Acórdão nº 187/12 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Abril de 2012

Data17 Abril 2012
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 187/2012

Processo n.º 484/2011

Plenário

Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Um grupo de deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores requereu ao Tribunal Constitucional, nos termos do disposto na alínea g) do nº 2 do artigo 281.º da Constituição da República e do nº 1 do artigo 51.º da Lei nº 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional: doravante LTC), a declaração, com força obrigatória geral, da ilegalidade da norma constante do artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional nº 6/2011, de 10 de março, que estabelece o regime jurídico das farmácias de oficina na Região Autónoma dos Açores.

      Sob a epígrafe “Condições gerais de abertura e transferência”, dispõe do seguinte modo a norma impugnada: “[a]s condições gerais e específicas de instalação, abertura e transferência de farmácias são definidas por decreto regulamentar regional, no prazo de 90 dias, a contar da publicação do presente diploma.”

    2. O Requerente fundamentou o seu pedido de acordo com os seguintes argumentos essenciais:

      O Decreto Legislativo Regional nº 6/2011, de 10 de março, estabelece o regime jurídico das farmácias de oficina na Região Autónoma dos Açores.

      Este decreto foi aprovado ao abrigo do artigo 227.º, nº 1, alínea a) da Constituição em conjugação com o artigo 59.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores e, ainda, em conformidade com o princípio da supletividade da legislação nacional estabelecido no artigo 228.º, nº 2, da lei fundamental (não sendo neste contexto relevante saber se existe nesta matéria, como parece existir, uma reserva ou uma exclusividade de competência legislativa a favor da Região Autónoma).

      Sucede, porém, que o artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional nº 6/2011/A, veio, sob a epígrafe "condições gerais de abertura e transferência", remeter para decreto regulamentar regional as "condições gerais e específicas de instalação, abertura e transferência de farmácias".

      Ora, nos termos do disposto no artigo 59.º do EPARAA, compete à Assembleia Legislativa Regional legislar em matéria de política de saúde e, especificamente, nos termos da alínea e) do nº 2 deste artigo, quanto ao “regime do licenciamento e funcionamento das farmácias e o acesso ao medicamento”.

      Esta disposição constitui uma reserva de lei, isto é, de decreto legislativo regional.

      No que ao pedido formulado interessa, tal reserva legislativa quanto ao “regime de funcionamento das farmácias” compreende as normas quanto à sua propriedade, à direção técnica, ao pessoal, ao licenciamento e titulação de alvará, funcionamento da farmácia, condições de abertura, instalação e transferência de farmácias (compreendendo as normas quanto às específicas condições para a instalação de farmácias, em função do número de habitantes de uma determinada localidade) e dispensa de medicamentos.

      Isto é, o “regime de funcionamento das farmácias” ? o acervo normativo a que se submete o licenciamento e o funcionamento das farmácias de oficina na Região Autónoma dos Açores (normas, regras ou princípios) ? é competência legislativa da Assembleia Legislativa, sob a forma de Decreto Legislativo Regional.

      O fim daquela norma constante da alínea e) do nº 2 do artigo 59° do EPARAA é o de: i) estabelecer uma reserva de Decreto Legislativo para todo o “regime de funcionamento das farmácias”; ii) subtrair à atividade administrativa as matérias compreendidas no âmbito daquele regime.

      As matérias relativas às “condições gerais e específicas de instalação, abertura e transferência de farmácias” estão indiscutivelmente compreendidas no regime jurídico das farmácias.

      Tais matérias não podem ser objeto de “definição” por Decreto Regulamentar Regional, como dispõe a norma questionada.

      A referida norma ofende portanto a reserva de lei estabelecida pelo 59.º do EPARAA, a qual é uma reserva legal total quanto às matérias cobertas pelo regime jurídico de licenciamento e funcionamento das farmácias.

      Além do mais, a norma daquele artigo 27.º contém uma impossível autorização legislativa concedida ao Governo Regional, conforme decorre do disposto no nº 1 do artigo 232.º da Constituição.

      Nestes termos, o Requerente pede que o Tribunal declare a ilegalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 27.° do Decreto Legislativo Regional nº 6/2011, de 10 de março, por violação da reserva de lei estabelecida na alínea e) do nº 2 do artigo 59.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.

    3. O Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, notificado, nos termos do artigo 54.º da LTC, para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, veio responder essencialmente nos termos seguintes:

      As assembleias legislativas das regiões autónomas dispõem de competência legislativa genérica, no âmbito regional, em matérias enunciadas nos respetivos estatutos político-administrativos que não estejam reservadas aos órgãos de soberania.

      As disposições dos artigos 112°, nº 4, 227°, nº 1, e 232°, nº 1, da CRP configuram uma efetiva reserva de lei formal a favor das assembleias legislativas das regiões autónomas, nos precisos termos aí enunciados, mas não autorizam o entendimento de que estejamos perante uma reserva de lei material, impondo às assembleias legislativas das regiões autónomas a completa conformação de todas as matérias de competência legislativa enunciadas nos respetivos estatutos político-administrativos.

      Sempre e em qualquer matéria de competência legislativa das assembleias legislativas das regiões autónomas, cabe à lei material (decreto legislativo regional) a regulação das opções políticas primárias, ficando fora desta tudo o que respeite ao desenvolvimento de princípios gerais ou à fixação de condições específicas.

      No caso em apreço, importa saber se o decreto regulamentar regional é, do ponto de vista da conformidade com a CRP e com o EPARAA, a forma adequada e suficiente para o estabelecimento normativo de desenvolvimento dos princípios gerais e de determinação das condições específicas de instalação, abertura e transferência de farmácias na Região Autónoma dos Açores, ou se se preferir, importa saber se o Governo Regional o pode fazer no exercício da sua função administrativa.

      É conhecida e apontada por diversos autores a problemática do crescente protagonismo metodológico da Administração na concretização do direito aplicável, a chamada “transfiguração material da própria legalidade” e o fenómeno das “normas legais em branco”, enquanto expressão de uma remissão material para valorações que conferem ao aplicador uma especial “elasticidade” adaptativa da norma legal ao caso concreto.

      O requerente, no pedido dirigido ao Tribunal Constitucional, parte do errado pressuposto de que compete ao legislador (através de decreto legislativo regional) o desenvolvimento dos princípios gerais e a determinação das condições específicas de instalação, abertura e transferência de farmácias, ou seja, de que a conformação de toda a arquitetura normativa até ao mais ínfimo pormenor do regime jurídico das farmácias na Região Autónoma dos Açores constitui reserva de lei material.

      Ora uma tal interpretação arcaica da reserva de lei material, baseada num modelo de legalidade dotado de uma disciplina exaustiva e imperativa de soluções, mostra-se totalmente incompatível com a salvaguarda de valores constitucionais como a descentralização e o pluralismo. É necessário atender a um modelo de lei flexível e aberto à normação administrativa.

      E isto é tanto mais verdade quando ao nível das regiões autónomas só as assembleias legislativas têm competência legislativa, sendo certo que a imprevisibilidade e a rapidez com que as coisas acontecem no mundo atual, juntamente com a complexidade e a tecnicidade crescente das matérias sujeitas a intervenção pública, não se compadecem com uma interpretação rígida da reserva de lei material.

      Ora em concreto, o que sucede é que o Decreto Legislativo Regional nº 6/2011/A, de 10 de março (Regime jurídico das farmácias de oficina na Região Autónoma dos Açores) ? à semelhança do que sucede com o Decreto-Lei nº 307/2007, de 31 de agosto (Regime jurídico das farmácias de oficina) ? estabelece os princípios gerais relativos à instalação, abertura e transferência de farmácias na Região Autónoma dos Açores (cf. os artigos 19°, 26° e 46°), remetendo para regulamento, sob a forma de decreto regulamentar regional, o desenvolvimento desses princípios gerais e as respetivas condições específicas [neste particular, ver a Portaria nº 1430/2007, de 2 de novembro (fixa os procedimentos de licenciamento e de atribuição de alvará a novas farmácias e às que resultam de transformação de postos farmacêuticos permanentes, bem como da transferência da localização das farmácias)].

      Nestes termos, conclui-se que o artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional nº 6/2011/A, de 10 de março, ao dispor que o desenvolvimento dos “princípios gerais” e a determinação das “condições específicas” de “instalação, abertura e transferência de farmácias são definidos por decreto regulamentar regional”, fá-lo no completo respeito pelos preceitos constitucionais e legais vigentes, improcedendo, em consequência, o pedido de declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, da referida norma.

    4. Apresentado e discutido em Plenário o memorando a que alude o artigo 63.º da LTC, cumpre decidir em harmonia com a orientação que aí se fixou.

  2. Fundamentação

    1. O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, na sua atual redação, que resulta das alterações introduzidas pela lei nº 2/2009, de 12 de janeiro, estabelece, no artigo 59.º, nº1, que “compete à Assembleia Legislativa legislar em matéria de política de saúde”. Por seu turno, a alínea e) do nº 2 do mesmo artigo esclarece que “a matéria correspondente à política de saúde abrange, designadamente […] o regime de licenciamento e funcionamento das farmácias e o acesso ao...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
4 temas prácticos
  • Síntese dos diplomas publicados no 2.º trimestre de 2012
    • Portugal
    • Revista portuguesa de Direito do Consumo Núm. 70, June 2012
    • June 1, 2012
    ...(crime de enriquecimento ilícito) RPDC, junho de 2012, n.º 70 279 R PDC Revista Portuguesa de Direito do Consumo Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 187/2012. D.R. n.° 97, Série I de 2012-05-18 – Tribunal Constitucional – Declara a ilegalidade, com força obrigatória geral, da norma const......
  • Acórdão nº 00250/11.4BECBR01094/11.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Outubro de 2014
    • Portugal
    • October 10, 2014
    ...a reduções remuneratórias de pensões tem mantido o referido entendimento. Relativamente às pensões extrai-se do Ac do Tribunal Constitucional 187/2012: “1. O direito à pensão como manifestação do direito à segurança social (artigo 63.º da Constituição) 57. O direito a receber uma pensão de ......
  • Acórdão nº 01320/11.4BRPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Janeiro de 2015
    • Portugal
    • January 16, 2015
    ...a reduções remuneratórias de pensões tem mantido o referido entendimento. Relativamente às pensões extrai-se do Ac do Tribunal Constitucional 187/2012: … E, também se diz no Ac. do Tribunal Constituição n.º 575/2014 Processo n.º 819/14 de 14 de agosto de 2014, que apreciou um pedido de fisc......
  • Acórdão nº 1302/16.0T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Abril de 2018
    • Portugal
    • April 5, 2018
    ...a pretensão de verificação de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade de tratamento laboral (v. Ac do TC n.ºs 396/11, 187/12, 353/12, 317/13, 771/13, 413/14, 364/15 e 338/17, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), mesmo nos caso em que docentes obtivessem ......
3 sentencias
1 artículos doctrinales
  • Síntese dos diplomas publicados no 2.º trimestre de 2012
    • Portugal
    • Revista portuguesa de Direito do Consumo Núm. 70, June 2012
    • June 1, 2012
    ...(crime de enriquecimento ilícito) RPDC, junho de 2012, n.º 70 279 R PDC Revista Portuguesa de Direito do Consumo Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 187/2012. D.R. n.° 97, Série I de 2012-05-18 – Tribunal Constitucional – Declara a ilegalidade, com força obrigatória geral, da norma const......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT