Acórdão nº 184/08 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução12 de Março de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 184/2008

Processo nº 614/2007

Plenário

Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. O pedido e o seu objecto

    Ao abrigo do disposto nos artigos 281º, nº 1, alíneas a) e b), e nº 2, alínea f), da Constituição, e dos artigos 51º, nº 1, e 62º, nº 1 da Lei nº 28/82 (Lei do Tribunal Constitucional), veio um grupo de vinte e cinco Deputados à Assembleia da República pedir ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração, com força obrigatória geral:

    a) da inconstitucionalidade e da ilegalidade da norma contida no artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto da carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, na redacção dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro;

    b) da inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 10.º, n.º 8, e 15.º, n.º 5, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, que altera o Estatuto da carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário, bem como o regime jurídico da formação contínua de professores.

    O teor das normas questionadas é o seguinte:

    Estatuto da carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário

    Artigo 46.º

    Sistema de classificação

    1 – (…).

    2 – (…).

    3 – Por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da educação e da Administração Pública são fixadas as percentagens máximas para a atribuição das classificações de Muito bom e Excelente, por escola não agrupada ou agrupamento de escolas, as quais terão por referência os resultados obtidos na avaliação externa da escola.

    4 – (…).

    5 – (…).

    6 – (…).

    7 – (…).

    8 – (…).

    Decreto-Lei n.º 15/2007

    Artigo 10.º

    Transição da carreira docente

    1 – (…).

    2 – (…).

    3 – (…).

    4 – (…).

    5 – (…).

    6 – (…).

    7 – (…).

    8 – Os docentes que à data da entrada em vigor do presente decreto-lei se encontram posicionados nos 8.º, 9.º e 10.º escalões da carreira docente prevista no Decreto-Lei n.º 312/99, de 10 de Agosto, transitam para a categoria de professor da nova estrutura de carreira, mantendo os índices remuneratórios actualmente auferidos.

    9 – (…).

    10 – (…).

    11 – (…).

    12 – (…).

    13 – (…).

    14 – (…).

    Artigo 15.º

    Recrutamento transitório para professor titular

    1 – (…).

    2 – (…).

    3 – (…).

    4 – (…).

    5 – Apenas podem ser opositores aos concursos referidos no n.º 1 os docentes integrados na carreira que preencham, cumulativamente, os seguintes requisitos:

    a) (…);

    b) (…);

    c) Não estejam na situação de dispensa total ou parcial da componente lectiva.

    6 – (…).

  2. Os Fundamentos do Pedido

    O requerente fundamentou o pedido nos seguintes termos:

    2.1. Quanto à norma contida no nº 3 do artigo 46º do Estatuto

    O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 15/2007 altera o Estatuto da carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário, designadamente, em matéria de avaliação do desempenho do pessoal docente. O novo artigo 46.º, n.º 3, deste Estatuto estabelece o sistema de classificação dos docentes e prevê quotas máximas para a atribuição das classificações mais elevadas (Excelente e Muito bom).

    Com este novo regime, a avaliação dos docentes deixa de ser igual para todos: uns obterão, pelo seu mérito, as classificações mais elevadas e outros, que por igual mérito seriam merecedores das mesmas classificações, não as alcançam por mero impedimento administrativo, consubstanciado na fixação de quotas. Quer isto dizer que a classificação final atribuída pode não derivar da equidade na avaliação do mérito intrínseco do professor avaliado, mas sim ser imposta pelo sistema de quotas instituído.

    Este novo figurino de avaliação afronta claramente o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, porque origina uma diferenciação não fundada, tratando o que é igual de forma diferente.

    Além disso, o artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto, ao permitir a fixação de quotas na atribuição das duas notas mais elevadas da avaliação da carreira do docente, restringe um direito, liberdade e garantia – a liberdade de exercício de uma profissão, consagrada no artigo 47.º da Constituição.

    Ora, os direitos, liberdades e garantias só podem ser restringidos por lei da Assembleia da República ou decreto-lei autorizado do Governo [artigos 18.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição]. Ao remeter a fixação das quotas para despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da Educação e da Administração Pública, o artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto viola a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.

    O artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto contraria ainda a Lei de bases que lhe serve de fundamento, na medida em que viola o princípio geral de que a progressão na carreira do docente deve estar ligada à avaliação de toda a actividade desenvolvida na instituição educativa (artigo 39.º, n.º 2, da Lei de bases do sistema educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, e alterada pelas Leis n.º 115/97, de 19 de Setembro, e n.º 49/2005, de 30 de Agosto). Na verdade, a imposição de quotas na avaliação do mérito dos docentes constitui um obstáculo, nas situações em que estas estejam preenchidas, a que possa ser avaliada toda a actividade por ele desenvolvida.

    O artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto é, portanto, ilegal, na medida em que viola uma disposição com valor reforçado (artigo 112.º, n.º 3, da Constituição).

    2.2. Quanto à norma contida no nº 8 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 15/2007

    Uma das alterações introduzidas no Estatuto da carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário consiste na criação de uma nova categoria de professores – os professores titulares –, para quem atinja o topo da carreira docente (artigo 34.º). Os professores que, entretanto, já tenham chegado aos lugares cimeiros da carreira docente têm que submeter-se a provas para poderem ascender à categoria de professor titular (artigos 37.º e 38.º).

    Esta alteração na carreira docente tem implicações imprevistas, intoleráveis e desproporcionadas em carreiras consolidadas ao longo de vários anos, que as disposições transitórias do Decreto-Lei n.º 15/2007 não logram acautelar devidamente. Com o efeito, o artigo 10.º, n.º 8, deste diploma, faz regredir os professores que, entretanto, já se encontravam nos lugares cimeiros da carreira docente (nos 8.º. 9.º e 10.º escalões), na medida em que deixam de ocupar as posições mais elevadas da carreira e transitam para uma categoria inferior – a de professor –, e na medida em que deixam de desenvolver certas tarefas de coordenação e supervisão, que passam a estar cometidas somente ao professor titular.

    Ao frustrar intoleravelmente as legítimas expectativas daqueles professores que já estavam nos lugares cimeiros da carreira docente, o artigo 10.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 15/2007 é inconstitucional, na medida em que viola o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático [artigos 2.º e 9.º, alínea b), da Constituição].

    Acresce que o regime fixado no artigo 10.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 15/2007 é manifestamente desproporcionado, por existir outra solução menos lesiva: a consagração, a título transitório, de duas carreiras de topo – a carreira dos professores nos últimos escalões (8.º a 10.º) e a carreira de professor titular – com os mesmos conteúdos funcionais, extinguindo-se a primeira delas à medida que os docentes deixassem de estar no activo. Nessa medida, a norma em análise é inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito democrático [artigos 2.º e 9.º, alínea b), da Constituição].

    2.3. Quanto à norma contida no artigo 15º, n.º 5, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/2007

    O artigo 15.º, n.º 5, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/2007 estabelece como requisito para o recrutamento transitório para professor titular, por parte dos professores que à data da entrada em vigor do diploma estejam nos 8.º, 9.º e 10.º escalões, a prestação efectiva de funções, desconsiderando as situações legalmente equiparadas a essa prestação efectiva de funções.

    Na medida em que esse requisito pode levar a que sejam afastados do concurso os professores dispensados de funções lectivas, por razões de saúde, o artigo 15.º, n.º 5, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/2007 é inconstitucional, por violação do direito à protecção da saúde, previsto no artigo 64.º da Constituição.

    O requerente conclui, assim, pela inconstitucionalidade e ilegalidade do artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto da carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário, na redacção dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 15/2007, e pela inconstitucionalidade dos artigos 10.º, n.º 8, e 15.º, n.º 5, alínea c), deste último diploma.

  3. A resposta do órgão autor da norma

    Notificado o Governo, através do Primeiro Ministro, nos termos dos artigos 54º e 55º da Lei nº 28/82, para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, veio ele alegar, em suma, o seguinte:

    3.1. Quanto ao artigo 46º, nº 3, do Estatuto

    O artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto da carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário, na redacção dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 15/2007, não viola o artigo 13.º da Constituição, inserindo-se antes no conjunto de soluções normativas de tratamento diferenciado que a jurisprudência constitucional tem entendido serem constitucionalmente aceitáveis (cf. os Pareceres n.º 1/76 e 33/81 da Comissão Constitucional, e os Acórdãos n.º 44/84, 187/90, 412/2002, 232/2003 e 289/2005 do Tribunal Constitucional). Pode o requerente discordar da solução material constante do artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto, mas isso não é suficiente para justificar a intervenção do Tribunal Constitucional, para salvaguarda do princípio da igualdade, na sua vertente de proibição do arbítrio ou criação de soluções aleatórias. Trata-se de um caso...

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