Acórdão nº 08P907 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução24 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

A foi submetida a julgamento no âmbito do processo comum singular nº 576/03.0JDLSB, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Alenquer, acusada e pronunciada da prática, em autoria material, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos art.ºs 180.º, 183.º e 184.º, do C. Penal e art.º 30.º, da Lei nº 2/99, de 13/01.

O assistente B formulou pedido de indemnização civil contra a arguida e "C", pedindo a condenação solidária destas no pagamento da quantia de € 200.000,00, a distribuir pelo assistente e pela Casa Pia de Lisboa, a título de indemnização por danos morais.

Após julgamento, foi decidido: - Condenar a arguida A, pela prática, em autoria material, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos art.ºs 180.º, 183.º e 184.º, do C. Penal e art.º 30.º, da Lei nº 2/99, de 13/01, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz o total de € 3.000,00 (três mil euros); - Condenar a arguida/demandada a pagar ao assistente/demandante B, a título de indemnização civil, por danos morais, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), absolvendo-a do remanescente pedido; - Absolver a demandada "C" do pedido de indemnização civil contra si deduzido pelo assistente.

Inconformados com o assim decidido, recorreram a arguida e o assistente para o Tribunal da Relação de Lisboa.

No requerimento de interposição do seu recurso para a Relação, tal como no início da motivação, o assistente expressamente menciona que o interpõe «na parte em que absolveu a demandada cível "C" do pedido formulado pelo ora assistente e ora recorrente, bem como do montante pecuniário em que foi condenada a recorrida A". Na motivação e nas conclusões, porém, o recorrente não faz qualquer outra referência ao segmento da sentença recorrida que condenou a arguida A, mas termina pedindo que "seja revogada a sentença de 1ª instância na parte que absolveu a demandada cível C e que seja alterado o montante de indemnização em que a recorrida A foi condenada, tudo nos termos expostos e com as respectivas consequências legais, pois assim se fará a mais LÍDIMA JUSTIÇA!" O Juiz da 1ª instância, ao pronunciar-se sobre o recurso do assistente, disse o seguinte (transcrição): "Fls. 1773 a 1799: Nota: ignora-se a expressão que consta de fls. 1773: "montante pecuniário em que foi condenada a recorrida A", porque nem na motivação nem nas correspondentes conclusões se faz qualquer alusão a esta temática, sendo certo que sempre faltaria legitimidade ao assistente não tem legitimidade para recorrer.

I - Considerando que: - A decisão é recorrível (artigos 399° e 400°, 2, este «a contrario», ambos do Código de Processo Penal, bem como os demais a que imediatamente infira se fará referência); - A apresentação do recurso é tempestiva (artigo 411°, 1,); - O assistente/demandante civil tem legitimidade para recorrer (artigo 401°, 1, alíneas b) e c); - O recurso se encontra motivado (artigo 411°. 3) Admite-se o recurso interposto através do requerimento referenciado em epígrafe (artigo 414°, 1 e 2), o qual tem subida imediata (artigo 407°, 1, alínea a), nos próprios autos (artigo 406°, 1) e com efeito suspensivo (artigo 408°, 1, alínea a).

II - Cumpra o disposto no artigo 411°, 5, «ex vi», artigo 413°, 1.

III - Solicite a transcrição dos depoimentos das testemunhas indicadas pelo recorrente no recurso, à firma que vier a apresentar o orçamento mais baixo para o efeito (artigo 412°. 3 e 4 e Assento 2/2003 do Supremo Tribunal de Justiça, in D.R. n.º 25, de 30.01.2003).

IV - Notifique.

" 2.

Por acórdão de 6 de Dezembro de 2007, a Relação de Lisboa decidiu o seguinte: "Negar provimento ao recurso interposto pela arguida A; - Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo assistente B, condenando-se a arguida A a pagar àquele a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de danos morais; - No mais, mantem-se a sentença recorrida".

  1. Do acórdão da Relação recorre agora a arguida A para o Supremo Tribunal de Justiça e conclui assim: "Âmbito do recurso:

    1. O presente recurso visa, em primeira linha, a matéria da indemnização civil, a que deve ficar circunscrito, caso se entenda que a sanção penal não pode ser abrangida, o que, todavia, não é a posição da arguida, por entender que, neste caso, as matérias civil e penal - quanto à ilicitude do seu comportamento - são incindíveis.

    2. Interpretado o art. 400° nº 3 do C.P.P. no sentido de que é admissível um recurso sobre matéria cível, mas já não o é sobre matéria penal, quando está em discussão o pressuposto da ilicitude - comum à matéria cível e penal -, a Recorrente entende que tal entendimento restritivo - por ser arbitrário e desproporcionado - é inconstitucional, por violação do direito ao recurso (art. 32° nº 1 da CRP), o que se deixa arguido.

      Violação do caso julgado C) O Juiz de 1ª instância, através do despacho de fls. 1852, não admitiu o recurso do assistente quanto à parte que dizia respeito à condenação da arguida, mas apenas quanto ao restante, ou seja, quanto à questão da demandada cível.

    3. E, em função disso, a arguida nem respondeu a tal recurso.

    4. Tal despacho transitou em julgado, não tendo sido objecto de qualquer requerimento, arguição de nulidade, pedido de aclaração ou reforma, ou recurso por parte do assistente, que com ele se conformou, centrando-se no que parecia ser a sua única preocupação: a absolvição da demandada cível.

    5. Assim sendo, não pode o acórdão recorrido vir agora "tomar as dores que não são suas", desconsiderando o despacho do Juiz da 1ª instância, que pura e simplesmente não atendeu o requerimento de recurso do assistente na parte que punha em crise a condenação da arguida, com o qual o assistente se conformou.

    6. Nestes termos, o acórdão recorrido, ao apreciar a questão da indemnização cível arbitrada à arguida, ofendeu, de forma manifesta, o princípio do caso julgado, bem como o art. 672° do C.P.C., aplicável por força do disposto no art. 4° do C.P.P., devendo, em conformidade, ser revogado nessa parte.

      A questão da ilicitude H) Não há lugar à indemnização cível se não se verificar o preenchimento do pressuposto da ilicitude do comportamento da arguida.

    7. Ora, a arguida não praticou qualquer facto ilícito, pelo que não pode ser condenada a qualquer indemnização civil, nem, por maioria de razão, a sanção penal.

    8. Os textos em causa são manifestamente uma caricatura satírica, através dos quais a arguida - atendendo à enorme angústia em que vivia e à convicção absoluta que tinha da inocência do seu marido - quis expressar o absurdo da situação em que se encontrava, o que fez através da descrição ficcionada de cenários inventados que tinham apenas por objectivo chamar a atenção, com recurso ao exagero, à metáfora e até ao burlesco, para o facto de, no mundo da justiça, em qualquer país, acontecerem por vezes coisas macabras e inexplicáveis.

    9. As instâncias fundam a sua proposição de que a arguida difamou e quis difamar o assistente nas regras da experiência comum, nunca explicando por que razão é que entendem que tal experiência comum suporta essa tese e ignorando - sem qualquer laivo de análise - a argumentação, séria e detalhada, em que se estriba a posição da arguida.

    10. Porém, a experiência comum dita a proposição inversa, já que, no contexto dos escritos, é manifestamente insensato pretender que a arguida quis atribuir ao assistente o assassinato de quem quer que seja, as surras na filha, a posse de diamantes ou qualquer outra das situações caricatas e até absurdas que os textos descrevem.

    11. A arguida tem o direito à crítica, mesmo que ela se revele através de uma caricatura satírica e mordaz que incomode terceiros, desde. que se retire do seu contexto - como efectivamente acontece - que o seu objectivo é, pelo absurdo e pelo burlesco, chamar a atenção para a possibilidade de as instituições poderem cair no inexplicável e até no macabro. Isso é uma decorrência da liberdade de expressão, que o art. 37° da CRP garante.

    12. Não o reconhecendo, as instâncias ofenderam directamente tal valor constitucional.

    13. Por outro lado, e no limite, perante duas interpretações igualmente admissíveis para a intenção de um texto, as instâncias decidiram-se a favor daquele que incrimina a arguida. Ora, perante essas duas possibilidades - e na falta de qualquer outro meio de prova -, o princípio da presunção da inocência ditaria que tal actuação dolosa não se presumisse de acordo com um mero critério de experiência comum, que, nas situações de dúvida, se revela sempre como falível e, por isso mesmo, insuficiente para ditar a condenação penal de quem quer que seja.

    14. Existe, assim, erro notório na apreciação da prova, uma vez que dos escritos em causa, de acordo com a experiência comum, não se pode presumir a intenção dolosa da arguida, no sentido de querer imputar ao assistente os factos em causa, o que deve levar à sua absolvição quer da sentença penal, quer do pedido de indemnização civil.

      A questão civil Q) Não existindo ilícito, não deve haver lugar a qualquer indemnização civil.

    15. Porém, mesmo que assim se não entenda, o que não há é seguramente fundamento para que a Relação de Lisboa tenha quintuplicado o montante indemnizatório, subindo-o de 5.000 € para 25.000 €! S) Ainda para mais num contexto em que, na motivação do recurso, o assistente não invoca qualquer facto ou argumento a favor dessa modificação.

    16. O acórdão da Relação é um exemplo lapidar da alteração de um valor indemnizatório sem qualquer fundamento, ou seja, feita de forma arbitrária.

    17. Diz-se que o assistente ficou profundamente magoado com as imputações que lhe foram feitas e sem mais nada - sem ponderar qualquer outro dos critérios a que alude o art. 496° nº 3 e 494° do C.C. - quintuplica-se a indemnização! V) Ora, mesmo que se entenda que não pode ser reapreciada a questão penal - dando como assente o...

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