Acórdão nº 126/08 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 126/2008

Processo n.º 1054/07

2ª Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

  1. requereu em 6-3-2007 aos serviços da Segurança Social que lhe fosse concedido apoio judiciário, a fim de deduzir oposição em acção executiva, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Aqueles serviços, por decisão de 2-5-2007, concederam apoio judiciário ao requerente, na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e dos demais encargos com o processo.

O requerente impugnou esta decisão, concluindo pela revogação da decisão impugnada e sua substituição por outra que lhe conceda apoio judiciário, na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e outros encargos.

Os serviços de Segurança Social mantiveram a decisão impugnada, tendo remetido o processo para a 3ª Vara Cível do Porto.

Aí foi concedido provimento à impugnação e revogada a decisão dos serviços da Segurança Social, tendo-se concedido ao requerente o benefício de apoio judiciário na modalidade peticionada, por decisão proferida em 4-7-2007.

Na fundamentação desta decisão recusou-se a aplicação do disposto nos artigos 6.º a 10.º, da Portaria n.º 1085-A/2004 e do Anexo à Lei n.º 34/2004, na parte em que obriga, em sede de impugnação judicial, que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício do apoio judiciário, o rendimento do seu agregado familiar nos termos aí rigidamente impostos, sem permitir em concreto aferir da real situação económica do requerente em função dos seus rendimentos e encargos, por violação do direito ao acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

O Ministério Público recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, nos seguintes termos:

“Na douta decisão recorrida foi decidido recusar, com fundamento em inconstitucionalidade material, a aplicação do anexo à Lei 34/2004 de 29/7, conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/2004 de 31/8, alterada pela Portaria 288/2005 de 21/3, na parte em que determina que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente o rendimento do seu agregado familiar. Entendeu o tribunal que o referido dispositivo legal, por não permitir aferir em concreto da real situação económica do requerente em função dos seus rendimentos e encargos, viola o direito ao acesso ao direito e aos tribunais consagrados no artº 20º da Constituição da República Portuguesa e, em consequência, decidiu julgar procedente o recurso interposto e conceder ao requerente o benefício de apoio judiciário na modalidade de total dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.”.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma:

“O acesso ao direito e aos tribunais não se configura, no nosso ordenamento jurídico-constitucional, como mero direito a uma prestação social, traduzindo antes um direito fundamental, ligado à efectividade da protecção jurídica e dependente, em termos essenciais, dos critérios que delimitam e condicionam a apreciação da insuficiência económica invocada pelo requerente.

Constitui restrição excessiva e desproporcionada a tal direito fundamental a obrigatória, tabelar e rígida ponderação do “rendimento relevante” do agregado familiar, exclusivamente em função dos índices e coeficientes estabelecidos nos artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/04, em conexão com o Anexo à Lei nº 34/04, nomeadamente para a determinação dos valores adequados à satisfação das “necessidades básicas” do agregado familiar, desvalorizando a amputação patrimonial decorrente de penhora incidente sobre o vencimento do requerente e do pagamento faseado de custas nos vários processos em que simultaneamente é parte, conduzindo à possibilidade de denegação administrativa do apoio judiciário, na modalidade pretendida, mesmo quando uma apreciação, casuística e prudencial, das circunstâncias do caso revela manifestamente a existência de uma situação de carência económica, inibidora do acesso ao direito e aos tribunais.

Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida.

*

Fundamentação

  1. Do objecto do recurso

    A decisão recorrida afastou a aplicação do disposto nos artigos 6.º a 10.º, da Portaria n.º 1085-A/2004 e das normas constantes do Anexo à Lei n.º 34/2004, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por entender que estas normas impunham, em sede de impugnação judicial da decisão dos serviços da segurança social, que fosse considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício do apoio judiciário, o rendimento do seu agregado familiar nos termos aí rigidamente impostos, sem permitir em concreto aferir da real situação económica do requerente em função dos seus verdadeiros rendimentos e encargos, o que violava o direito ao acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa.

    Consta do artigo 2.º, da Portaria n.º 1085-A/2004, que “o disposto na presente portaria não prejudica a possibilidade de ser concretamente apreciada a situação económica dos requerentes de protecção judiciária, nos termos previstos no n.º 2, do artigo 20.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho”.

    E este artigo 20.º, n.º 2, dispõe o seguinte:

    “Se os serviços da segurança social, perante um caso concreto, entenderem não dever aplicar o resultado da apreciação efectuada nos termos do número anterior, remetem o pedido, acompanhado de informação fundamentada, para uma comissão constituída por um magistrado designado pelo Conselho Superior da Magistratura, um magistrado do Ministério Público designado pelo Conselho Superior do Ministério Público, um advogado designado pela Ordem dos Advogados e um representante do Ministério da Justiça, a qual decide e remete tal decisão aos serviços da segurança social.”

    Sustentou-se na decisão recorrida que o disposto no artigo 2.º, da Portaria n.º 1085-A/2004, apenas permitia afastar os critérios rígidos, tabelares e matemáticos de determinação do rendimento relevante, para efeitos de concessão de apoio judiciário, na fase administrativa do processo, não sendo tal possibilidade extensível à fase de impugnação judicial.

    Não cabendo ao Tribunal Constitucional censurar esta interpretação efectuada no plano infraconstitucional e tendo ela conformado a recusa de aplicação das citadas normas é precisamente esta interpretação cuja constitucionalidade importa verificar.

    Por outro lado, apesar da decisão recorrida referir que recusa a aplicação dos citados preceitos legais...

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