Acórdão nº 153/12 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelCons. Maria João Antunes
Data da Resolução27 de Março de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 153/2012

Processo n.º 18/11

  1. Secção

Relator: Conselheira Maria João Antunes

(Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira)

Acordam na 1.ª secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 25 de novembro de 2010.

    2. O recorrido foi condenado, em primeira instância, pela prática de um crime de homicídio negligente, previsto e punível no artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal (CP), na pena de suspensão da execução da pena de prisão. Recorreu então para o Tribunal da Relação de Lisboa, que acordou em absolver o arguido, revogando a sentença recorrida e substituindo-a por outra que o absolve.

    3. As assistentes recorreram deste acórdão absolutório da relação para o Supremo Tribunal de Justiça. Por decisão sumária do relator, o recurso foi rejeitado por inadmissibilidade legal, por ser materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 13.º e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), a interpretação dos artigos 399.º e 400.º do Código de Processo Penal (CPP), na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, no sentido de que é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, interposto pelo Ministério Público ou pelo Assistente, do acórdão do Tribunal da Relação, proferido em recurso, que absolveu o arguido por determinado crime e que, assim, revogou a condenação do mesmo na 1ª instância numa pena não privativa da liberdade.

      A questão prévia da recorribilidade do acórdão absolutório foi apreciada e decidida da seguinte forma:

      «Em matéria de recorribilidade no processo penal rege o princípio geral que se encontra enunciado no art.º 399.º do código respetivo, onde se diz que “é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.”

      Os casos em que as decisões judiciais não são recorríveis estão essencialmente tipificados no art.º 400.º do CPP e, por vezes, em normas avulsas, devendo interpretar-se, tanto uma como as outras, como leis de exceção, valendo, na dúvida, a regra geral.

      A decisão recorrida é um acórdão absolutório do Tribunal da Relação, tirado em recurso de decisão da 1ª Instância que condenara o arguido em pena de prisão suspensa na sua execução.

      Será recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça?

      A decisão recorrida é urna decisão final que conheceu do mérito e que não confirmou a condenação da 1ª instância e, por isso, a recorribilidade não está excluída pelas alíneas c) e d) do art.º 400.º do CPP07, a primeira a considerar irrecorríveis os acórdãos da relação que não conheçam, a final, do objeto do processo, a segunda a determinar a irrecorribilidade dos acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância.

      Também não foi aplicada qualquer pena e, por isso, a situação não cabe nos casos de irrecorribilidade das alíneas e) e f) da mesma norma.

      Assim, a decisão não está abrangida pelos casos de irrecorribilidade configurados no art.º 400.º do CPP07, nem em qualquer outra norma legal, pelo que, à primeira vista, tudo aponta para a aplicação da regra geral definida no art.º 399.º, isto é, para a recorribilidade.

      Parece-nos evidente que não se devem esgrimir argumentos de ordem lógico-sistemática para contrariar essa ideia da recorribilidade, como faz o M.º P.º na Relação e no STJ, até porque a regra é a da recorribilidade e, portanto, as exclusões devem ser tratadas de forma restritiva quanto aos casos de não recorribilidade.

      Mas, vejamos o que se diz com tal tipo de argumentos.

      Se o sistema de recursos para o STJ já pecava por ser defeituoso antes da reforma de 2007, depois dela vieram a surgir muitas outras dúvidas, de natureza diferente, que terão resultado de alterações legislativas de última hora introduzidas no projeto inicial de revisão do CPP e que lhe desvirtuaram a linha orientadora.

      Parecem existir duas claras linhas de força nas regras que constam das diversas alíneas da atual redação do art.º 400.º do CPP, quando conjugadas com os art.ºs 427.º e 432º.

      Uma, a do primado da dupla conforme, pelo que, quando duas instâncias estão de acordo quanto à questão de mérito, só se permite uma tripla apreciação em sede de recurso ordinário em casos considerados de grande gravidade. Outra, a de que ao STJ, como última instância de recurso, só cabem os tais casos considerados de grande gravidade, aferida pela pena aplicada e não pela pena aplicável, dada a sua natureza de tribunal de revista, com função essencialmente uniformizadora da jurisprudência.

      Assim, no que respeita ao princípio da dupla conforme, verifica-se que não há recurso para o STJ se a Relação confirmar uma absolvição da 1ª instância ou uma pena que aí tenha sido aplicada até 8 anos de prisão (art.º 400.º, n.º 1, als. d e f , do CPP). E quanto ao princípio de que ao STJ só chegam, pela via do recurso, os casos considerados de maior gravidade, veja-se a norma que não permite o recurso se a Relação condenar o arguido em pena não privativa da liberdade, qualquer que tenha sido a decisão da 1ª instância (absolvição, condenação em multa ou em prisão, etc.) e atente-se na norma que não permite o recurso direto para o STJ de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos (art.º 432.º, n.º 1, al. c).

      Mas estas linhas orientadoras não surgem corno absolutas, pois sofrem de duas ou três exceções, cuja compreensibilidade não é evidente.

      Com efeito, é admitida uma tripla apreciação em sede de recurso nos casos em que a Relação, em decisão desconforme com a 1ª instância, condena o arguido em pena privativa da liberdade, ainda que fixada no mínimo de 30 dias de prisão (art.º 400º, n.º 1, al. e, “a contrario”). A gravidade do caso, aqui, não resulta da duração da pena, como noutras alíneas da mesma norma, mas da circunstância do arguido ter o direito de ver reapreciada a sua situação após a sua primeira condenação em pena privativa da liberdade.

      Mas já não é permitido o recurso ao arguido, por força da mesma alínea e), no caso em que a Relação, em desconformidade com a 1ª instância, que até pode ter tido uma sentença absolutória, o vir a condenar em pena não privativa da liberdade. Aqui, apesar de não haver dupla conforme, o legislador terá entendido que a aplicação de uma mera pena de multa ou de outra não privativa da liberdade por um tribunal superior não tinha dignidade para seguir para a última instância de recurso.

      Por fim, ainda como exceção ao princípio de que ao STJ só chegam os casos mais graves, aferidos pela dimensão da pena aplicada, há a situação presente, em que parece permitir-se o recurso para o STJ, como já vimos, nos casos em que a Relação, em decisão desconforme com a 1ª Instância, absolve o arguido do crime, qualquer que tenha sido a pena aplicada na 1ª instância, mesmo que não privativa da liberdade.

      Esta última situação não parece enquadrar-se no restante esquema legal. Efetivamente, é pouco compreensível que o STJ não possa reapreciar em sede de recurso ordinário um caso em que a Relação confirmou uma condenação numa pena pesada de 8 anos de prisão, mas já o possa fazer se, como é o caso dos autos, o arguido foi condenado na 1ª instância em pena não privativa da liberdade e depois absolvido pela Relação.

      Contudo, não parece que devamos seguir por esta via, pois aos tribunais não cabe discutir o critério legislativo, ou a falta dele, no que respeita às questões que podem ou não chegar ao Supremo Tribunal de Justiça pela via do recurso, umas mais graves que não lhe podem ser colocadas, outras de menor dimensão e que são sujeitas à sua reapreciação. Tal critério, bom ou mau, é definido no âmbito da competência da política legislativa, reservada à Assembleia da República.

      Para além de que a regra geral é a da recorribilidade.

      Não é, pois, por esse motivo, de ordem lógico-sistemática, que se pode recusar a recorribilidade da decisão proferida nestes autos pela Relação.

      *

      Já vimos que a simples leitura dos art.ºs 399.º e 400.º do CPP permite que existam em simultâneo estas duas situações:

      - não é recorrível para o STJ o acórdão da Relação, proferido em recurso, que condenou o arguido numa pena não privativa da liberdade por determinado crime e que, assim, revogou a absolvição da 1ª instância (art.º 400.º, n.º 1 , al. e, do CPP);

      - é recorrível para o STJ o acórdão da Relação, proferido em recurso, que absolveu o arguido por determinado crime e que, assim, revogou a condenação do mesmo na lª instância numa pena não privativa da liberdade (art.ºs 399.º e 400º, este “a contrario”).

      Trata-se, porém, da mesma situação, embora em posições invertidas, pois uma é simetricamente o inverso da outra. Apesar da manifesta semelhança, há um tratamento legislativo diferente ao nível da interposição dos recursos.

      A primeira situação não é passível de um juízo de inconstitucionalidade.

      Na verdade, o art.º 32.º, n.º 1, da Constituição dispõe que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

      É indiscutível, portanto, que o direito ao recurso faz parte do núcleo fundamental dos direitos de defesa.

      Sobre esta questão há jurisprudência firme do Tribunal Constitucional desde há muitos anos.

      (…)

      Mas, o Tribunal Constitucional tem reafirmado em diversos acórdãos e ao longo dos anos que «A Constituição não impõe ao legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer ato do juiz admitindo-se embora, no processo penal, o direito a um duplo grau de jurisdição como decorrência da exigência constitucional do princípio da defesa, mas, já não o direito a um triplo grau de jurisdição» (v.g. Acs. do TC n.ºs 163/90 de 23-05-1990, 331/02 de...

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