Acórdão nº 08B761 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução27 de Março de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA intentou, no dia 9 de Outubro de 2003, contra a Companhia de Seguros BB, SA, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 227 971,15 e juros de mora legais a contar da citação, e o que seja obrigado a despender para tratamento clínico do filho até à cura definitiva.

Fundamentou a sua pretensão em danos patrimoniais e não patrimoniais em virtude de lesões sofridas em acidente de viação ocorrido no dia 1 de Novembro de 2000 em Ílhavo, consubstanciado no embate com o seu veículo com a matrícula nº .......... no veículo pesado com a matrícula nº .........., quando o condutor deste efectuou uma manobra de marcha atrás, para entrar numa vacaria ali existente, atravessando-se na sua hemi-faixa de rodagem.

A ré, em contestação, referiu que também o autor contribuiu para o acidente, em virtude do excesso de velocidade a que circulava, patente nos rastos de travagem, e que desconhecia parte dos danos por ele invocados.

Citado o Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro, este pediu o reembolso de € 4 961, 63 e juros, em função do que afirmou ter pago ao autor durante o período de doença, consequência do acidente, pedido que a ré contestou por remissão para o primeiro referido instrumento de contestação, afirmando desconhecer os factos.

Proferido despacho saneador e elaborada a especificação e a base instrutória, e junto o relatório médico apresentado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, o autor requereu fosse considerada a ampliação do pedido para o montante global de € 270 363,69, o que foi admitido.

Realizado o julgamento, produzidas pelo autor alegações de direito, foi proferida sentença, no dia 19 de Janeiro de 2007, por via da qual a ré foi condenada pagar ao autor € 155 024,15 e juros de mora à taxa legal desde a citação, e ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social € 3 721,22 e juros de mora à taxa legal desde a notificação da ré.

Apelaram o autor e a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 16 de Outubro de 2007, julgou o recurso de apelação da ré improcedente e parcialmente procedente o do autor, e condenou aquela a pagar a este € 206 698,86, e ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro € 4 961,63, mantendo o conteúdo da sentença quanto a juros.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o recorrido violou o dever de cuidado e prudência no exercício da condução, por circular a velocidade superior a 50 quilómetros por hora em via marginada por edificações, pelo que violou o artigo 25º, nº 1, alínea c), do Código da Estrada.

- contribuiu para a verificação do evento em 25%, percentagem em que deve ser reduzida a indemnização, atento o disposto no artigo 570º do Código Civil; - a compensação pelos danos não patrimoniais, atendendo ao disposto nos artigos 494º e 496º, nº 3, do Código Civil e à jurisprudência dominante, deve ser fixada em € 25 000, sujeita à redução de 25%; - no cálculo do valor do dano futuro deve ser tido em conta que as sequelas não impedem a actividade profissional do recorrido, só implicando esforço acrescido em termos de rebate profissional, e o critério da diferença previsto no artigo 566º, nº 2, do Código Civil, devendo ser usados juízos de equidade; - não podia ser aplicada pura e simplesmente uma das várias fórmulas de cálculo usadas nem ser considerada a incapacidade permanente de 27,5%, e devia ter-se atendido a juízos de equidade, não se centrando apenas numa fórmula matemática; - tem que se distinguir entre a incapacidade permanente geral de 20% correspondente à diminuição actual do recorrido, que o acompanhará para o resto da vida, e a de 7,5% a título de dano futuro, que irá, com toda a previsibilidade, afectá-lo no futuro; - o agravamento de 7,5% no futuro deve ser atendido conforme o disposto no artigo 564º n.º 2, do Código Civil, não pode ser adicionado ao dano presente, pelo que se violou o princípio da equidade, sob pena de constituir um locupletamento; - afigura-se razoável considerar que, no período de vida útil activa considerada de 47 anos, esse agravamento se poderá concretizar no espaço de 10 a 15 anos; - a consideração dos elementos apurados e da incapacidade geral de 20% implica o montante indemnizatório de € 55 008,95, e o referido agravamento futuro de 7,5%, dado o recebimento antecipado, deve ser fixado em montante não superior a € 15 000; - corresponderia à globalidade do dano em análise uma indemnização de € 70 000, que, atendendo à graduação da culpa na produção do acidente, corresponderia a uma indemnização a atribuir ao recorrido no montante global de € 52 500.

- o acórdão recorrido violou o artigo 25º, nº 1, alínea c), do Código da Estrada, não fez correcta subsunção dos factos ao direito aplicável, violando o disposto nos artigos 494º, 496º, 562º, 563º, 566º nºs 2 e 3, e 564º, todos do Código Civil; - deve ser reconhecido que o recorrido contribui para o acidente e o agravamento dos danos em 25%; - deve ser fixada em € 25 000 a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido, e em € 70 000 a indemnização a título de lucro cessante pela incapacidade geral de 20% mais 7,5% a título de dano futuro; - devem os referidos montantes e o que foi arbitrado ao recorrido por incapacidade total para o trabalho, reembolso de despesas e valor do veículo, bem como a indemnização atribuída ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social, ser reduzidos de 25%.

Respondeu o recorrido, em síntese de conclusão de alegação: - o limite de velocidade para o local era de noventa quilómetros por hora e seguia com velocidade adequada para o local; - não era obrigado a prever a falta de prudência do condutor do veículo pesado; - o condutor do veículo pesado desenvolveu sem sinalizar as manobras perigosas de marcha atrás e de mudança de direcção, aquela proibida face às condições da via, que foram a causa adequada do embate por grave distracção e grosseira negligência; - não podia o recorrido prever que o condutor do veículo pesado, parado na metade esquerda da via, sem luzes, junto à berma, de noite, quase cerrada, estivesse tripulado e lhe obstruísse a linha de trânsito em manobra duplamente perigosa; - a velocidade a que seguia não foi quantificada, não se podendo considerar não moderada; - ainda que assim não fosse, não contribuiu para a produção do acidente ou agravamento dos danos, porque a sua conduta não foi dele causal; - o dano não patrimonial está correctamente fixado; - não pode dissociar-se quanto à incapacidade permanente o dano vencido e o dano vincendo, tanto mais que sendo o recorrido um jovem, é no longo futuro penoso que tem à sua frente que tal incapacidade se fará sentir.

II É a seguinte a factualidade considerada assente no acórdão recorrido: 1. Representantes da ré e de Lacticínios do Paiva, SA declararam por escrito, consubstanciado na apólice n.° ............, antes de 1 de Novembro de 2000, assumir a primeira, mediante prémio a pagar pela última, a responsabilidade civil por danos caus.........

  1. O autor, que nasceu no dia 6 de Dezembro de 1979, era beneficiário do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro, adquiriu a CC, no dia 17 de Junho de 2000, uma quota de 37,5% na sociedade .......... - Padaria, Ldª, cujo objecto social era o fabrico e comércio de pão, padaria, charcutaria e café, tendo sido nessa data nomeado gerente, do que auferia, como remuneração, a quantia de € 318,23.

  2. À data de 1 de Novembro de 2000, o autor era uma pessoa robusta, saudável e alegre, com grande entusiasmo pela vida em todos os seus planos de realização pessoal e profissional, tendo acabado de cumprir o serviço militar obrigatório em Dezembro de 1999 e, em Janeiro de 2000, começou uma intensa actividade profissional, tendo-se estabelecido, por conta própria, como pintor da construção civil, ao mesmo tempo que desempenhava as funções de gerente mencionadas sob 2.

  3. Logo no ano de 2000, o autor realizou vários trabalhos no domínio da pintura na construção civil, em Aveiro, Vagos e Ílhavo, actividade da qual auferiu rendimentos liquidos superiores a € 598,56 mensais.

  4. No dia 1 de Novembro de 2000, cerca das 06.25 horas, com tempo chuvoso, na Rua Tomé Barros Queirós, em Íhavo, cuja faixa de rodagem media 5,8 metros de largura, com a configuração de recta com cerca de 400 metros de comprimento, ocorreu o embate entre veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula nº ........., conduzido pelo autor, e o veículo pesado de mercadorias com a matrícula nº .........., pertencente a Lacticínios do Paiva, SA", conduzido pelo motorista desta, DD, com conhecimento autorização, no interesse, ao serviço e sob direcção daquela.

  5. No local do embate, a faixa de rodagem tem piso em asfalto, dividido a meio com linha descontinua, e a recta referida sob 5, considerando o sentido de marcha do veículo .........., é ladeada, em ambos os lados e desde o seu início, por casas de habitação, as quais se prolongam até à vacaria mencionada sob 7, existindo, depois desta e do lado esquerdo da via, considerando esse mesmo sentido, mais duas outras casas de habitação, estas afastadas cerca de 30 metros da estrada.

  6. O veículo automóvel com a matrícula nº .........., conduzido pelo autor, seguia no sentido Quintãs - Ervosas, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha, e, em sentido contrário, parado na metade direita da via, considerando o sentido Ervosas - Quintãs, encontrava-se o veículo automóvel com a matrícula nº .........., que ia recolher leite a uma vacaria situada na margem esquerda da via, tendo em atenção aquele mesmo sentido, que posteriormente transportaria para as instalações da empresa, onde seria transformado em produtos lácteos.

  7. Ao entrar na recta acima referida, o autor viu, a sensivelmente 300 metros de distância, o veículo automóvel com a matrícula nº .........., que se...

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