Acórdão nº 347/08.8TBMGL.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Abril de 2012

Data17 Abril 2012
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA propôs acção declarativa com processo ordinário contra o “Instituto de Segurança Social-IP, Centro Nacional de Pensões, pedindo o reconhecimento de que viveu em união de facto com BB, a declaração de que a herança deste não tinha bens e que consequentemente era titular das prestações por morte (pensão de sobrevivência) no âmbito dos regimes da segurança social.

Para tanto alegou, em síntese, que viveu em união de facto com o referido BB de 1998 até 3 de Outubro de 2004, data do óbito daquele beneficiário da segurança social, falecido no estado de divorciado, sem quaisquer bens, e que tem necessidade de alimentos, não os podendo obter da herança daquele nem de qualquer uma das pessoas referidas nas alíneas a) a d), do artigo 2009º do Código Civil.

O Centro Nacional de Pensões contestou a acção, dizendo não saber da veracidade dos factos alegados pela Autora, pugnou pela improcedência da acção ou pelo seu julgamento de acordo com a prova produzida.

O processo seguiu seus termos e, a final, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, declarando que a Autora e BB viveram em união de facto e que o último faleceu sem deixar quaisquer bens, mas absolveu o Réu da parte restante do pedido.

A Autora apelou, mas a Relação de Coimbra confirmou essa decisão, com um voto de vencido, e, de novo inconformada, interpôs recurso de revista excepcional, que não foi admitido pelo acórdão de fls. 477 a 482, da formação prevista no nº 3 do art.º 721º-A do Cód. de Proc. Civil que ordenou a sua distribuição como revista-regra.

A Recorrente finalizou a sua alegação, com as seguintes extensas conclusões[1]: 1 - Deve entender-se que, nas acções ainda pendentes, o reconhecimento do direito à atribuição da pensão de sobrevivência ao convivente em união de facto com o beneficiário falecido será feito de acordo com as novas exigências legais, ou seja, a Lei 23/2010".

2 - Em casos como o dos autos, em que a situação ainda não se encontrava decidida aquando do início de vigência da nova Lei n.° 23/2010, trata-se de um caso de conteúdo de relações jurídicas já constituídas e subsistentes à data da entrada em vigor daquela lei, e a que esta se aplica, nos termos do artigo 12.°, n.° 2, 2ª parte do CC.

3 - O factor em que assenta o direito ao benefício da atribuição das pensões de sobrevivência em causa, não é o óbito do beneficiário que vivia em união de facto com o membro sobrevivo que agora pretende fazer valer o referido direito, mas sim a situação de união de facto em si mesma considerada, ou seja, factor determinante e pré-existente à dissolução da união de facto é a própria união de facto.

4 - Ao contrário do sustentado pela sentença e acórdão recorridos, deve entender-se que o falecimento de um dos membros da união de facto apenas serve de elemento desencadeador do exercício dos direitos que nascem da situação de união de facto que se verificou anteriormente ao óbito do beneficiário falecido.

5 - É inegável, no caso concreto, que a situação de união de facto se constituiu e perdurou anteriormente ao início da vigência da nova lei, contudo, a situação jurídica que permite ao elemento sobrevivo da união de facto reivindicar o direito em causa já estava constituída, mas subsistente, aquando da entrada em vigor da nova lei.

6 - Assim, uma vez ocorrido o período mínimo legalmente exigido de vivência em união de facto, por referência ao falecimento de um dos seus membros, estão reunidas as condições para que ao membro sobrevivo sejam atribuídos os direitos resultantes daquela união de facto, e a possibilidade de accionar tais direitos apenas fica condicionada, no caso, pela morte de um dos seus membros.

7 - Ocorrida esta, no domínio de vigência da lei antiga, mas permanecendo por resolver a questão da atribuição de tal direito (os presentes autos encontravam-se pendentes quando surge a nova Lei n.° 23/2010), aquando da entrada em vigor do novo regime, trata-se, então, de uma situação jurídica já constituída e pré-existente e subsistente aquando do início de vigência da lei nova, situação essa a que se aplica directa e imediatamente aquela lei nova, nos moldes acima já referidos.

8 - Aplicando toda a fundamentação vinda de expor ao caso dos autos e perante a matéria que foi considerada como provada, é forçoso concluir que a acção deveria ter sido considerada totalmente procedente por provada, e consequentemente deveria ter sido o réu condenado não só a reconhecer, como foi declarado, que a recorrente e o falecido BB viviam em união de facto entre si, falecendo este sem deixar quaisquer bens, mas também o réu ter sido condenado a reconhecer que a recorrente é titular das prestações por morte (pensão de sobrevivência) no âmbito do regime de segurança social.

9 - Concluir de forma diferente como decidiram a 1ª e a 2ª instâncias, como seja, não aplicando, a casos como o dos autos, a Lei n.° 7/2001 na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 23/2011, traduz-se numa flagrante e injustificada violação dos "princípios da universalidade, da igualdade e da equidade social expressamente previstos nos artigos 6º, 7º e 9º, respectivamente, da Lei n° 4/2007 de 16/01 (diploma que aprova as bases gerais de segurança social).

10 – O entendimento plasmado nas decisões da 1ª e 2ª instâncias, quanto à não aplicação das alterações introduzidas pela Lei n.° 23/2010 a casos como o dos autos, é inconstitucional, por violador dos princípios da universalidade, da igualdade, consagrados em geral nos artigos 12° e 13° da Constituição da República Portuguesa e em particular no artigo 63° (quanto à atribuição de prestações sociais) também da Constituição.

11 - Da matéria de facto dada como provada e constante dos pontos 1) a 10 da sentença proferida, e que a recorrente, por brevidade de exposição, aqui dá por reproduzida, verifica-se que, como de resto foi admitido pelo tribunal a quo, comprovada ficou a existência da união de facto por mais de dois anos entre a recorrente e o falecido BB, este beneficiário do regime da segurança social.

12 - Mostrando-se comprovada tal circunstância da vivência em união de facto, tanto basta para que, por si só, ao abrigo da Lei n.° 23/2010 aplicável ao caso concreto (que prescinde da necessidade de alimentos), com os fundamentos e nos termos supra expostos nos doutos acórdãos supra identificados e não só, seja reconhecido e concedido à recorrente o direito às prestações por morte do falecido BB, o que não sucedeu nos autos, tendo o tribunal a quo violado aquela Lei n.° 23/2010.

13 - Caso assim não se entenda, ou seja, caso se venha a considerar que ao caso concreto é de aplicar a Lei n.° 7/2001 na redacção em vigor à data do óbito, então mesmo por essa via teria de se concluir da mesma forma, ou seja, julgar-se a acção totalmente procedente por provada, condenando-se o réu não só a...

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