Acórdão nº 79/12 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 79/2012

Processo n.º 641/11

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Por despacho de 20 de julho de 2011 proferido no Tribunal de Instrução Criminal do Porto, julgou-se inconstitucional, por violação dos artigos 202.º, 203.º, 209.º n.º 1 alínea a), 210.º n.º 3, 211º n.º 2 da Constituição (CRP), a norma do n.º 2 do artigo 384.º do Código de Processo Penal (CPP), na redação introduzida pela Lei n.º 26/2010 de 30 de agosto, na medida em que atribui ao juiz do tribunal de instrução criminal competência reservada ao juiz do tribunal de pequena instância criminal. Diz o despacho:

    Nos termos do processo sumário, arts. 381º a 383º do CPP o arguido é apresentado para julgamento.

    E dispõe o art. 384º do CPP, com as alterações introduzidas pela lei nº 26/2010 de 30 de agosto:

    nº 1 - É correspondentemente aplicável em processo sumário o disposto nos artigos 280º, 281º e 282º, até ao início da audiência, por iniciativa do tribunal ou a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do assistente, devendo o juiz pronunciar-se no prazo de cinco dias.

    nº 2 - Se, para efeitos do disposto no número anterior, não for obtida a concordância do juiz de instrução, o Ministério Público notifica o arguido e as testemunhas para comparecerem ... a julgamento.

    Determina e impõe pois esta norma a competência para conhecer do pedido de suspensão provisória do processo no âmbito do processo sumário que corre termos pelo Tribunal de Pequena Instância Criminal não o juiz titular desse órgão de soberania, mas o juiz do Tribunal de Instrução Criminal.

    O que constitui uma violação da Constituição, art. 18º, nº 2 e 102º da LOFT e arts. 202º, 203º, 209º, nº1, al. a), 210.º, nº3 e 211º, nº 2 da CRP.

    Na verdade, dispõe o art. 211º, nº 2 da CRP que “na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas”.

    É nos termos deste normativo constitucional que se encontram criados e instalados nesta Comarca do Porto, os Tribunais de Instrução Criminal, de competência especializada, e os Tribunais de Pequena Instância Criminal, de competência específica, cabendo àqueles exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, e a estes preparar e julgar as causas a que corresponda a forma de processo sumário, no que ora importa reportar, arts. 79º, nº 1 e 102º, nº 1, da LOFT.

    E nos termos do nº 3 do art. 210.º da CRP estes tribunais são equiparados a tribunais de primeira instância, isto é, são uma categoria de tribunal, art. 209.º, n.º 1, al. a) da CRP, e assim, nos termos do art. 202º da Constituição, órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.

    É assim matéria específica da competência do TPIC preparar e julgar as causas a que corresponda a forma de processo sumário, nos termos dos arts. 211.º, n º2, 209º, n.º 1, al. a), 210º, nº 3 e 202º da Constituição e da norma do art. 102º da lei de organização e funcionamento dos tribunais.

    No dizer de Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, em anotação ao referido artigo, “Da asserção qualificadora dos tribunais como órgãos de soberania resulta que cada tribunal consubstancia um órgão de soberania” ...“todos e cada um dos tribunais são órgãos de soberania” pág. 13 e 14. E mais à frente, pág. 15, “a legitimidade dos juízes resulta, nesta perspetiva, do exercício de uma competência que lhes é atribuída por normas organizativas do sistema “. E ainda: “pode invocar-se o modelo constitucional de organização dos tribunais, com claros afloramentos na própria composição de tribunais

    Nem a independência dos tribunais se esgota na independência externa. Merece individualização a autonomia de cada tribunal em face dos demais, divulgadamente dita independência interna..., Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, pág. 38 e 41.

    E é a circunstância de a definição da competência dos tribunais judiciais se processar de acordo com critérios objectivos pré-estabelecidos pela lei ordinária que põe a especialização a salvo da censura da inconstitucionalidade, autores e ob. cit., pág. 138.

    Nos termos da constituição são o TIC e o TPIC, cada um deles, um órgão de soberania, independente e com reserva da função jurisdicional atribuída em proveito do tribunal.

    Como referem os autores supra referidos, págs. 13, a 15, ob. cit.:

    “Todos e cada um dos tribunais são órgãos de soberania.

    “A legitimidade dos juízes resulta, nesta perspectiva, do exercício de uma competência que lhes é atribuída por normas organizativas do sistema ...“, pág. 13, 14 e 15, autores e ob. cit..

    “O principal alcance do nº 1 do art. 202º da Constituição analisa-se no estabelecimento de reserva da competência para o exercício da função jurisdicional em proveito exclusivo dos tribunais. Não são os tribunais – sustenta-se – a saírem definidos pela função jurisdicional. É também esta – prossegue-se – a resultar definida por aqueles”, Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, pág. 24, item VI.

    Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei. Mas esta subordinação à lei deve ser entendida como subordinação não apenas ao bloco de legalidade estrito, mas também à Constituição – autores e ob. cit., pág.

    A independência dos tribunais não se esgota na independência externa. Merece individualização a autonomia de cada tribunal em face dos demais, divulgadamente dita independência interna..., Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, pág. 41.

    Nos termos do art. 204º da Constituição “nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”, o que é o caso, na medida em que o art. 384.º n.º 2 do CPP, com a redacção dada pela lei nº 26/2010 de 30 de Agosto, determina e atribui ao Juiz deste Tribunal de Instrução Criminal a competência reservada ao Juiz do Tribunal de Pequena Instância Criminal, O que viola quer o disposto na Constituição, art.s 202º, 203º, 209º, nº 1, al. a), 210.º n.º 3 e 211º, n.º 2, quer os seus princípios.

    Consequentemente, pela inconstitucionalidade do normativo art. 384.º, n.º 2 do CPP, com a redacção dada pela lei n.º 26/2010 de 30 de Agosto, não o aplicou nos termos do art. 204º da Constituição.

  2. O Ministério Público interpôs recurso deste despacho, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro (LTC), invocando que na decisão recorrida se recusara aplicar – com fundamento expresso em inconstitucionalidade da norma – o artigo 384º n.º 2 do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 26/2010, de 30 de agosto, segundo o qual é o juiz de instrução o competente para dar a concordância à suspensão provisória do processo, nos casos em que o arguido é apresentado para julgamento em processo sumário.

    O recurso foi admitido e o Ministério Público apresentou a sua alegação que, por manifesto interesse processual, integralmente se reproduz:

  3. Delimitação do objecto do recurso

    1.1. A fim de ser julgado em processo sumário no dia que lhe havia sido indicado pelas autoridades policiais que tinham procedido à sua detenção, o arguido apresentou-se ao Ministério Público junto do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto.

    1.2. Os factos indiciavam a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (taxa de álcool no sangue de 1,26g/l), previsto e punido nos termos dos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.

    1.3. O Ministério Público, em despacho fundamentado e obtida a concordância do arguido, determinou, nos termos dos artigos 384.º e 281.º do CPP, a suspensão provisória do processo pelo período de oito meses impondo algumas injunções/regras de conduta e ordenou a remessa do expediente ao Tribunal de Instrução Criminal do Porto, para, eventualmente, ser proferido, pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal despacho de concordância.

    1.4. O Senhor Juiz de Instrução Criminal, após mandar autuar e registar o expediente como processo Sumário, proferiu decisão na qual recusou a aplicação com fundamento em inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 384.º do CPP, na redacção dada pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto “enquanto determina e atribui ao Juiz deste Tribunal de Instrução Criminal a competência reservada ao Juiz do Tribunal de Pequena Instância Criminal”.

    1.5. É desta decisão que, pelo Ministério Público vem interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, uma vez que a decisão recorrida “recusou aplicar o artigo 384.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei 26/2010, de 30 de agosto, segundo a qual é o Juiz de instrução o competente para dar a concordância à suspensão provisória do processo, nos casos em que o arguido é apresentado para julgamento em processo sumário”.

    1.6. A decisão recorrida é idêntica às proferidas, no mesmo tribunal, em processos onde foram proferidas as doutas Decisões Sumárias n.º 223/2011 (da Exm.º Senhora Conselheira Maria Lúcia Amaral), n.º 235/2011 (do Exm.º Senhor Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha) e 241/2011 (da Exm.º Senhora Conselheira Maria João Antunes).

    As Decisões Sumárias referidas não conheceram do objeto do recurso, considerando que não se estava perante uma “verdadeira” recusa de aplicação de norma, com fundamento em inconstitucionalidade.

    Efectivamente, após chegar á conclusão, pela interpretação do direito ordinário, que não era competente, o Senhor Juiz afirma que a solução contrária “constituiria até um desaforamento” o que ofenderia o princípio do juiz natural.

    Ou seja, a inconstitucionalidade surgia apenas como reforço de argumentação ou elemento adicional de interpretação.

    A decisão, ora recorrida, embora idêntica, como se disse, é diferente da que constava dos processos onde foram proferidas as Decisões Sumárias referidas.

    De referir ainda que, para além dos...

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