Acórdão nº 190/08 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução27 de Março de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO 190/2008

Processo n.º 1142/07

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira

    ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO

    DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

    I.

    Relatório

    1. A. veio reclamar (fls. 682 e ss.), ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro – da decisão sumária proferida nos autos a fls. 662 e ss., nos seguintes termos e fundamentos:

    2. O despacho de que ora se reclama entendeu, «ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78-A LTC [...] não tomar conhecimento do objecto do presente recurso», tendo invocado para o efeito o facto de a decisão recorrida não ter aplicado, «enquanto sua ratio decidendi, as normas insertas nos artigos 61.º, n.º 1 alínea b) e 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal», tendo, alegadamente, resolvido «a questão da nulidade arguida pelo recorrente, referente à sustentada violação do seu direito de audição, apenas por aplicação das normas contidas no artigo 119.º alínea c), do Código Processo Penal e nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal. Foram estas normas que constituíram o fundamento normativo da decisão proferida»,

    3. Concluindo com a afirmação de que o reclamante pretende, desta forma, «sindicar o processo decisório do Tribunal», sendo «que o contencioso constitucional não permite recorrer das decisões em si mesmas consideradas».

    4. Ora, apesar do devido e merecido respeito que qualquer despacho proferido pelo (...) Relator (...) nos mereça, não podemos senão manifestar uma profunda e veemente discordância com o despacho de que ora se reclama, conforme explanaremos de seguida.

    5. Foi entendimento vertido no despacho recorrido aquele segundo o qual «a decisão recorrida resolveu a questão da nulidade arguida pelo recorrente, referente à sustentada violação do seu direito de audição, apenas por aplicação das normas contidas no artigo 119.º alínea c), do Código Processo Penal e nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal».

    6. Discordamos de tal entendimento.

    7. O reclamante, aquando da interposição de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, enunciou determinadas questões que, no seu entender, deveriam ser objecto de reapreciação, assacando-lhe diversos vícios que entendia e entende se verificarem.

    8. De entre as ilegalidades verificadas e invocadas, poder-se-á ler, nas conclusões do recurso interposto, o que infra se transcreverá:

      14.º Ainda que V. Exas. assim não entendam, sem, de forma alguma, conceder, sempre se diria que o despacho recorrido deverá ser declarado nulo, nos termos do disposto nos arts. 119.º, al. c) e 120º., n.º 2, al. d), ambos do CPP, por violação do estatuído nos arts. 495.º, n.º 2 e 61.º, n.º 1, al. b), todos do CPP.

      Porquanto,

      15.2 Apesar do aí estatuído, o despacho recorrido, em violação do citado preceito, entendeu inútil a audição do arguido, bastando-se com o equacionar de um mero requerimento onde este expôs os motivos do seu incumprimento e requereu a sua audição, bem como a inquirição de testemunhas como meio de prova do por si alegado, 16.º Interpretando o dever de audição como uma prorrogativa de verificação dependente do critério do julgador.

      Ora,

      17.º Tal interpretação, não só consubstancia violação expressa dos citados preceitos, como contraria jurisprudência, senão unânime, pelo menos maioritária.

      Porquanto,

      18. Só “depois de recolhida a prova” e após “audição do condenado” (art. 495.º, n.º 2 do CPP) é possível averiguar se tal incumprimento é ou não culposo, bem como se a falta de observância desses mesmos deveres é ou não grosseira.

      19.º Sendo, consequentemente, ilegítimos os juízos de valor e ilações retirados da falta de cumprimento pelo arguido das obrigações impostas, sem o mesmo ter sido ouvido e sem se ter procedido à inquirição das testemunhas por si indicadas.

      20.º Ainda que assim não fosse, tal dever de audição resulta do disposto no art. 61.º, n.º 1, al. b) do CPP, nos termos do qual constitui direito do arguido “ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte”.

      Sendo que,

      21.º“A decisão de revogar a suspensão da execução da pena é uma decisão que, obviamente, o afecta” (cfr. Ac. TRL de 21-12-2004, proc. 6919/2004-5, in (www.dgsi.pt). Pelo que,

      22.º Padece o despacho recorrido de nulidade insanável, nos termos do art. 119.º, al. c) do CPP, por violação dos já citados preceitos e determina a invalidade dos actos subsequentes, nos termos do art. 122.º, n.º 1 do CPP.

      23.º Sendo que sempre constituiria nulidade “dependente de arguição (...) a insuficiência do inquérito ou da instrução e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar essenciais para a descoberta da verdade” (nosso sublinhado), nos termos do art. 120.º, n.º 2, al. d) do C.P.P..

      24.º Sendo, indubitavelmente, fulcral para a descoberta da verdade, não só a audição do arguido, como a inquirição das testemunhas por este indicadas, as quais têm conhecimento directo sobre os factos invocados no requerimento apresentado. Ora,

      25.º Os preceitos violados e supra citados constituem garantias de defesa do arguido, constitucionalmente consagrado, constituindo a sua preterição violação expressa do estatuído no art. 32., nºs 1 e 7 da C.R.P.

    9. Perante a fundamentação apresentada, o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão que proferiu, delimitou, e bem, as questões que cumpria apreciar, entre elas, o facto de «o despacho recorrido [não se ter pronunciado] sobre todas as questões suscitadas, ter sido proferido sem o arguido ser ouvido e sem a inquirição das testemunhas indicadas [...]ocorreu ainda e por força disso ofensa do art. 32. CRP» (nosso sublinhado).

    10. Assim, delimitado o objecto do recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa, nos seus pontos 8, 9 e 10, analisou a invocada «omissão de audição do arguido», concluindo não se verificar «a pretendida nulidade», considerando que «o facto de o arguido não ter sido ouvido de viva voz ou de não se haverem inquirido as testemunhas por ele indicadas não contraria tal conclusão»,

    11. Entendendo não violado o disposto nas citadas e invocadas disposições legais (arts. 61.º, n.º 1, al. b) e 495.º, n.º 2, ambos do C.P.P.), na interpretação que das mesmas faz, e, por esse motivo, inexistir a nulidade pretendida e qualquer desrespeito por normas constitucionais, designadamente pelo art. 32.º da C.R.P.

    12. Ora, perante os fundamentos invocados e a resposta que aos mesmos o Tribunal Recorrido lhes dirigiu, não se compreende como pode o Tribunal Constitucional entender que as referidas disposições legais não foram aplicadas, quando as mesmas, mesmo quando não expressas, estão subjacentes ao entendimento vertido na decisão recorrida, ou seja, a ausência de qualquer nulidade [art. 119.º c) do C.P.P.] por violação do estatuído nos artigos 495.º, n.º 2 e 61.º, n.º 1, al. a), todos do C.P.P.

    13. Aliás, quando o Mmo. Juiz Conselheiro Relator refere que o Tribunal Recorrido, relativamente ao dever de audição, apenas aplicou as normas vertidas no art. 119.º, al. c) do C.P.P. e nos arts. 55.º e 56.º do C.P., não teve em conta o que subjaz à arguida nulidade, a violação do citados preceitos,

    14. A qual terá, necessariamente, sido analisada, por não ser possível aferir da prática de qualquer nulidade sem analisar o acto que pretensa ou invocadamente a provocou.

    15. Mais, tendo a decisão recorrida entendido não se verificar a pretendida nulidade, por entender que o dever de audição do arguido previsto no n.º 2 do art. 495.º do C.P.P. se bastaria com um requerimento escrito no qual o arguido expunha os motivos do seu incumprimento e requeria que a audição de testemunhas que havia indicado como meio de prova do aí alegado, natural e espectável seria que procedesse à aplicação dos artigos 119.º, al. c) do C.P.P. e 55.º e 56.º do C.P., os quais constituem, apenas e tão só, a consequência da analisada omissão do dever de audição.

    16. Assim, a ratio decidendi vertida no acórdão proferido pelo Tribunal de Relação de Lisboa funda-se na inexistência da pretendida nulidade, por se terem pretensamente cumprido todas as exigências legais relativas à prévia audição do arguido antes de decidir pela revogação da suspensão da execução da pena a que o mesmo foi condenado, ou seja, pela não violação dos supra citados preceitos legais, os quais foram, indubitavelmente, aplicados e constituíram a essência da decisão recorrida.

    17. Nem outra coisa seria possível quando a fundamentação do recurso apresentado para o Tribunal da Relação de Lisboa apenas em tais preceitos se funda, no que à invocada omissão do dever de audição diz respeito.

    18. Não exige a lei, nem se pode admitir que se imponha o dever de transcrição expressa de todas disposições legais cuja estatuição o tribunal recorrido entenda cumprida, para efeitos de não verificação da nulidade pretendida, quando na fundamentação do recurso e na decisão proferida resulta clara e inequívoca a apreciação do preenchimento do estatuído nas referidas disposições legais, o que este Tribunal não pode ignorar e que uma leitura atenta do referido acórdão não permite descurar.

    19. Mais, nem se compreende como poderia o Tribunal recorrido analisar o comprimento ou não do dever de audição do arguido aquando da revogação da suspensão de execução de uma pena, sem que as citadas disposições legais fossem tidas em conta ou analisadas, pois é nelas que se encontra previsto tal direito.

    20. Sendo que, quando o Tribunal Recorrido analisou a questão da audição do arguido, apenas e tão só a tais disposições, oportunamente invocadas e aqui apreciadas, se poderia estar a referir, até porque, no que a esta matéria tange, não foi invocada outra nulidade senão esta, a inobservância do dever de audição nas mesmas previsto.

    21. Assim sendo, e porque a decisão recorrida, ao resolver a questão da nulidade arguida pelo recorrente, referente à sustentada violação do seu direito de audição, não se...

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