Acórdão nº 108/08 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Fevereiro de 2008

Data20 Fevereiro 2008
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 108/2008

Processo nº 98/08

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria João Antunes

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, em que é reclamante o Ministério Público e reclamado A., foi proferida decisão de não admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, em 12 de Novembro de 2007.

    2. Por despacho, de 29 de Outubro de 2007, foi decidido “remeter os autos para outra forma processual”, com a seguinte fundamentação:

      Do auto de notícia elaborado pela autoridade policial resulta que o arguido foi detido em flagrante delito e depois restituído à liberdade, tendo sido notificado para comparecer perante o M.P. junto do Tribunal de turno.

      Resulta também dos autos, que não foi deduzida verdadeira acusação escrita contra o arguido.

      O M.P. apresentou apenas o expediente ao juiz de turno para os efeitos do art° 387°, nº 2 ali. a) do C.P.P., pretensão que foi deferida, adiando-se simplesmente o início da audiência de julgamento.

      Aberta vista à Digna Magistrada do M.P., pela mesma foi referido que aguardará o início da audiência, para aí requerer a substituição da apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que procedeu à detenção.

      É certo que no auto de notícia constam alguns factos.

      Todavia, tais factos, por si só, não constituem qualquer crime.

      É de ter em conta que a consciência e a vontade de praticar tais factos típicos, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei - o dolo –constitui elemento típico dos ilícitos criminais, e designadamente do perfunctoriamente indiciado no auto de notícia.

      O mesmo sucede quanto à negligência, nos termos do disposto nos art°s.13° e 15° do C.P.

      Tal elemento subjectivo deverá constar da acusação e/ou do auto de notícia – cfr os art°s 243° e 283°, n° 3 ali. b) do C.P.P., e ainda sobre o tema, entre outros, o AC do TRG de 7/04/2003, in CJ, tomo II, pg. 291-294.

      Qualquer acusação em que se omita este facto -falta dos factos integradores do dolo ou da negligência – deve ser rejeitada, por se encontrar manifestamente infundada, com base no art° 311°, n° 3, ali. d) do C.P.P.- quando os demais elementos típicos do crime se encontrarem nela descritos.

      Do expediente ora em análise não consta qualquer um desses elementos (dolo ou negligência).

      De tal expediente também não se retira a indicação das disposições legais aplicáveis, a chamada qualificação jurídica dos factos, o que é relevante e implica até a rejeição da acusação, nos termos do citado art° 311, n° 3 ali. c) do C.P.P.

      Dado o teor do auto de notícia, mesmo com a sua leitura em audiência nada mais se acrescenta ao que aí consta.

      É condição da realização de julgamento em processo sumário e desta forma de processo especial a existência de um crime concreto e devidamente identificado, com indicação dos respectivos factos integradores (objectivos e subjectivos) e de todas as disposições legais aplicáveis. Só assim se podem apreciar os apertados requisitos de admissibilidade do processo sumário, bem como a competência do tribunal.

      Está em causa a natureza acusatória do processo penal, além das garantias de defesa do arguido e o princípio da vinculação temática do tribunal.

      Afigura-se-nos, pois, que não se verificam os requisitos que justificam o julgamento em processo sumário, nos termos do disposto no art° 381° do C.P.P., na redacção da lei nº 48/07, de 29/08

      .

    3. O Ministério Público recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, mediante requerimento, de onde se extrai o seguinte:

      Tendo sido, nos termos supra expostos, a aplicação da norma em referência, nº. 2, do ar°. 389°, do CPP, constante de acto legislativo - L. 48/2007, de 29 de Agosto – 15ª. Alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n°. 78/87, de 17 de Fevereiro -, recusada, por inconstitucionalidade e/ou ilegalidade - vem o MP, nos termos das disposições conjugadas dos art°.s 280°, n°.s 1, al. a), 2, al. a) e 3, da CRP, 70º, n°. 1, al.s a) e/ou c), 71°, n°. 1, 72°, n°.s 1, al. a) e 3, 75º, nº, 1, 75°-A, n°. 1-e 78°, n°. 4, da Lei 28/82, de 15 de Novembro - Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional -, ao abrigo das citadas al.s a) e/ou c), do n°. 1, do respectivo art°. 70°, interpôr recurso, obrigatório, para o Tribunal Constitucional, - a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do disposto no citado art°. 78°, n°. 4, da Lei em referência -, requerendo a apreciação da constitucionalidade e legalidade da norma constante do n°. 2 do art°. 389°, do CPP

      .

    4. Por despacho, que constitui o objecto da presente reclamação, o recurso de constitucionalidade não foi admitido, com os seguintes fundamentos:

      Estabelece o art° 70° da Lei 28/82 de 15 de Novembro: (Decisões de que pode recorrer-se): n° 1 – Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos Tribunais;

      (…)

      Ora da análise dos preceitos em causa, não se vislumbra que a decisão em causa nos autos, admita recurso para o tribunal Constitucional, atendendo a que não se subsume a qualquer das alíneas supra referidas. Requisito de admissibilidade do recurso, nos termos do art° 70º ali a), é a da existência da recusa de aplicação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT