Acórdão nº 114/08 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Fevereiro de 2008
Magistrado Responsável | Cons. Vitor Gomes |
Data da Resolução | 20 de Fevereiro de 2008 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 114/2008
Processo n.º 316/07
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Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I- Relatório
1.O Ministério Público acusou A., em processo sumário, perante o Tribunal de Comarca de Matosinhos (Juízos Criminais), imputando-lhe a prática de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 138.º do Código da Estrada e do n.º 2 do artigo 348.º do Código Penal (desobediência qualificada).
O arguido veio a ser absolvido, por sentença de 10 de Janeiro de 2007, apesar de se ter considerado provado que, no dia 3 de Janeiro de 2007, conduzira um motociclo na via pública, não sendo portador de licença de condução, dado que a tinha entregue, na véspera, na Direcção-Geral de Viação, a fim de cumprir a sanção de 30 dias de inibição de conduzir que lhe tinha sido imposta no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 352349158.
A sentença absolutória tem a seguinte fundamentação:
É imputado ao arguido a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência qualificada p. e p. pelos artºs. 138º do Código Estrada e 348º n.º 2, do CP.
Antes de entrar na subsunção dos factos ao Direito cumpre apreciar uma questão prévia que, a proceder, impedirá que o Tribunal entre na apreciação do mérito. E essa questão é a da existência de eventual inconstitucionalidade da norma vertida no artigo 138.º, n.º 2, do Código da Estrada.
Isto a propósito das diferenças de redacção (numa norma que se pode considerar verdadeiramente penal) dos artºs. 139º, nº.4 dos DL 2/98, de 03/01 e DL 265-A/2001, de 28/09 e 138º, n.º 2, do DL 44/2005, de 23/02.
Como é consabido, a definição de determinadas acções ou omissões como matéria penal é matéria de competência reservada da Assembleia da República, pelo que quando o Governo pretende tipificar determinados comportamentos como ilícitos criminais só o pode fazer mediante lei de autorização legislativa lei de autorização legislativa que obrigatoriamente especificará o objecto da autorização, consubstanciando uma relação de conformidade entre a lei autorizante e o decreto-lei autorizado. Quando assim não sucede, isto é, quando existe decreto-lei a tipificar comportamentos como crimes sem que sejam precedidos de leis de autorização legislativa então poder-se-á estar perante uma hipótese de inconstitucionalidade orgânica.
No dizer do Tribunal Constitucional, nestas hipóteses a lei de autorização legislativa representa o parâmetro superior.
No caso concreto a legislação aplicável é a emergente do novo Código da Estrada, ou seja, o regime emergente do DL 44/2005. A lei de autorização legislativa subjacente a este diploma nada refere no que respeita à (re) tipificação ou alteração do tipo inscrito no artigo 138º, n.º 2 do Código da Estrada actualmente em vigor em relação às anteriores (supra-referidas) versões do diploma em causa. Ou seja, da leitura comparada do artigo 138º, n.º 2, nas versões actual e anterior, verifica-se que a redacção de ambas não é exactamente igual, pelo que se verificou uma alteração nos elementos descritivos do tipo subjacente. Ora, a Lei de Autorização Legislativa n.º 53/2004, de 04/11, não autorizou o Governo a tipificar quaisquer condutas como ilícitos penais (ex-novo, portanto) ou sequer a alterar nos seus elementos um tipo já existente.
Por isso, a necessidade de clara tipificação nestas matérias em lei de autorização legislativa não se compadece com o arbítrio de interpretação do parâmetro inferior que representa o decreto-lei autorizado. A reserva exclusiva parlamentar nestas matérias reclama que a lei autorizante seja absolutamente clara e apertada.
O que significa, pois, nesta nossa interpretação, que jamais houve autorização legislativa para alterar o artigo 138º, n.º 2, do Código da Estrada, no que respeita aos elementos nele agora enunciados, pelo que esta norma deve ser tida como organicamente inconstitucional, devendo ser recusada a aplicação do artº 138º, n.º 2, do Código da Estrada.
Com a recusa de aplicação da referida norma, com o sentido apontado, falece em absoluto o objecto da acusação, pelo que o arguido deve ser absolvido do crime pelo qual vem acusado.
2. O Ministério Público interpôs recurso desta decisão, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
Apresentou oportunamente alegações, acolhendo-se às razões do acórdão n.º 574/2006 deste Tribunal, em que se decidiu no sentido da inconstitucionalidade orgânica da mesma norma, e conclui nos termos seguintes:
Na falta de prévia autorização parlamentar para legislar sobre matéria constante do artigo 165.º, n.º 1, alínea c) da Constituição, não podia o Governo emitir, tal como o fez, a norma do artigo 138.º, n.º 2 do Código da Estrada na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, pelo que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade orgânica constante da decisão recorrida.
O recorrido não alegou.
II - Fundamentos
3. Invocando a autorização legislativa concedida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, e o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, veio dar nova redacção a vários preceitos do Código da Estrada (artigo 1.º). Entre as matérias que foram objecto de alteração avulta o regime de sancionamento dos ilícitos estradais. Neste capítulo, se insere o artigo 138.º que, na nova redacção, passou a dispor (sublinhada a disposição sobre que incide a controvérsia):
Artigo 138.º
Sanção acessória
1 - As contra-ordenações graves e muito graves são sancionáveis com coima e com sanção acessória.
2 - Quem praticar qualquer acto estando inibido ou proibido de o fazer por sentença transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva que aplique uma sanção acessória é punido por crime de desobediência qualificada.
3 - A duração...
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