Acórdão nº 2275/07-1 de Tribunal da Relação de Évora, 29 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução29 de Janeiro de 2008
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, precedendo audiência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.

A - Relatório: No âmbito do processo comum perante tribunal singular n.º ...do Tribunal Judicial de ... foi o arguido, A. ...

, , nascido a 20.06.1964, por sentença de 06-11-2006, na procedência da acusação, e na parte crime: Condenado como autor material de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, n.º1, do Código Penal, na pena parcelar de 150 (cento e cinquenta) dias de multa; Condenado como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo 292, n.º 1, do Código Penal, na pena parcelar de 100 (cem) dias de multa; Condenado, operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, na pena única de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz o valor de € 1.000 (mil euros); Condenado, na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 10 (dez) meses (artigo 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal); Condenado nas custas e mais legal.

*Na parte cível 2.1. Pedido civil dos demandantes M.; P. e A.

: Julgado o mesmo parcialmente procedente e, em conformidade, decidido: A) Condenar a demandada Companhia de Seguros ...., S.A. pagar os referidos demandantes as seguintes quantias, a título de danos não patrimoniais: A1) € 10.000 (dez mil euros), pela perda do direito à vida (20% do valor de € 50.0000); A2) € 200 (duzentos euros), pelo dano sofrido vítima antes de morrer (20% do valor de € 1.000); A3) € 15.000 (quinze mil euros), pela dor sofrida pelos demandantes com a morte da vítima, cabendo a cada um dos demandantes a quantia de € 5.000 (20% do valor de € 25.0000); B) Condenada a demandada Companhia de Seguros ...., S.A. pagar os referidos demandantes as seguintes quantias, título de danos patrimoniais: B1) €339,50 (trezentos e trinta e nove euros e cinquenta cêntimos), a título de despesas de funeral (20% do valor de €1697, 50); B2) A quantia que se vier apurar em execução de sentença a título danos futuros resultantes da perda de capacidade de ganho do falecido, não podendo, contudo, a quantia a apurar ser superior a €33.779,50 (20% do valor de €168,897, 50); C) Condenada a demandada Companhia de Seguros ..., S.A. nos juros de mora, à taxa legal, que se vencerem desde a data da prolação da presente sentença e até integral e efectivo pagamento, no que se refere às quantias discriminadas em A1; A2; A3; D) Condenada a demandada Companhia de Seguros ..., S.A. nos juros de mora, à taxa legal, que se vencerem desde a data da notificação do pedido cível à demandada e até integral e efectivo pagamento, no que se refere às quantias discriminadas em B1 e B2; E) Absolvida a demandada na restante parte do pedido.

F) Condenados os demandantes e demandada nas custas, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido aos demandantes.

*2.2. Pedido civil deduzido pelo Instituto Segurança Social: Julgado o mesmo parcialmente procedente e, em conformidade, decidido: A) Condenar a demandada a pagar ao demandante a quantia de €1.416,1 (20% de € 7.080,48) acrescida juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido cível à demandada e até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a da restante parte do pedido; B) Condenar demandantes e demandada nas custas, na proporção do respectivo decaimento.

*Inconformado, o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de ... interpôs recurso peticionando a absolvição do arguido, com as seguintes conclusões: "1 - Tendo em conta os factos dados como provados, e em particular, os pontos 4. e 5. do seu elenco, não era possível, nem exigível ao arguido, neste caso concreto, retirar o veículo de outra forma, tendo em conta as características da Travessa ..., ainda que, formalmente, o mesmo tenha incorrido na prática da contra-ordenação estradal prevista no art. 47º, nº1, al. b), do Código da Estrada, na sua actual redacção; 2 - A violação de uma contra-ordenação do Código da Estrada não é suficiente para se concluir pela existência da violação de um dever de cuidado que se exige para o preenchimento do crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo art. 137º, nº1, do Código Penal, uma vez que sempre terá que ser chamado à colação, no âmbito do direito rodoviário, o princípio da confiança, caracterizado pela expectativa que assiste aos utentes da via pública de que os restantes utentes da mesma via não cometerão infracções estradais; 3 - Ao ter permanecido a olhar para a direita (mais concretamente para a parte traseira do veículo) durante a execução da manobra de marcha atrás, o arguido não violou qualquer dever de cuidado, uma vez que, antes de iniciar a manobra, o arguido olhou para a sua esquerda e certificou-se que não vinham veículos em sentido contrário, nem peões no local; 4 - Não era possível ao arguido controlar em simultâneo o seu lado direito e o esquerdo durante o escasso tempo de execução da manobra, pelo que, agiu com a diligência devida quando optou por concentrar a sua atenção no seu lado direito, por forma a controlar a trajectória do veículo, após ter olhado, primeiro, para o seu lado esquerdo; 5 - A vítima surgiu de forma inopinada e imprevisível, uma vez que caminhou em passo acelerado em direcção ao veículo em movimento, após o arguido se ter certificado de que não havia peões, e já em plena execução da manobra, quando o arguido tinha a atenção voltada para o seu lado direito, mais concretamente, para a traseira do veículo, conforme lhe era exigível; 6 - O arguido não agiu com violação de dever de cuidado, uma vez que procedeu com o cuidado que lhe era devido e exigível a uma pessoa com as características do arguido, naquelas circunstâncias em concreto; 7 - O acidente deveu-se unicamente à conduta da vítima, com a qual o arguido não podia nem devia contar; 8 - Em face da matéria dada como provada, conclui-se que o arguido não violou o dever de cuidado que se exige para o preenchimento do crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo art. 137º, nº1, do Código Penal, pelo que deve o mesmo ser absolvido da prática deste crime, tendo o Exmº Juiz incorrido em erro na determinação da norma aplicável, nos termos do art. 412º, nº2, al. c), do C.P.P., ao ter condenado o arguido pela prática deste crime".

***A companhia de seguros ...., não se conformando com a decisão, interpôs recurso pedindo que o mesmo seja julgado procedente revogando-se a sentença recorrida e se absolva a Ré dos pedidos, principal e do C.N.P., formulando as seguintes (transcritas) conclusões: "1.ª - A recorrente aceita a matéria de facto assente; 2.ª - De acordo com a douta sentença, "... a manobra de marcha-atrás que o arguido efectuou é tecnicamente correcta e, provavelmente, teria sido feita por uma pessoa que não estivesse sobre o efeito do álcool" (pág. 13 da douta sentença); 3.ª - Refere ainda a douta sentença que "no direito rodoviário a principal fonte de aferição dos deveres objectivos de cuidado é constituída pelas normas de tráfego ... mormente Código da Estrada e legislação avulsa conexa - e onde assume particular relevo o chamado principio da confiança, segundo o qual quem se comporta no tráfego de acordo com a norma de cuidado objectivo deve poder confiar que o mesmo sucederá com os outros ... Ou, dito de outra forma, não são os condutores obrigados a contar com a falta de prudência alheia".; 4.ª - Ora, concluindo o Mmo. Juiz que a manobra foi efectuada pelo arguido com todo o rigor técnico e como o faria um "um bom pai de família", não há que lhe imputar qualquer responsabilidade; 5.ª - Em contrapartida, tendo-se provado que a inditosa vítima saiu do Bar em passo acelerado, sob a influência de uma TAS de 3,16 g/l, que ao efectuar o atravessamento na Rua ...tomou uma trajectória que o colocava em rota de colisão com a parte lateral junto à roda dianteira esquerda do veículo, que a inditosa vítima não parou o atravessamento, que o atravessamento não demorou mais de 5 segundos e que a menos de 50 metros existia uma passagem especialmente sinalizada para a travessia de peões, entende-se que a culpa do acidente foi devida exclusivamente ao cumprimento culposo próprio da vítima; 6.ª - Não obstante, o Mmo. Juiz acabou por condenar o arguido e a recorrente com o fundamento de que aquele estacionou o carro e efectuou a manobra em local proibido; 7.ª - Ou seja, o arguido tinha necessariamente de realizar a manobra de marcha-atrás, mas porque havia estacionado em local proibido, fez uma manobra em local proibido e concorreu para a morte da vítima; 8.ª - Salvo o devido respeito, esta fundamentação carece de total validade designadamente por não haver nexo de causalidade, atenta a factualidade apurada, entre tal manobra - efectuada com todo o rigor técnico - e o embate na vítima que só a ela se ficou a dever; 9.ª - Acresce que o arguido e a vítima saíram juntos antes de entrarem no bar, que a vítima sabia onde o arguido estacionou, que conhecia o local e que era habitual clientes do Bar estacionarem à noite na Travessa, como foi o caso da única testemunha presencial J.; 10.ª - Aliás, a lógica da sentença, desenvolvida, levaria necessariamente a que mesmo que o veículo se mantivesse imobilizado, parado e estacionado, o arguido sempre seria culpado em razão do estacionamento, sendo igualmente culpada a testemunha Pereira dos Santos por ter estacionado também em local proibido e por ter pedido ao arguido para retirar o veículo! 11.ª - Face à inadmissibilidade deste raciocínio, deve a culpa do acidente ser imputada na totalidade à inditosa vítima.

12.ª - Sem conceder, sempre se dirá que a indemnização pelo direito à vida é exagerada, devendo ser reduzida para 40.000€; 13.ª - O mesmo acontecendo relativamente aos danos não patrimoniais, que devem ser reduzidos para 40.000€, sendo 15.000€ para a viúva e 12.500€ para cada um dos filhos; 14.ª - A douta sentença recorrida violou o disposto nos artos. 99.º, nº. 1, 100.º e...

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