Acórdão nº 163/11 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução24 de Março de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 163/2011

Processo n.º 459/10

  1. Secção

Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280º, nº 1, alínea b), da CRP e do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, invocando, entre outras, a inconstitucionalidade:

    “do disposto no art° 411° n° 5 do Código de Processo Penal no sentido de que o recorrente que pretenda ver o seu recurso de decisão que conheça a final do objecto do processo, apreciado em audiência no Tribunal da Relação deve requerê-lo aquando da interposição do recurso e indicar quais os pontos da motivação de recurso que pretende ver debatidos, sob pena de indeferimento da sua pretensão”;

    “(…) sempre o recorrente havia de ser notificado para aperfeiçoar o seu requerimento especificando quais os pontos do recurso que queria ver debatidos, sob pena de tal interpretação da norma do art° 411° n°5 e 419° n° 3 al. c) do Código de Processo Penal ser, do mesmo passo, inconstitucional por violação do art° 32° n°3 da Constituição”.

  2. Por despacho autónomo, a Relatora proferiu decisão sumária de não conhecimento, em 12 de Julho de 2010, em relação a outras inconstitucionalidades invocadas no presente recurso. Esse despacho foi objecto de reclamação, a qual foi indeferida por acórdão, de conferência, proferido em 30 de Novembro de 2010.

  3. O recorrente produziu alegações escritas quanto às questões de inconstitucionalidade enunciadas supra (§ 1.º), das quais resultam as seguintes conclusões (resumidas):

    (…)

    7ª Na sua forma pura, o sistema de recursos do Código de Processo Penal de 1987 estruturava a defesa do recorrente em duas fases: a motivação do recurso e as alegações (que poderiam ser escritas ou orais). Sendo que, nos dizeres de Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal anotado, 16ª edição, 2007, pag. 921: “As alegações têm função e finalidades diferentes das da motivação; esta destina-se a manifestar porque é que o recorrente discorda da decisão recorrida e a apontar qual o sentido em que, em seu entendimento, deve ser proferida a decisão do tribunal superior, enquanto as alegações, proferidas quando o âmbito do recurso já está definido, se destinam a expor considerações finais já após a audiência”.

    8ª Ora, sendo o direito ao recurso na lei ordinária consagrado como contendo a motivação e as alegações, como vimos de expôr, consagrar uma limitação à faculdade de alegar por parte do recorrente/arguido é limitar-lhe as garantias de defesa e o direito ao recurso.

    9ª Por outro lado, devendo o arguido no requerimento de interposição do recurso, ou seja, antes de elaborar a motivação, requerer que seja realizada a audiência de julgamento no tribunal superior e, consequentemente, manifestar o direito de ser assistido por advogado e de alegar nessa audiência (o que constitui emanação do direito ao recurso, das garantias de defesa, do acusatório, do contraditório e do direito a ser assistido por advogado em todas as fases do processo penal), não pode a lei ordinária coarctar-lhe tais direitos constitucionalmente garantidos exigindo que este, antes de ser oferecida a resposta do Ministério Público na 1ª instância, requeira a audiência no Tribunal de recurso e restrinja o seu objecto.

    10ª Assim sendo, o recorrente é obrigado a restringir o objecto da sua alegação (que já foi delimitado pelas conclusões da motivação), antes de saber qual a posição do Ministério Público e das demais partes no processo (cfr. artº 413º nº1 do Código de Processo Penal), o que se entende que é inconstitucional por violação das garantias de defesa, do direito ao recurso, do contraditório e do acusatório.

    11ª Levado o preceito em causa – artº 411º nº5 do Código de Processo Penal – à letra, como levou o acórdão recorrido, o recorrente teria, como se disse, que requerer que fosse realizada audiência de julgamento e restringir no requerimento de interposição o objecto da audiência no tribunal superior, sendo que se o Ministério Público ou outro sujeito processual rebatesse matéria não abrangida pela delimitação dos aspectos a debater na audiência com novos e valorosos argumentos, citando jurisprudência, doutrina, juntando um parecer ou invocando um documento, o recorrente, espartilhado pela escolha que fez no requerimento de interposição do recurso, já não poderia responder a tal alegação.

    12ª Com efeito, pode o recorrente entender que a sua motivação de recurso constitui peça bastante e elucidativa da sua razão e, após a apresentação da(s) resposta(s) ao recurso, verificar da conveniência na realização da audiência por forma a que, em alegações, chamar a atenção do tribunal para algum aspecto que lhe possa escapar (cfr. neste sentido Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal anotado, 16ª edição, pag.921.

    13ª Assim, na medida em que o disposto no artº 411º nº5 do Código de Processo Penal obriga o recorrente a delimitar o objecto da audiência, deve ser julgado inconstitucional por violação das garantias de defesa, do direito ao recurso, do contraditório e do acusatório e, designadamente, da paridade de armas.

    (…)

    15ª O arguido tem direito a ser assistido por defensor em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória, sendo que em matéria penal essa assistência é obrigatória na fase de recurso (artºs 61º nº1 als. c) e f) e 64º nº1 al. d) do Código de Processo Penal), pelo que o facto de o recorrente não especificar no requerimento de interposição de recurso os pontos da motivação que pretende ver debatidos não é causa de indeferimento do requerido, constituindo um direito discricionário do recorrente (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, pag. 1131).

    16ª O direito do arguido a ser assistido por defensor em todos os actos do processo é um direito fundamental, como tal previsto na Constituição da República Portuguesa, e, assim sendo, tem aplicação directa, só podendo ser restringido pela lei ordinária nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (cfr. o artº 18º nº1 e 2 da Constituição).

    17ª Assim, o arguido tem direito a ser julgado em audiência no tribunal superior e a ser representado por advogado nessa fase processual que não se cinge, nem se pode cingir a um mero trabalho sobre papéis, sob pena de violação do princípio do acusatório, do contraditório e da assistência por advogado.

    18ª Dizer-se que o arguido é obrigatoriamente assistido ou representado por advogado na fase de recurso (seja ele ordinário ou extraordinário) não quer dizer, ou melhor, não quer só dizer que o recurso deve ser assinado por advogado, porquanto se deve entender que a fase de recurso apenas se abre com a remessa dos autos ao tribunal superior. Isto porque se o recurso tiver apenas por fundamento nulidades de sentença, é lícito ao tribunal de 1ª instância repará-las, nos termos do disposto nos artºs 379º nº2 e 414º nº4 do Código de Processo Penal.

    (…)

    20ª Ora, se o arguido, através do seu defensor, no requerimento de interposição de recurso requer o julgamento do recurso em audiência, com supressão do parecer do Ministério Público, nos termos do artº 416º nº2 e, por isso, não havendo resposta ao mesmo e sendo indeferido o requerimento para realização da audiência, o defensor nenhuma intervenção tem na fase de recurso, desde logo porque a sua intervenção, elaborando a motivação é anterior à subida do recurso.

    ...

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