Acórdão nº 371/07.8TAFAF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O Tribunal da Relação de Guimarães confirmou a decisão proferida em sede de primeira instância que condenou o arguido AA na pena de quatro anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de abuso sexual de criança, na forma continuada, p. e p. pelos art°s 30°, nº2, 79° e 172°, nº 1 e 2 do Código Penal.

Mais foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e condenado o mesmo AA a pagar aos demandantes BB e CC, que representam em Juízo sua filha DD, os seguintes montantes: - €510, 11 a título de reparação pelos danos patrimoniais sofridos em deslocações e frequência de centro pedagógico, acrescido de juros à taxa legal de 4% desde 6 de Novembro de 2008 até integral e efectivo cumprimento; - O que vier a ser liquidado a título de perdas salariais da mãe da menor, até ao montante máximo peticionado de € 117; - € 15.000 a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescidos de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efectivo cumprimento.

Previamente á decisão referida a conferência pronunciou-se sobre decisão do Juiz Desembargador relator que teve por objecto o pedido de julgamento em audiência. Refere-se ali que: O legislador consagrou, desde a versão original do Código de Processo Penal, sistema de recurso assente no julgamento precedido de audiência. Assim, e com excepção de recursos manifestamente improcedentes, com verificação de causa extintiva do procedimento criminal ou perante recurso de decisões intercalar, emergia da conjugação dos artigos 419°, n04 e 4230 entendeu-se que o debate oral constituía a forma mais adequada de consagrar o recurso com «conhecimento autêntico de problemas e conflitos reais, mediatizado pela intervenção motivada pelas pessoas» I.

Porém, em 2007, o legislador alterou esse sistema e inverteu a regra da oralidade da audiência de recurso, passando agora a audiência a realizar-se apenas quando requerida pelo arguido. Esse propósito encontrou expressão na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 109/X-2, na origem da Lei n° 48/2007, de 29/8: «tendo presente que a audiência no tribunal de recurso corresponde a um direito renunciável, prevê-se que o recorrente requeira a sua realização, especificando os pontos que pretende ver debatidos» e encontra na sua origem, como aponta Simas Santos, a consideração de que a audiência havia-se convertido frequentemente em acto processual supérfluo, sendo muito raro acontecer no sistema de audiência obrigatória verdadeiro debate oral sobre as razões do recurso, que não se restringe ao acto de alegar, passando também pelo questionamento clarificador por parte do Tribunal. A prática judiciária passava pela simples leitura das motivações, quando não pela falta de comparência sistemática do mandatário do recorrente e a sua substituição por defensor oficioso, o que correspondeu naturalmente à generalizada desvalorização do acto.

Assim, no nº5 do art° 411°, na redacção conferida pela referida Lei nº 48/2007, de 29/8, veio o legislador estabelecer que a audiência apenas se realiza a requerimento do recorrente. Mas, não se ficou por esse conteúdo normativo: estabeleceu limitação ao exercício do direito à audiência em recurso, impondo ao requerente que especificasse contemporaneamente o objecto do debate oral pretendido. Perante as razões da mudança da regra da oralidade introduzida, a teleologia desse segmento normativo surge clara: introduzir regras que evitem o abuso do instituto e a repetição da degradação das audiências facultativas, e determinar no requerente reflexão sobre o seu interesse através da imposição de concretização do que se pretendia ver discutido.

Dito isto, importa referir que o legislador de 2007 não foi inteiramente feliz, na medida em que deixou intocado o disposto no art° 423°, nº1 do CPP, no qual se confere ao relator o dever de «enunciar as questões que o tribunal entende merecerem exame especial», numa aparente sobreposição relativamente ao ónus constante do nº2 do art° 411 ° do CPP. Dizemos aparente porque, cremos, a compatibilização entre os preceitos não é difícil: significa que o enunciado formulado pelo relator toma como ponto de partida o leque de questões apresentadas no requerimento formulado para realização de audiência. Esse é o entendimento sufragado por Simas Santos sobre o conteúdo daquele nº1, cuja formulação que se transcreve: «Nessa exposição, que incide sobre o objecto do recurso, o relator enuncia as questões que ° tribunal entende merecerem exame especial. Tal exposição, para cumprir o seu objectivo, não deve consistir na fastidiosa leitura do projecto de acórdão, como tantas vezes sucede, mas deve limitar-se, depois de indicar sinteticamente o objecto do recurso, a referir as questões em apreciação, de preferência sobre a forma de perguntas. Deve notar-se alguma contradição criada com a disposição que impõe que o recorrente, ao requerer a audiência, a especificação dos pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos (n05 do art° 411°), contradição que deve ser resolvida no sentido de caber ao relator a enunciação das questões que merecem exame especial, designadamente de entre as indicadas pelo recorrente» Ora, no caso em apreço, o recorrente exerceu o direito a requerer a audiência mas não respeitou o ónus de formular as questões a debater, impedindo inerentemente o exercício pelo relator do dever de selecção, em função da respectiva pertinência, e, então, deixou a audiência sem objecto, inútil.

Considera o reclamante que o direito a requerer a audiência conforma-se como direito discricionário e cita Paulo Pinto de Albuquerque no seu comentário, pág. 1131. Porém, salvo o devido respeito, esse autor refere essa discricionariedade à oportunidade do exercício do direito e não também quando a revestir os requisitos estabelecidos por lei. Por isso reputa o direito de vinculado, a controlar pelo relator. Acresce que Germano Marques da Silva também nada diz de diferente pois a sua posição - de direito a constituir, note-se - apenas versa o momento mais adequado para o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT