Decisões Sumárias nº 354/10 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelCons. Maria João Antunes
Data da Resolução06 de Setembro de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 354/2010

Processo nº 510/10 1ª Secção

Relatora: Conselheira Maria João Antunes

  1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A., S.A., B., S.A. Sociedade Aberta e C., S.A., foram interpostos recursos, ao abrigo das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 6 de Maio de 2010.

  2. O Supremo Tribunal de Justiça revogou o acórdão recorrido na parte em que determinou que os créditos reconhecidos das instituições bancárias recorridas, garantidos por hipoteca, fossem graduados imediatamente antes dos créditos laborais e determinou que os créditos laborais dos recorrentes fossem graduados imediatamente antes dos créditos reconhecidos das instituições bancárias recorridas, garantidos por hipoteca.

    Foi utilizada a seguinte fundamentação:

    8. Cabe então apreciar a questão relativa à ordem de graduação dos créditos laborais dos recorrentes e dos créditos hipotecários dos recorridos, começando pela determinação da lei aplicável para o efeito.

    Entendeu a primeira instância que os créditos laborais em causa neste recurso são abrangidos pelo regime constante do artigo 377º do Código do Trabalho, na versão vigente à data em que os créditos foram graduados (não interessam agora as alterações posteriormente introduzidas no mesmo Código, nomeadamente e em especial o actual artigo 333º).

    Ora, o momento relevante para aquela determinação, como em geral se reconhece, é o da declaração de falência (do trânsito em julgado da sentença respectiva), já que é então que se tornam imediatamente exigíveis as obrigações do falido, se estabiliza o respectivo passivo, se procede à apreensão de bens e se segue a reclamação de créditos, abrindo-se o concurso de credores (…).

    Não é pois aplicável, neste processo, o artigo 377º do Código do Trabalho, que apenas veio a entrar em vigor posteriormente ao trânsito da sentença que declarou a falência.

    É, assim, à luz do disposto no artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, na redacção que dele resultou da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, em virtude do disposto no seu artigo 3º (que determina a sua aplicação “às acções pendentes em que não tenha havido sentença de verificação e graduação de créditos”), que a graduação deve ser efectuada.

    Ora entende-se que:

    – O nº 1 do artigo 12º da Lei nº 17/86 se aplica tanto aos créditos resultantes de remunerações em atraso, como aos que emergem de violação ou de cessação dos contratos de trabalho (…)

    – Não é aplicável o artigo 4º da Lei nº 96/2001, por ter entrado em vigor posteriormente à declaração de falência;

    – Pela mesma razão, também não são aplicáveis aos caso as alterações introduzidas nos artigos 735º, nº 3, 749º e 751º do Código Civil, decorrentes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.

    É portanto em função do disposto no nº 3 do artigo 12º da Lei nº 17/86 que cumpre determinar se os créditos laborais em causa neste processo devem ser graduados antes ou depois dos créditos dos recorridos, garantidos por hipoteca.

    9. Decidiu-se no acórdão recorrido que “os créditos reclamados que gozam de garantia real resultante das hipotecas, como acontece com os reconhecidos créditos das instituições bancárias (...) aqui recorrentes, têm prevalência sobre os reconhecidos créditos dos trabalhadores e, daí, deverem ser graduados antes destes”.

    É conhecida a controvérsia jurisprudencial e doutrinal a propósito da questão de saber se, no confronto entre os privilégios imobiliários gerais conferidos aos créditos laborais pelas Leis nºs 17/86 e 96/2001, e a hipoteca (registada em data anterior à constituição dos créditos laborais) de que beneficiem outros credores, incidente sobre os mesmos bens, devem prevalecer aqueles – porque, embora gerais, são imobiliários, valendo assim a ordem prevista n artigo 751º do Código Civil – ou estes – porque os privilégios dos trabalhadores, embora imobiliários, são gerais, sendo portanto aplicável o regime do artigo 749º do Código Civil (ver os acórdãos e doutrina atrás citados, também a título de exemplo, sendo esta última interpretação claramente maioritária).

    E sabe-se que tal controvérsia está ultrapassada desde a entrada em vigor das já referidas alterações introduzidas no Código Civil pelo Decreto-Lei nº 38/2003, tendo todavia ainda relevância em casos residuais, aos quais, como agora ocorre, tal regime não é aplicável.

    10. Recorrentes e recorridos entendem ocorrer uma lacuna quanto ao regime a aplicar à graduação relativa dos dois grupos de créditos, por entenderem que, nem a Lei nº 17/86, nem o Código Civil o prevêem (interpretação que a relatora começou por subscrever, mas que abandonou por não se afigurar, na realidade, nem necessária, nem correspondente à intenção de intensa protecção dos créditos abrangidos pela Lei nº 17/86).

    Os recorrentes defendem que tal lacuna se há-de preencher aplicando, por analogia, o regime constante do artigo 751º do Código Civil (fazendo prevalecer os privilégios sobre a hipoteca); os recorridos, diferentemente, apontam a regra de que os privilégios gerais não valem contra terceiros, titulares de direitos sobre os mesmos bens e que sejam oponíveis ao credor (artigo 749º do Código Civil), para justificar a prevalência dos créditos garantidos por hipoteca.

    Segundo o disposto no nº 3 do artigo 12º da Lei nº 17/86, a graduação dos créditos (identificados nos nºs anteriores) “far-se-á pela ordem seguinte: b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à Segurança Social”.

    O artigo 748º do Código Civil esclarece qual a ordem de graduação dos créditos com privilégio imobiliário, referindo-se, nas alíneas b) e c), aos créditos garantidos com privilégio imobiliário especial referidos no seu artigo 744º; não trata dos créditos “por despesas de justiça” porque, para esses, existe a regra específica do artigo 746º.

    No confronto com garantias de terceiros, o artigo 751º (na redacção anterior à que resultou do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março) esclarecia que “os privilégios [imobiliários] são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores”

    Ora, se os créditos garantidos com os privilégios deviam ser graduados antes de créditos que hipoteticamente fossem abrangidos pelo artigo 748º e se estes, a existir, seriam graduados antes dos que beneficiavam de hipoteca anteriormente registada, parece inevitável concluir que aqueles haviam de ser graduados antes destes.

    Naturalmente que o artigo 751º do Código Civil tinha inicialmente em conta apenas privilégios imobiliários especiais, pois que, no nº 3 do seu artigo 735º se estabelecia que ‘‘os privilégios imobiliários são sempre especiais”. Mas a verdade é que o legislador português, em diplomas posteriores ao Código Civil, veio alterar tal configuração dos privilégios imobiliários, criando privilégios imobiliários gerais...

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