Acórdão nº 158/08 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução04 de Março de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 158/2008 Processo n.º 337/07 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

1.1. A Caixa Geral de Aposentações (CGA) e o representante do Ministério Público na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do referido Tribunal, de 8 de Fevereiro de 2007, que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos artigos 2.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), das normas constantes dos artigos 1.º, n.º 6, e 2.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, quando entendidas no sentido de que não é aplicável o regime do Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, aos processos que, apesar de se terem iniciado antes de 31 de Dezembro de 2003, não deram entrada na CGA até à data da entrada em vigor daquela Lei (1 de Janeiro de 2004).

1.2. O referido acórdão foi proferido em recurso jurisdicional interposto pela CGA contra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 24 de Fevereiro de 2006, que julgou procedente a acção administrativa especial, de condenação à prática de acto devido, contra a mesma deduzida pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), em representação do seu associado A., condenando a CGD a apreciar o pedido de aposentação antecipada por este apresentado, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, em 14 de Novembro de 2003, embora só remetido pela Câmara Municipal da Figueira da Foz à CGA em 12 de Janeiro de 2004.

O acórdão recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto:

“I) O associado do autor A. é funcionário do quadro de pessoal do Município da Figueira da Foz, com a categoria de bombeiro municipal, e está inscrito na CGA desde 15 de Janeiro de 1975;

II) Em 14 de Novembro de 2003, dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz o requerimento que consta de fls. 1 do documento n.º 3, junto com a petição inicial, de cujo teor aqui se destaca o seguinte: «em virtude de ter completado 36 anos de serviço, solicita a V. Exa. se digne promover que o requerimento seja remetido à Caixa Geral de Aposentações (…) depois de informado por esta Câmara Municipal»;

III) O seu requerimento mereceu informações favoráveis do comandante dos Bombeiros Municipais e da Vereadora dos Recursos Humanos da Câmara Municipal da Figueira da Foz, nos termos constantes de fls. 2 do documento n.º 3, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

IV) O Coordenador Distrital do Centro Distrital de Operações de Socorro de Coimbra emitiu, com data de 12 de Novembro de 2003, a declaração que consta de fls. 8 do documento n.º 3, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

V) Por ofício datado de 12 de Janeiro de 2004, a Vereadora da Câmara Municipal da Figueira da Foz com delegação de competências remeteu à CGA o processo de aposentação de A. – cf. documento de fls. 12 do processo administrativo, bem como o documento n.º 4, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

VI) Por ofício datado de 30 de Janeiro de 2004, a CGA procedeu à devolução do processo do funcionário associado do autor, nos termos e com os fundamentos constantes do documento que consta de fls. 13 do processo administrativo, que aqui se dá por reproduzido, de cujo teor se destaca o seguinte: «O Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, foi revogado pelo n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro. Tendo presente que o pedido de aposentação não foi enviado a esta Caixa dentro do prazo estabelecido no n.º 6 do artigo 1.º da citada Lei, junto se devolve por falta de fundamento legal».”

Na fundamentação jurídica, após reprodução do quadro legal relevante e desenvolvidas considerações sobre a retroactividade e os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, implícitos no princípio do Estado de Direito democrático, o acórdão recorrido, especificamente sobre o caso em apreço, explana o seguinte:

“Revertendo ao caso vertente temos que a Lei n.º 1/2004 consagrou normas transitórias (cf. artigos 1.º, n.ºs 6 a 8, e 2.º), normas essas que, no entendimento da recorrente, conduzem à rejeição da pretensão do associado do recorrido, entendimento que não teve acolhimento na decisão judicial recorrida.

Cremos que esta ajuizou bem a situação vertente e, nessa medida, o presente recurso jurisdicional deverá improceder.

Explicitemos o nosso posicionamento.

O associado do recorrido, tal como deriva da factualidade apurada, formulou a sua pretensão de aposentação antecipada ao abrigo e nos termos do regime legal decorrente do Decreto-Lei n.º 116/85, em 14 de Novembro de 2003 [cf. n.º II)], nos serviços competentes da Câmara Municipal da Figueira da Foz e que esta, após instrução, remeteu o respectivo processo à CGA em 12 de Janeiro de 2004 [cf. n.ºs III), IV) e V) dos factos assentes].

Mais se infere da factualidade apurada que aquele requerimento apenas foi objecto de pronúncia por parte da CGA, através de ofício datado de 30 de Janeiro de 2004, determinando a devolução do processo de aposentação porquanto o Decreto-Lei n.º 116/85 havia sido revogado pelo n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 1/2004 e que, não tendo o pedido de aposentação sido enviado à CGA dentro do prazo estabelecido no n.º 6 do citado artigo 1.º, o mesmo não tem fundamento legal [cf. n.º VI)].

Ora, por força do n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 1/2004, o regime especial de aposentação antecipada previsto no Decreto-Lei n.º 116/85, ao abrigo do qual se iniciou o procedimento administrativo em crise, foi expressamente revogado.

Assim, no caso sub judice compreende-se que a eliminação daquele regime especial previsto no Decreto-Lei n.º 116/85 por parte do legislador afecte expectativas dos destinatários da prescrição legal.

Não havia razão específica para os destinatários que haviam formulado os seus requerimentos tendentes à sua aposentação ao abrigo daquele Decreto-Lei tivessem de antecipar aquela mutação da ordem jurídica, mormente, a imposição de um limite temporal e modo de definição ou aferição daquele momento findo o qual aquele direito se extinguia.

Cientes dos considerandos anteriormente tecidos, importa saber se tais expectativas, no caso do associado do recorrido, eram legítimas, no sentido de merecerem a tutela do Direito, ou se o legislador, através do quadro transitório definido, acautelou a possibilidade de formação de tais expectativas, advertindo os destinatários da impossibilidade de manterem aquele regime de aposentação.

Tal como se aludiu, a impossibilidade de previsão de uma mudança só frustra expectativas legítimas dos destinatários da norma em causa se estes não devessem razoavelmente contar com a possibilidade da mudança e, em particular, quando já haviam formulado pretensão substantiva junto da Administração nos termos ou fundada num regime normativo que lhe conferia um direito à aposentação antecipada.

A este propósito atente-se no entendimento sustentado pelo Dr. J. Cândido Pinho, que aqui se sufraga, quando afirma que o «… regime da aposentação determina-se em função do momento em que certos factos jurídicos se verificarem [factos determinativos da aposentação e da reforma].

Na aposentação exclusivamente voluntária […], o facto a considerar é a data do despacho a reconhecer o direito à aposentação […].

Não releva, deste modo, a data da entrada do requerimento, até porque entre ela e a da resolução final a reconhecer o direito pode decorrer um período mais ou menos longo, no seio do qual possam advir alterações estatutárias ou legais que possam favorecer o requerente. É o que de jure constituto está definido. Porém, mal e em desrespeito constitucional, em nossa opinião.

Efectivamente, cremos que sempre deverá relevar a data em que é apresentado o requerimento nos casos em que à época o interessado já reúna em si os pressupostos efectivos para a concessão da aposentação. Na verdade, se na data em que a aposentação for pedida já o funcionário dispuser das condições factuais para a aposentação, não faz sentido submeter o regime desta ao universo jurídico existente no momento em que a resolução definitiva vier a ser tomada uma vez que no momento em que faz o pedido já o direito se encontra adquirido. Pode entre a apresentação do requerimento e a decisão final interpor-se um intervalo de tempo mais ou menos prolongado que se reflicta negativamente sobre a esfera do requerente. Imagine-se, por exemplo, que na data em que a aposentação vem a ser decidida já os requisitos legais se alteraram (v. g., de 65 anos o limite subiu para 70; ou da verificação exclusiva do tempo de 36 anos de serviço para a obtenção da reformapor inteiro, a lei nova passou a exigir um novo factor adicional de 65 anos de idade). Nos exemplos apontados, o requerente quando efectua o pedido já atingiu os 65 anos de idade ou já tinha perfeito os 36 anos de serviço. Tinha nesse instante uma séria, fortíssima e legítima expectativa de que a reforma lhe seria concedida nos moldes legais existentes e já conhecidos, nunca em função de requisitos futuros totalmente ignorados. Assim, é de entender que o regime aplicável é o existente na data em que o pedido é apresentado se estiverem já reunidos os pressupostos factuais de acordo com a lei vigente nessa ocasião. Se assim não se entender, estar-se-á a violar os princípios sagrados da boa fé e da confiança (artigo 6.º-A do CPA), de consagração constitucional (artigo 266.º, n.º 2, da CRP) e que, enquanto corolários da segurança jurídica, se apresentam como pilares...

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