Acórdão nº 428/03.4GCVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelJORGE GON
Data da Resolução05 de Março de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório 1.

No processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 428/03.4GCVIS, do 2.º Juízo de Competência Especializada Criminal, do Tribunal Judicial de Viseu, os arguidos A… e J… foram condenados, para além do que se reporta ao pedido de indemnização civil: A….., pela prática, em autoria material e em concurso real, de quatro crimes de violação agravados, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º1 e 177.º, n.º4, do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão por cada um deles; pela prática, em autoria material e em concurso real, de quatro crimes de coacção grave, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º1 e 155.º, n.º1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um deles; em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 12 anos de prisão; J………., pela prática, em autoria material e concurso real, de dois crimes de coacção sexual agravados, p. e p. pelos artigos 163.º, n.º1 e 177.º, n.º4, do Código Penal, nas penas de 3 anos de prisão e de 2 anos de prisão; pela prática, em autoria material, de um crime de coacção grave, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º1 e 155.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão; em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 4 anos de prisão.

Ambos os arguidos, inconformados com o acórdão condenatório, recorreram para a Relação de Coimbra, que manteve a decisão recorrida.

Recorreram novamente os arguidos, agora para o Supremo Tribunal de Justiça, que reduziu para 9 anos de prisão a pena conjunta relativa ao arguido A……, tendo sido negado provimento ao recurso interposto por J……...

Este interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, que veio a ser julgado deserto.

  1. Já em cumprimento de pena, veio J………, ao abrigo do disposto no artigo 371.º-A, do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, requerer a reabertura da audiência a fim de lhe ser aplicado retroactivamente o regime penal mais favorável.

  2. Procedeu-se à reabertura da audiência, após o que o tribunal colectivo decidiu suspender a execução da pena de prisão imposta ao mencionado arguido, pelo período de quatro anos, com regime de prova.

  3. Discordando de tal decisão, veio o Ministério Público interpor recurso, alegando, na sua motivação e conclusões, em síntese, o seguinte: «Em face das circunstâncias inerentes à prática dos crimes - e não obstante a restante matéria fáctica agora aduzida, sobre as actuais condições pessoais do arguido -, julgamos que não se revelam nos autos os pressupostos de que depende uma decisão de suspensão da execução da pena de prisão normativamente justa e criteriosa e ético-socialmente eficaz.

    Efectivamente, não cremos que, no caso e em concreto, a aplicação de tal medida, de carácter excepcional, realize, pela simples censura do facto e a ameaça da prisão, de forma adequada as finalidades da punição.

    Como bem foi frisado no referido acórdão condenatório: - É elevado o grau de ilicitude dos factos, pela natureza dos actos de cariz sexual praticados sobre a menor; -Foram altamente gravosas para a menor as suas consequências, especialmente ao nível psicológico, emocional, afectivo e intelectual; -É elevada a intensidade do dolo (directo); -o arguido traiu a confiança decorrente da proximidade física e psicológica face à ofendida, em virtude dos laços de afinidade que ligavam ambos e da efectiva familiaridade de que ele gozava no seio do seu agregado familiar, abusando, pois, também, das especiais relações que mantinha com os respectivos progenitores, circunstâncias que expressam uma enorme indiferença por aqueles laços (que, contra o que era razoável de esperar, não se constituíram em factores de inibição).

    Em síntese: -São, em concreto, prementes as necessidades de prevenção, quer especial, quer geral; -Os crimes sexuais constituem, precisamente, um dos domínios em que actualmente mais se fazem sentir as necessidades de prevenção.

    -Não se denota dos autos um efectivo, sincero e desinteressado arrependimento do arguido.

    Por outro lado, estamos seguros que a normatividade jurídico-penal e a significação ético-social desta matriz discursiva não é descaracterizada em virtude de o arguido: -Ter admitido parcialmente a prática dos factos; -Se haver apresentado voluntariamente na autoridade policial para ser conduzido ao Estabelecimento Prisional de Braga a fim de cumprir a pena de 4 anos de prisão que lhe foi aplicada; - Ter condições objectivas de estabilidade no seu agregado familiar de origem (que já antes de decretada a suspensão o desculpabilizava perante terceiros – cfr. o relatório social pedido para a reabertura da audiência), que lhe permitem opções de vida positivas (mantém, efectivamente, uma relação amorosa com uma rapariga de 17 anos, a idade actual da sua vítima); -Não ter antecedentes criminais.

    Insistimos, pois: Num esforço de prognose, revela-se razoável - quase imperativo, diríamos - supor que a prevenção especial não resultaria acautelada, pois que o arguido, em face do exposto, não oferece, ao nível do risco aceitável, garantias de se afastar, no futuro, da criminalidade sexual, caso a punição se fique por uma advertência de prisão.

    E, acima de tudo, agora no plano da prevenção geral, “integrada pela ideia da culpa”, conclui-se que só "exteriorização física da reprovação", pela execução da pena de prisão aplicada, oferece a garantia do sentimento da prevalência dos bens jurídico-penais (que na sua génese ontológica se pretendem preservados), através da íntima assunção, pela comunidade, de que foi aplicada a pena justa, merecida e eficaz.

    Há, efectivamente, em vista das finalidades de prevenção, limites mínimos da punição que não devem ser ultrapassados, mesmo perante os ditames da ressocialização, sob pena de intolerável e perniciosa inversão de toda a lógica do sistema jurídico-penal.

    (…) Concluindo: -Assente que: O arguido cometeu, em autoria material e concurso efectivo, um crime de “coacção grave” e dois crimes de “coacção sexual” agravados, p. e p., respectivamente, nas disposições dos arts. 154°/1 e 155°/1-a) e 163°/1 e 177°/4 do Código Penal, pelo que foi condenado na pena única de 4 anos de prisão; -Apurado, pois, em concreto e em síntese, que: O arguido, de 25 anos de idade, surpreendeu a menor, de 13 anos, na garagem e adega da residência desta quando ela ali se encontrava sozinha; Em seguida, após a ter agarrado com ambos os braços e a ter imobilizado, a encostou a um bidão de azeite e lhe despiu os calções que ela trajava, e retirou o pénis das calças, após o que tentou introduzi-lo na vagina dela, o que não veio a conseguir por se encontrarem de pé e as estaturas de ambos não o proporcionarem, acabando, no entanto, por lhe introduzir um dedo na vagina; De seguida, o próprio arguido friccionou o pénis com a mão, tendo forçado a menor também a friccionar-lhe o pénis com a mão dela até atingir a ejaculação; Noutra ocasião, o arguido se dirigiu à casa de residência da menor, onde esta se encontrava sozinha, e, aí, depois de a ter agarrado pelos braços, a levou à força para a casa de banho, onde a encostou a uma das paredes, após o que começou a beijá-la e a levantar-lhe a “ t shirt” de forma a despi-la para lhe poder beijar os seios, não o tendo conseguido directamente por a menor manter o soutien vestido; Nessa altura, surgiu na dita casa, vinda da rua, a mulher do arguido, cuja presença, no interior, detectada por ele, impediu que o mesmo prosseguisse os seus intentos de manter relações sexuais com a menor; e o arguido, após a prática dos factos descritos, disse à menor que a mataria se contasse a alguém o sucedido, o que a impediu de o revelar a quem quer que fosse, receosa, como ficou, de que aquele concretizasse o mal anunciado.

    -Apurado ainda que: Após a condenação em l.ª instância, o arguido pagou à ofendida a quantia de 2.500,000 €, a título de danos morais; Se apresentou voluntariamente a fim de cumprir a pena de 4 anos de prisão que lhe foi aplicada; Beneficia de apoio incondicional por parte da família de origem; Não tem antecedentes criminais.

    -Mas comprovado também que: Foram particularmente gravosas para a menor, ao nível emocional, psicológico, afectivo e intelectual, as consequências dos factos; Foi de elevada intensidade o dolo (directo), evidenciando a matéria de facto que o arguido agiu em circunstâncias que facilitaram os contactos sexuais com a menor, sozinha e indefesa em casa, do que se aproveitou, e com abuso das especiais relações que mantinha com os respectivos progenitores, cuja casa frequentava; A menor era sobrinha (por afinidade) do arguido.

    -Mostra-se injusta, imerecida, desadequada e ineficaz face à satisfação das necessárias exigências de prevenção especial e geral, integrada esta pelo princípio da culpa, a suspensão da execução da pena de quatro anos de prisão aplicada, ainda que sujeita a regime de prova.

    -Violou a douta decisão recorrida o disposto no art. 50°/1 do Código Penal.

    Conclui o recorrente formulando um juízo de procedência do recurso e pugnando pela alteração da decisão recorrida, no sentido de não se suspender a execução da prisão imposta.

    O assistente secundou a argumentação do recorrente.

  4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pronunciando-se, a fls. 982 e 983, no sentido de que o recurso merece provimento, louvando-se, para esse efeito, na motivação apresentada pelo Ministério Público junto da 1.ª instância.

  5. Foram colhidos os vistos, após o que realizou-se a conferência, nos termos legais.

    II – Fundamentação 1.

    Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

    O recurso reporta-se, unicamente, à apreciação da suspensão da...

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