Acórdão nº 168/08 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução05 de Março de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 168/2008

Processo n.º 675/07

  1. Secção

Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, a Relatora proferiu a seguinte decisão sumária:

    «I – RELATÓRIO

  2. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, o primeiro interpôs recurso para este Tribunal, em 24 de Maio de 2007 (fls. 1092 a 1107), de acórdão daquele Tribunal que julgou improcedente o recurso de sentença do Tribunal da Comarca da Sertã que condenou o recorrente, “pela prática do crime de falsificação de documento na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 256º, nº 1, al. c), 255º, al. a) e 22º, n.º 1, al. b), todos do Código Penal, na pena de multa de 80 dias de multa, à taxa diária de 30,00 €, o que perfaz o montante global de € 2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros)” (fls. 1011 e 1012).

    Com o recurso agora interposto, ao abrigo das alíneas b) e g) do art. 70º da LTC, pretende o recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade das normas constantes dos seguintes preceitos legais:

    i) Artigo 1º, alínea f), do Código de Processo Penal [CPP];

    ii) Artigo 127º do CPP

    iii) Artigo 358º, do CPP;

    iv) Artigo 359º, do CPP;

    v) Artigo 374º, n.º 2 do CPP;

    vi) Artigo 410º, n.º 2 do CPP;

    vii) Artigo 412º, n.º 3, alínea b), do CPP;

    viii) Artigo 412º, n.º 4, do CPP;

    ix) Artigo 23º, n.º 3, do Código Penal (ainda que, por manifesto lapso de escrito, identificado como artigo 22º, n.º 3, a fls. 1105 e 1106);

    x) Artigo 256º, n.º 2, por referência ao artigo 255º do Código penal [CP];

  3. Perante a falta de identificação suficiente dos acórdãos sobre os quais se fundava o recurso ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, em 19 de Julho de 2007, a Relatora proferiu despacho de convite a aperfeiçoamento, de modo a que o recorrente esclarecesse quais as decisões jurisdicionais a que se referia no requerimento de recurso (fls. 1149 a 1150), tendo o mesmo correspondido ao mesmo através de resposta entregue em 05 de Setembro de 2007 (fls. 1152 a 1154).

    II – DA INADMISSIBILIDADE PARCIAL DO RECURSO

  4. Apesar de o n.º 1 do artigo 76º da LTC conferir ao tribunal recorrido – “in casu”, o Tribunal da Relação de Coimbra – o poder de apreciar a admissão de recurso, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que, antes de mais, cumpre apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.

  5. Na medida em que o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, apenas pode apreciar a constitucionalidade de normas jurídicas, em sede de recurso de decisões anteriormente proferidas pelos tribunais comuns, impõe-se como “conditio sine qua non” de conhecimento do pedido que o recorrente “haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (artigo 72º, n.º 2 da LTC).

    Com efeito, o recorrente procura dar cumprimento à exigência legal fixada pelo n.º 2 do artigo 75º-A da LTC, afirmando que “invocou todas e cada uma das inconstitucionalidades aqui mencionadas nas alegações e conclusões de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa”, sendo que “a inconstitucionalidade sobre a recusa do Tribunal da Relação de Coimbra em conhecer do recurso sobre a matéria de facto, só pôde ser arguida (…)” perante o próprio Tribunal Constitucional (cfr. fls. 1107). Porém, compulsadas exaustivamente a motivação e as conclusões do recurso interposto para o Tribunal “a quo”, comprova-se, ao invés, que, em regra, o recorrente limitou-se a invocar – em tom genérico e avulso – a violação de alguns preceitos e princípios constitucionais pela própria decisão recorrida, tendo apenas colocado uma questão de inconstitucionalidade normativa do n.º 2 do artigo 256º, quando conjugado com o n.º 3 do artigo 23º e a alínea a) do artigo 255º, todos do CP.

    Aprecie-se então.

    1. Artigos 1º, alínea f), 358º e 359º do CPP

  6. Apesar de o recorrente afirmar, no requerimento de recurso (cfr. § 3.1., a fls. 1107), que suscitou, nas suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, a questão da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1º, alínea f), 358º e 359º, verifica-se da sua leitura que aquele nunca colocou em crise a constitucionalidade da interpretação normativa relativa à alínea f) do artigo 1º do CPP. Deste modo, por força do n.º 2 do artigo 72º da LTC, o recorrente não pode agora recorrer quanto àquela norma, por não ter suscitado de modo processualmente adequado a sua inconstitucionalidade, de forma que o tribunal “a quo” dela pudesse conhecer.

  7. Quanto aos artigos 358º e 359º do CPP, o recorrente nunca suscitou, de modo expresso, claro e preciso, perante o tribunal recorrido qualquer questão de inconstitucionalidade daquelas normas – ou sequer de interpretação que o tribunal pudesse vir a formular sobre elas –, limitando-se a reputar de inconstitucional a própria sentença de primeira instância. Ora, por força do n.º 1 do artigo 277º da CRP, o Tribunal Constitucional não dispõe de poderes para fiscalizar a constitucionalidade de “decisões jurisdicionais”, mas apenas de “normas jurídicas”.

    Exemplificando, reproduzem-se os seguintes excertos do requerimento de recurso apresentado perante o Tribunal da Relação de Coimbra:

    “A sentença é ainda inconstitucional, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais, porquanto ao condenar os arguidos por factos novos que deles não eram conhecidos e sem que lhes fosse providenciado o prazo indispensável à preparação da sua defesa, o aresto recorrido ofendeu irremediavelmente as garantias de defesa do arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório assegurados no artigo 32º nº 1 e 5º da Constituição da República Portuguesa.” (cfr., com realce e sublinhado nosso, p. 10 do requerimento de recurso, a fls. 823);

    “6 – Não tendo sido dado cumprimento ao disposto no Artigo 358º e/ou 359º do CPP, condenando-se os arguidos por factos novos não constantes da pronunciam [sic], a sentença recorrida é nula, nos termos do Artigo 379º nº 1 alínea b) e inconstitucional por ter condenado os arguidos por factos novos que deles não eram conhecidos e sem que lhes fosse providenciado o prazo indispensável à preparação da sua defesa, ofendendo irremediavelmente as garantias de defesa do arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório assegurados no artigo 32º nº 1 e 5º da Constituição da República Portuguesa.” (cfr., com realce e sublinhado nosso, § 6 das conclusões de recurso, a fls. 899).

    Assim, em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o recorrente adoptou uma estratégia processual que visou qualificar a sentença de primeira instância como nula, por violação dos artigos 358º e 359º do CPP. Daqui decorre que a principal linha de força das alegações de recurso então proferidas repousava na impugnação de um juízo interpretativo sobre Direito infra-constitucional e não sobre Direito Constitucional, pelo que este Tribunal não pode dele conhecer. Acresce que, reportando-se aos artigos 358º e 359º do CPP, o recorrente afirmou apenas que “a sentença é ainda inconstitucional, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais, porquanto ao condenar os arguidos por factos novos que deles não eram conhecidos e sem que lhes fosse providenciado o prazo indispensável à preparação da sua defesa, o aresto recorrido ofendeu irremediavelmente as garantias de defesa do arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório assegurados no artigo 32º nº 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa” (fls. 823, com sublinhado nosso). Ora, na medida em que, por força do n.º 1 do artigo 277º da CRP, os tribunais portugueses apenas podem fiscalizar a constitucionalidade de “normas” e não de “sentenças”, mais se reforça a desadequada suscitação processual do incidente de inconstitucionalidade.

  8. Mas, ainda que assim não fosse, afigura-se igualmente evidente que a interpretação normativa reputada de inconstitucional pelo recorrente não corresponde àquela que efectivamente foi aplicada pelo tribunal “a quo”. Senão, veja-se.

    Independentemente da adequação constitucional da mesma, que este Tribunal só apreciaria se estivessem preenchidos os requisitos necessários para a apreciação do presente recurso –, a decisão recorrida adopta a seguinte tese:

    “É verdade que se dão como assentes não constantes do despacho de pronúncia (os referidos nos pontos 14º, 19º, 20º, 21º, 23º, 26º e 27º). No entanto, tais factos foram trazidos ao conhecimento do Tribunal pelos próprios arguidos, através das declarações prestadas em audiência de julgamento e, tais factos traduzem-se em meros factos concretizantes da actividade criminosa dos arguidos sem repercussões agravativas e sem pôr em causa a defesa dos arguidos.

    (…)

    De qualquer forma e porque a alteração de facto, operada em julgamento relativamente à pronúncia, derivou de «factos alegados pela defesa», não há, ao contrário do sustentado pelos recorrentes, que comunicar a alteração dos factos e que, conceder o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.

    Na verdade, a alteração não substancial dos factos só se verifica quando tenha relevo para a decisão e quando o Tribunal verifique que o arguido tem, necessariamente que apresentar nova defesa.” (fls. 1058, com sublinhado nosso).

    Ora, no seu requerimento de recurso, o recorrente invoca uma interpretação normativa dos artigos 358º e 359º do CPP diametralmente distinta da que constituiu a “ratio decidendi” da decisão recorrida, pois:

    i) Por um lado, entende que a interpretação normativa da...

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