas relações jurídicas de aposentação, já que, como se demonstrou, era público e notório que estava em marcha o processo legislativo tendente à aprovação de tal medida, nos mesmos moldes que já haviam sido adoptados um ano antes pela Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, o mais rapidamente possível, para entrar em vigor em 1 de Janeiro de 2004, como, aliás é norma neste tipo de diplomas.

  14. O atraso na publicação, que criou a situação de retroactividade ou de retrospectividade em meros 15 dias, e cuja aprovação, sublinha-se, foi amplamente noticiada na comunicação social e vivamente contestada pelos Sindicatos, não invalida de modo algum os seus efeitos, já que a sua vigência não depende do seu conhecimento efectivo, embora a sua eficácia dependa da sua publicação.

  15. Em conclusão, os artigos 1.°, n.° 6, e 2.°, da Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro, por conterem normas de efeitos retroactivos, não são inconstitucionais, já que não atingem, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente as legítimas expectativas daqueles que podiam requerer a pensão de aposentação, de características excepcionais, prevista no regime instituído pelo Decreto-Lei n.° 116/85, de 14 de Abril.”

    Não foram produzidas contra-alegações.

    1. Na decisão recorrida importou a seguinte factualidade:

      “1. O autor é funcionário do quadro de pessoal do Município da Figueira da Foz, com a categoria de sub-chefe de bombeiros municipal, e está inscrito na Caixa Geral de Aposentações (cfr. fls. 23 do PA).

    2. Em 4 de Agosto de 2003, dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz o requerimento que constitui de fls. 9 da certidão junta pelo autor sob documento n.º 1, de cujo teor aqui se destaca o seguinte: ‘em virtude de ter completado 36 anos de serviço, solicita a V. Exa. se digne promover o requerimento seja remetido à Caixa Geral de Aposentações (…) depois de informado por esta Câmara Municipal.’

    3. Em 11 de Novembro de 2003, dirigiu novo requerimento ao Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz (cfr. fls. 19 do PA), requerendo o seguinte: ‘em virtude de ter completado 36 anos de serviço, solicita a V. Exa. se digne promover o requerimento seja remetido à Caixa Geral de Aposentações (…) depois de informado por esta Câmara Municipal’.

    4. O seu requerimento mereceu informações favoráveis do comandante dos Bombeiros (‘não se vê inconveniente no seu pedido de aposentação’) e da Vereadora dos Recursos Humanos da Câmara Municipal da Figueira da Foz (‘não se vê inconveniente no pedido de aposentação do funcionário’), nos termos constantes de fls. 23 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

    5. Por ofício datado de 12 de Janeiro de 2004, a Vereadora da Câmara Municipal da Figueira da Foz com delegação de competências remeteu à CGA o processo de aposentação do autor, processo que foi recebido na GGA em 14 de Janeiro de 2004 – cfr. fls. 18 a 28 do PA, bem como fls. 58 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

    6. Nos termos constantes do Mapa de Contagem de Tempo, que consta de fls. 31 e 32 do PA, homologado pelo chefe do serviço da ré por despacho de ‘concordo’ datado de 30 de Abril de 2004, em 1 de Janeiro de 2004 o autor contava 40 anos e 10 meses de tempo de serviço.

    7. Por ofício datado de 7 de Maio de 2004, o autor foi notificado de que, por despacho dessa mesma data, da Direcção...

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